Prisioneira do amor

Ana contemplou seu rosto no espelho e chorou ao ver o olho esquerdo roxo. Ela procurou algum remédio para aliviar a dor. Não tinha. Ele a privava de remédios também, nem anticoncepcional ela tomava. Eram apenas oito horas da manhã e certamente ele não voltaria antes da cindo da tarde. Precisava limpar a casa, lavar a roupa suja, e fazer a comida. Mas como? Esqueceu-se que não tinha mantimentos? Ele fazia de propósito, para poder brigar com ela, tudo era motivo para uma discussão. Ana precisava se acostumar ainda.

De dentro da casa Ana podia ouvir os barulhos na rua, crianças brincando, andando de bicicleta na calçada, mulheres conversando com outras, falando dos maridos, dos trabalhos caseiros ou dos filhos na escola. Vozes masculinas falando do jogo de futebol. A vizinha Cremilda reclamando do gato do vizinho que ameaçou o passarinho na gaiola. Só sabia o nome dela porque ouviu a mulher brigando com outra. Nunca tinha visto o rosto dela. Às vezes ria sozinha, debochando dos vizinhos, feliz por eles não poderem vê-la. Ajudava a passar as horas. Às vezes, chorava muito porque vivia trancada, como se fosse uma criminosa, como se tivesse uma doença contagiosa. Sozinha, com suas mágoas, com suas lembranças, umas boas outras muito ruins.

Ela bem que podia destrancar aquela maldita porta e sair, pegar um pouco de sol, de ar puro, abrir as janelas e deixar o vento trazer pra dentro de casa, um pouco de vida e oxigênio. Mais tinha medo. E se ele soubesse? E se algum vizinho comentasse, e ele ouvisse. Se alguém, por algum motivo, por mais banal que fosse, parasse o marido na rua para dizer: Vi sua esposa, que linda! Parabéns! Ana estremeceu só de pensar naquele brutamonte batendo nela, como ameaçava muitas vezes. Não. Ela jamais tocaria naquela chave. Ela ficaria lá como símbolo de sua submissão.

Devia dar graças a Deus porque agora, ele deixava a chave na porta. Tentava se consolar. E antes? Lembrava. Ele saía de manhã e às vezes só voltava no dia seguinte. Uma vez ele levou dois dias inteiros para aparecer. Zombava do medo dela e mandava a mulher ficar em silêncio. Ana obedecia. Às vezes ele gostava daquela submissão, então, ele mandava que ela se aproximasse dele, que sentasse no seu colo e depois ficava conversando sobre qualquer coisa. Acariciava seus cabelos e beijava seus lábios. Era muito bom.

De um momento para o outro o humor mudava. Parecia que gostava dos seus beijos. Mas então, ficava nervoso, mandava ela para o quarto e ameaçava bater nela. A noite terminava ali. Ele dormia na sala e ela sozinha no quarto. Tinha noites que ele elogiava a comida dela. Lembrava a mulher enquanto arrumava o restante da casa. Ele comia com gosto. Mas quando já chegava irritado, ele jogava a comida longe. Muitas noites, Ana dormiu com fome, porque ele enchia as panelas de água. Quanto tempo mais podia agüentar? Perguntava-se. Será que aquele amor que sentia por ele poderia sobreviver a tudo? O tempo diria que não! Então certamente ela sairia por aquela porta e iria embora para sempre!

Mas naquele momento não. Precisava ficar. Precisava dar uma chance a ele (ou a si mesmo?) pensava. Ficaria com ele mesmo que fosse pelo bebê que carregava em seu ventre.

Marion Vaz
Enviado por Marion Vaz em 29/11/2010
Código do texto: T2642817
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