OS MORTOS

O peito da mulher estava apertado, não conseguia chorar. O calor era tão forte que precisou abrir um botão da blusa. Sempre pudica, nunca ousara tanto. Sentia o odor das flores, das pessoas e de seu frenesi. Aproximava-se do túmulo. Pela primeira vez em tanto anos faria aquilo. Ajeitou o cabelo e empinou os seios. Passou as mãos pela saia plissada, que usara pela última vez havia quase vinte anos. Passou a língua nos lábios sequiosos. Pensou nos filhos já crescidos, nas vizinhas carolas, nos vizinhos cobiçosos.

O túmulo do marido estava próximo. Seu coração ficara mais forte. Um homem muito velho cruzou seu caminho com um jarro velho cheio de flores murchas. Clementina não gostava de flores, disse o velho, mas é tão estranho um túmulo sem flores, ainda mais no dia de hoje, completara. Que tinha ela a ver com suas questões? Não deu muita atenção. De súbito, o homem a puxou para trás da grande cruz de pedra. Beijaram-se com ardor sob o sol forte. O túmulo do marido era sua única referência naquele lugar. Desde que João se foi, era a primeira vez que estava com um homem. Sentiu seus músculos e sua barba rala a roçar-lhe o pescoço. Revirou os olhos e sugou o ar com força pelas narinas. Percebeu a mão forte e nervosa descendo por suas nádegas. Sentiu uma excitação tão grande que imediatamente deu por si: estava viva. Seu marido ali embaixo, definitivo. Que havia ele de pensar, não seria pecado?, indagou o homem limpando o suor da testa e olhando em volta.

A mulher olhou o céu: começara a chover. A água levaria embora a sua tristeza agora finada, daria de beber a seu marido morto e a seus pares. Lave minha alma, ela disse já completamente encharcada.

Uarlen Becker
Enviado por Uarlen Becker em 19/11/2010
Código do texto: T2624270
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