A ESTÓRIA DE UM AMOR PROIBIDO.
O Sol surgia, derramando sua luz, formando um arco - íris
de cores dispersas sobre os horizontes visíveis, pincelando
de ouro, a fímbria dos vestidos brancos, das nuvens. Bandos
de pássaros em revoadas sonoras movimentavam o espaço,
e seus trinados se misturavam ao doce ressoar de uma flauta
que soava longínqua, plangente e solitária, um apelo triste do
qual só ela sabia o significado. Sem mesmo espreguiçar - se,
levantou - se e, furtivamente saiu para fora da tribo, os longos
cabelos soltos tangidos pela brisa fresca e perfumada, que
vinha das florestas e bosques que a tudo cercavam, com seu
verde vivo e a exuberância de vida ali existente.
No grande rio que rugia, transpondo o obstáculo de pedras
polidas por sua passagem, ao longo do tempo, imergiu o corpo
exausto pela noite insone, lavou o rosto e molhou os cabelos,
jogando a cabeça para trás, em seguida, atraindo para as gotas
que dos cabelos se soltaram, brilhos de cristal cintilando pequenos sóis, formando, por um instante, como uma auréola de diamantes
em torno de sua cabeça altiva.
Lágrimas ardentes rolavam dos olhos negros e profundos...
Ouvia mais próximo, o som da flauta, e seu desejo era ter
asas para voar até aquele alguém que soprava o instrumento,
tirando dele, a mais triste melodia que jamais ouvira...
Tentando controlar seus pensamentos, consciente das consequências,
para ele, se fosse ao seu encontro, caminhou em sua direção,
mas por dentro da fechada floresta, de modo que ninguém,
nem mesmo ele pudesse vê - la. Tudo que desejava era, pela
última vez, sentí - lo o mais próximo que fosse possível. Era o
seu amor, seu infinito amor proibido, o mais belo e valente
guerreiro pertencente à tribo inimiga de morte, do seu povo!
Mas que culpa tinham de terem se conhecido e se amado??
Amaram - se às escondidas, louca e perdidamente, nas noites
mornas e enluaradas, sob as estrelas, em clareiras alcatifadas
de relva macia, dentro da floresta fria, mas cúmplice, onde os pirilampos os cercavam, como se fossem espíritos da natureza a protegê - los e àquele amor puro que os unia, um ao outro, e
que juravam seria para sempre...
Até que, seguindo as tradições dos seus ancestrais, o grande
chefe comunicou a seu pai que escolhera um esposo, para ela,
e o ritual do casamento seria realizado antes de três luas.
Quando recebeu a notícia do que para ela soou como uma sentença de morte, isolou - se no cimo de uma montanha, e quando surgiu
a lua, orou com fervor, suplicando: "Jaci!! Deusa do amor, eu
suplico, intercede por mim junto ao grande Manitu!! Pede - lhe
que impeça que algum dia, outro homem toque meu corpo, pois
ele já pertence àquele a quem entreguei meu amor e minha alma!! Nada sou e nem serei, sem ele, e se não mais puder ter seu amor,
irei de encontro aos meus antepassados!!".
Suas preces foram em vão. Seu destino estava decidido, selado.
Numa noite fria de inverno, quando falou ao amado sobre o que
se havia decidido sobre sua vida, o grande guerreiro chorou, mas
recobrando sua postura digna e corajosa, jurou que a tirariam
dele apenas se o matassem, porém cobraria muito caro, por sua vida!! E nesse instante, ela decidira sobre suas vidas... Amaram - se
perdida e desesperadamente, como nunca, antes, mas dos seus
olhos as lágrimas rolavam, suavemente... Com seu coração
dilacerado, despedia - se do amado, silenciosamente...
Nas noites seguintes, infalivelmente, como sempre havia sido,
ouvira o chamado plangente, da flauta, mas não foi, mais,
ao encontro do amado... Sabia que a vida dele estava em suas mãos...
Saindo de dentro do grande rio, as belas vestes de couro bordadas
com sementes coloridas, como fossem miçangas, e ostentando delicadas pinturas miúdas de flores e pequenos animaizinhos,
pesando no corpo esguio como uma mortalha de chumbo, por
estarem totalmente molhadas, dirigiu - se à clareira onde, com
seu amor, transformara numa alcova natural, para se entregarem
um ao outro, vivendo apaixonadamente, o sentimento que os posssuía. Ajoelhou - se e recolheu - se em oração meditativa por
todo o dia, rogando ao grande Manitu que a perdoasse, pois sua
vida havia perdido completamente o sentido, que tivesse piedade
de sua alma e a acolhesse nas grandes campinas sagradas, onde
se encontravam seus ancestrais. Quando a lua clareou o céu,
deitou - se, calmamente decidida, tirando de uma dobra da roupa
ainda molhada, um minúsculo recipiente de couro do qual retirou alguma coisa, e cercada pela claridade verde dos pirilampos,
ouvindo novamente a melodia amada que cessara, durante o dia, ressoando em meio ao ruído das águas do rio, soando agora,
para ela, como um réquiem, e vislumbrando os últimos raios de
sua amada Jaci, filtrados pelas grandes árvores copadas, ingeriu
de uma vez só, aquilo que acreditava a libertaria de uma vida de torturas e salvaria a de seu amado...
O Curare fez efeito imediato, e logo depois, uma brilhante e
pisca - piscante estrela olhava, do firmamento imenso, apenas
para aquele solitário guerreiro que tocava, tristemente, sua flauta...