Todas as cores do universo II
Muito antes daquele breve mas eterno encontro, ela já o tinha visto. Foi durante o sono que o vira pela primeira vez, nesse mundo do sonho que é criado pela nossa mente e do qual sabemos tão pouco. Esse mundo que chamamos irreal, mas que tem tanto de real como o outro mundo em que vivemos.
Vira-o de uma forma difícil de descrever. Desconhecia-lhe as feições, os contornos do corpo, a voz, o cheiro... desconhecia-lhe a identidade. Apenas conhecia aquilo que sentira. E sentira-lhe a presença. Sentira-lhe o calor agradável do hálito. Sentira o cheiro da pele suada. Sentira suas mãos suaves tocando-a. Seus dedos esguios acariciando sua face. Sentira o ninho reconfortante dos seus braços. Sentira-lhe a maciez e rouquidão da voz.
Nunca tinham trocado palavras. Os sentidos falavam por si.
Imaginava-lhe os lábios colados aos seus e sentia que a respiração faltava-lhe porque ele a absorvia toda. Sentira-lhe a energia que não sabia definir. Era como uma nuvem que descia e na qual se deixara ficar para ser transportada para uma dimensão diferente.
Sentira-lhe a sensibilidade que tocava sua alma e dela apoderava-se. Sentira-o como nunca havia sentido os amores reais que tinham passado na sua vida.
Acordou. Seu corpo ardia em febre. Fechou então os olhos, com força, na tentativa de esquecer. Esquecer aquela imagem que a perturbava. Esquecer a escuridão da noite lá fora. O silêncio pesado à sua volta.
Desejou voltar ao sonho e reencontrá-lo lá. Sabia que não voltaria a encontrá-lo no sonho dessa noite porque estava a forçar esse encontro. Sabia que era assim. Não se pode forçar nada. Tudo tem de acontecer quando menos se espera. Era assim a lei da vida. Tinha aprendido que era assim também a lei do sonho. Então teve a certeza que somente quando sonhava acordada era diferente. Quando sonhava acordada, ela podia criar, dar forma. Coisa que ela sabia fazer bem. Criar, sonhar, tido sido tantas vezes o seu refúgio para fugir à realidade.
Sabia que continuaria a vê-lo e a senti-lo em muitas outras noites. Sempre na mesma sintonia perfeita de sentidos. Sabia que continuaria sentindo aquela energia que passava para além do físico e a elevava acima do concreto e palpável. Essa energia era sua acompanheira sempre que o sentia por perto. Na brisa quente à tardinha, no vento frio da madrugada, na neblina da noite, no ar que respirava, no sol que lhe aquecia o corpo e na lua que a iluminava, nas longas noites de solidão. E essa energia tinha origem nele.
Tinha a certeza que, no momento em que o encontrasse, o reconheceria. No momento em que os seus olhares se cruzassem, a energia que conhecera no sonho voltaria, desta vez mais forte, a envolvê-la, sem mesmo ele a tocar.
Tinha agora a certeza que aquela felicidade possuía, realmente, todas as cores do universo. Então admitiu para seu próprio coração que o seguiria para onde quer que ele fosse.
Ana flor do Lácio (19/11/2010)