Desencontros

NOTA: Após muitos contos de terror, decidi praticar com outros estilos bem diferentes. Esta é minha primeira tentativa para um conto romântico. Aguardo comentários, sejam bons ou ruins.

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Amores em nossas vidas são muitos, vêm e vão, alguns deixam marcas e de outros não sobram nem lembranças. Alguns são despertados para depois adormecerem, enquanto outros assumem o palco do coração, mas sem pedir licença esses adormecidos e sonolentos roubam a cena e tornam-se o centro das atenções novamente até ficarem bem vívidos e acordados. É uma grande montanha russa, que sobe, desce, faz curva e despenca de uma vez de grande alturas. Provoca frio na barriga e traz o estômago na boca. Mas parece que nunca há uma concordância entre o que ocupa nosso coração no momento com as condições no mundo lá fora. Antes fosse simples amar e simplesmente estar com pessoa amada, mas quem disse que o mundo foi feito para ser fácil? Tudo bem que não seja fácil coincidir o que está em nosso coração com a realidade do cruel mundo, mas parece que Lucas e Nara definitivamente tinham peças que não se encaixavam.

Nos inolvidáveis dias da infância, em tenra idade de se descobrir o mundo, Lucas conhecera uma garota que agradara-o sobremaneira, tanto pela beleza como pela infantil, mas cativante, personalidade. Inconscientemente ficava mais próximo a ela do que aos outros garotos da escola, mesmo que ele não tivesse coragem para falar com ela. Não eram da mesma turma, mas de tanto Lucas rodear Nara, logo houve chance para trocaram as primeiras palavras. Ainda que de forma pouco normal, já que um simples “oi, tudo bem?” resolveria o problema e quebraria o gelo, Lucas sentiu-se cheio de si e mais confiante depois daquele sorriso lindo e do “Muito obrigado!” dado com toda simpatia, depois do gesto de Lucas. Lucas estava a observar Nara com suas amigas, como um cão de guarda a vigiar seu dono. As meninas brincavam, corriam de um lado para o outro, em uma área externa na escola, próximo a um pequeno barranco, onde no fim havia mato e por fim o muro da escola. Quando as meninas pararam de brincar, Nara notou que havia perdido seu prendedor de cabelo. Procurou em volta mas nada encontrou. Sua tristeza era notória, aquele prendedor tinha algum valor para ela. Comentou com as amigas que talvez o objeto teria caído no barranco, no meio do mato, no entanto nenhuma garota de 11 anos teria coragem para descer e procurar qualquer coisa ali. Lucas observou a tudo e viu ali sua grande chance! A chance de encontrar o prendedor era mínima, pois o mato era denso, e ele não poderia simplesmente descer ali e ficar procurando, pois o sinal já soara e todos deviam voltar às salas de aula. Pensou rápido, e fingindo ser um acidente, lançou a bola que tinha nas mãos barranco abaixo! E correu para buscá-la.

- Espere, só vou pegar minha bola! - Lucas avisou a inspetora que já estava de olho nele.

Lucas pegou a bola, era sua chance agora. Cinco passos seriam suficiente para ele subir o barranco, e era cinco passos que ele tinha para encontrar o prendedor. Lucas mal pode acreditar quando no segundo passo viu um objeto diferente entre o mato, e ao verificar mais de perto teve certeza, era o prendedor! Lucas subiu em disparada, de cinco passos necessários, subiu em três passos e meio correu em direção a Nara, que estava dirigindo-se para sua sala de aula.

- Nara! - Chamou-a, sem nem ao menos pensar que ela estranharia o fato de que ele sabia seu nome.

Nara virou-se, com expressão de dúvida. Lucas sentiu um frio na barriga, e sem nada dizer, apenas esticou o braço entregando o prendedor. Nara arregalou os olhos de alegria e tomou o prendedor em suas mão.

- Obrigada Lucas! Muito Obrigada! - Virou-se e saiu feliz e contente.

Lucas ficou ali parado, estava estático, hipnotizado. Pensava: “Ela sabe meu nome! Ela sabe meu nome! Significa que ela também me observa!”. Sim, Lucas não estava errado, ela o observava também. Mas dificilmente Lucas perceberia, pois cada vez que seus olhares se cruzavam, Lucas olhava em outra direção, com medo de encarar Nara olho a olho. Sendo assim, nunca observou o quanto ela também o “vigiava”.

Os dias passaram, o prendedor tornou-se motivo para alguns “oi” ocasionais e outros “Quer um pedaço?” na hora do lanche, sempre que se cruzavam. Isso foi um grande progresso para Lucas.

No ano seguinte, ambos caíram na mesma sala. E sentindo-se atraídos, acabaram por sentar-se próximos, estabelecendo de um vez uma amizade, que escondia profundos sentimentos. Anos se passaram, em dados momentos, ficavam mais distantes e depois se aproximavam. Cresceram, tiveram suas experiências com outras pessoas, mas nunca conseguiram estabelecer algo entre si. Isso deixava Lucas frustrado e confuso, ao mesmo tempo em que suspeitava que seus sentimentos eram correspondidos por Nara, pairava sobre ela uma grande incógnita.

Já adultos e universitários, ambos foram para a mesma universidade, mas para cursos diferentes, o que levou a se distanciarem um pouco. Mas os sentimentos são sempre tão confusos e nos fazem a agir de forma estranha. Lucas, ao invés de procurar estar junto de Nara, decidiu que o melhor seria encontrar uma namorada, para mostrar a Nara o que ela estava perdendo. Até poderia ser um bom plano, mas quando foi que Nara disse que não queria estar com Lucas? Nunca foi dito, nem sim, nem não. Mas mesmo assim, Lucas decidiu acreditar que ela estava esnobando-o. Assim fez, e adorava desfilar com a namorada para que Nara em algum momento pudesse ver. Certo dia, Nara estava sozinha sentada num banco, lendo alguma coisa e Lucas decidiu aproximar-se para uma conversa.

- Oi Nara!

Nara olhou para cima, e seu belo sorriso fez queimar o peito de Lucas.

- Oi! Tudo bem?

- Sim. Posso me sentar?

- Claro!

- Está estudando?

- Sim, tenho prova hoje.

- Ah sim, bem então melhor eu não te atrapalhar.

Ao dizer isso, Lucas foi se levantando, mas Nara segurou-o pelo braço.

- Não precisa. Eu já cansei de estudar mesmo.

Lucas sentiu o macio toque de Nara, fazendo o arrepiar.

- Está com frio Lucas?

- Ah sim, bem... não... quer dizer as vezes eu arrepio mesmo! - Essa desculpa era no mínimo estranha, mas o que se podia fazer, era verão, estava quente.

- Então, como você está?

- Bem, estudando bastante. E namorando também! - Lucas enfatizou.

- Ah... legal. Vi mesmo você andando com uma garota. Ela parece bem bonita.

- Ela é mesmo!

- Que bom que está feliz. - Disse Nara sorrindo.

- Sim e quanto a você?

Lucas esperava ouvir um “Estou sozinha!”, ou ainda em seus mais profundos desejos: “Estou sozinha! Pois sem você, prefiro ficar sozinha!”.

- Bem, eu...

Nara foi interrompida por um belo rapaz que chegando por trás cobriu-lhe os olhos.

- Adivinha? - O estranho perguntou.

- Roberto? Deixe disso não somos mais crianças! - Disse Nara retirando as mãos dele de seus olhos.

Para espanto e horror de Lucas, Nara levantou-se e beijou o rapaz na boca. Todas as suas expectativas se desmoronavam ali.

- Lucas, esse é meu namorado, o Roberto.

- Prazer! - Roberto estendeu o braço, oferecendo um aperto de mão a Lucas.

- Ah... prazer! - Lucas tentou ser agradável, mas foi difícil esconder o desapontamento. - Bem, preciso ir para a aula, até mais!

Lucas virou-se e saiu, e pode então desmontar sua expressão falsa de simpatia. Espiou ligeiramente sobre seus ombros e viu os dois se abraçando. “Que droga!”, pensou ele, “Agora ela vai ver!”. Nos dias que se passaram, Lucas intensificou seu “entusiasmo” com a namorada, para mostrar a Nara, o quanto estava “feliz”. Ela parecia não dar muita atenção, na verdade parecia muito feliz com o namorado.

Mais anos se passaram, ambos intensificando seus relacionamentos, tornando-os mais sérios. Lucas conversara inclusive sobre casamento com sua namorada, achava que Nara era uma paixão de adolescente. No entanto, cada vez que mirava o belo rosto de Nara, um rebuliço em sua barriga aparecia e por dias ficava imaginando coisas. Mas quanto mais o tempo passava, mais distante ficava qualquer esperança de um dia estarem juntos. Lucas continuou inconscientemente a tentar provocar ciúmes. Era inconsciente, pois sua intenção agora era continuar com a namorada, e tinha em sua mente que não sentia mais nada por Nara, entretanto, algumas de suas ações não mostrava isso. De forma não declarada, esforçava-se por estar nos mesmos lugares que ela, encontrar motivos para falar com ela e assim permaneceu, nesse estranho jogo.

Já adultos e formados, acabaram conseguindo emprego na mesmo companhia. Eram de setores diferentes, mas sempre se cruzavam. E Lucas, ainda continuava a encontrar motivos para ter que estar com Nara, mas em sua mente, tudo o que acontecia era fruto do acaso. Lucas já estava noivo, bem como Nara. O casamento de ambos não tardava a acontecer. Certa vez, encontraram-se durante o horário de almoço e sentaram juntos, já que não havia muitos lugares disponíveis. Pelo menos essa foi a desculpa de Lucas.

- Então, como anda os preparativos para o casório? - Iniciou Lucas

- Uma correria danada! Mil coisas para pensar, mulher sofre nessas horas. Imagino que sua namorada está no mesmo ritmo.

Sem querer ficar para trás, Lucas respondeu:

- Sim, está sim! Uma loucura só, precisa ver. Ela até pediu uns dias de folga no trabalho para conseguir tratar tudo.

- Ah legal, bem que eu gostaria também de alguns dias, mas isso seria impossível.

- Que legal que encontrou alguém. - Lucas tentou levar a conversa para um lado diferente, ainda de forma inconsciente, esperava dela um “Não encontrei! Quero você!”.

- Ah sim... Você também deu sorte não é?

Lucas, mais uma vez, fingindo estar muito feliz, respondeu:

- Claro! Claro! Eu... eu... gosto muito da minha noiva! Vamos ser muito felizes!

- Meus parabéns amigo!

Nara não pareceu feliz, e não fez questão de esconder. Lucas percebeu, no entanto, sentia-se confuso, pensou que teria sido melhor não demonstrar tanto entusiasmo. Mas segundos depois lembrou que estava falando de seu casamento, que era sério demais para estar a esta altura do campeonato brincando de fazer ciúmes.

- Sim, eu amo muito minha noiva. Vamos ser muito felizes!

- Parabéns Lucas, fico feliz por você. Preciso ir agora, até mais!

Nara rapidamente levantou-se da mesa, deixando ainda parte de sua refeição no prato. “Mulheres... Vai entender...”, pensou Lucas. Ele não compreendia as atitudes de Nara, que parecia tão feliz antes com o tal “modelo de revista”, como Lucas o chamava.

Ao fim daquele dia, Lucas saiu do trabalho e dirigiu apressado para casa, uma tempestade estava para cair a qualquer momento. No caminho, viu um carro parado com problemas, e apesar de ser um carro popular igual a centenas de outros, Lucas conhecia muito bem a placa do carro. Era Nara. Sem pensar duas vezes, Lucas parou para socorrer a amiga. Ao dirigir-se para falar com Nara, que estava ainda no banco do motorista, notou que ela chorava copiosamente.

- Está tudo bem Nara?

Nara não viu a aproximação de Lucas e assustou-se.

- Calma, sou eu, Lucas!

- Ainda bem! Estou com tando medo!

- O que aconteceu?

- Não sei, o carro quebrou. E meu celuar está sem bateria, não consigo falar com ninguém.

- Fica calma, vou dar um jeito!

Nara estava realmente assustada, com medo da chuva que estava por vir e por ter que ficar sozinha sem nenhum meio de contato. Ela saiu do carro e de forma instintiva, abraçou Lucas.

- Obrigada! Obrigada! - Dizia ela.

Lucas naquele momento pareceu sair deste mundo. Não sabia quando fora a última vez que experimentou o abraço de Nara. Seus sentimentos ali afloraram de tal maneira, que todos seus músculos trabalharam para envolver e proteger Nara, em um abraço longo, silencioso, calmo, mas cheio de significado. Como um redemoinho percorrendo seu corpo, sentimentos mais intensos vieram à tona, fazendo-o refletir sobre o que ele estaria fazendo com sua vida. Nunca, nem uma única vez, Lucas sentira tão forte sentimento, e aquilo era muito gostoso de se sentir.

- Desculpe! - Nara soltou-se do abraço.

- Tudo bem, você só está assustada.

A chuva começou e ambos entraram no carro de Nara.

- E agora, o que vou fazer? - Nara ainda estava assustada.

- Não se preocupe, estou aqui. - Lucas já não era mais deste mundo, sucumbira aos sentimentos que sempre estiveram em seu coração.

- Ainda bem... - Nara sorriu, com olhos cheio de lágrimas.

Após minutos de silêncio, Lucas não pode mais se conter, precisar dizer que a amava, que sempre a amou.

- Nara...

- Sim...

- Por que você nunca namorou comigo?

- Por que está perguntando?

- Estava só pensando... Quando éramos mais novos, nos dávamos tão bem... Muitos diziam que eu gostava de você e vice-versa.

- E era verdade?

- Ah... Bem... Acho que sim... - Lucas ficou tímido.

- Eu também acho que sim... Mas você quem nunca quis namorar comigo.

- Eu?

- Não me lembro de quando você tenha pedido para namorar.

- Sim... Nunca pedi... - Lucas percebera agora que tudo o que precisava, desde o princípio era ter pedido.

- Sabe, desde o dia em que você achou meu prendedor de cabelo, vi que você era uma pessoa muito especial.

- E você era muito linda... - Sem pensar, Lucas disse - Quer dizer, ainda é... Que dizer... com todo respeito!

Nara sorriu.

- Bem, mas a vida muda não é, agora estamos nós, prestes a nos casar.

- Sim... - Os olhos de Lucas encheram-se de lágrimas.

- Está tudo bem? - Nara olhou preocupada.

- Nara... Eu sei que fiz errado, procurei outras pessoas, quando devia ter procurado você!

Nara também não conteve as lágrimas.

- Não diga isso, você fez o que tinha que fazer...

- Não, não! Agora percebo quão idiota foi esse negócio de provocar ciúmes! Que coisa mais infantil! Olha onde isso me levou...

- Ciúmes? - Nara olhou confusa.

- Sim... Tudo o que eu queria era chamar sua atenção, te mostrar o que você estava perdendo... Que coisa tola! Diga-me, como posso casar-me? Se... se ainda te amo!

Nara não conteve-se e por um longo período deixou rolar suas lágrimas.

- Lucas... Por que fizemos isso? Por que?

- Você também...?

- Sim... Depois de ver você com “aquelazinha”, o que mais me restava? O jeito era tocar a vida pra frente... Mas sempre foi impossível não imaginar como seria nós dois juntos! Eu também.... eu... sempre te amei! Só não sabia com dizer isso a você...

- Fizemos tudo errado não é mesmo? - Disse Lucas achando graça da situação.

- Sim...

- Que tal começarmos certo a partir de agora?

- Mas... Já não é tarde demais?

- Tarde demais será quando nossas vidas aqui neste mundo acabar e ainda não tivermos tido a chance de viver nosso amor!

Desta vez, sem pestanejar, Lucas abraçou Nara e beijou-a com grande intensidade e sentimento. E assim, dentro daquele carro quebrado, sob a forte tempestade, as indas e vindas do amor finalmente encontraram um rumo certo. As peças se encaixaram e o que estava no palco do coração refletia-se no mundo aqui fora.

LeoLopes
Enviado por LeoLopes em 25/11/2010
Reeditado em 20/12/2010
Código do texto: T2635423
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