Me apaixonei por aqueles lindos olhos azuis
Estava a caminhar por volta das vinte horas por uma rua escura. O medo me envolvia. Com aquilo eu pensava no porque de perder o ônibus justo naquela sexta – feira. O caminho para minha casa não era tão longo, mas relatos de assaltos e estupros eram ocorrentes daquela região. Minhas pernas estavam trêmulas, mãos molhadas de suor. A cada volta dos ponteiros eu olhava para trás com receio que algo ou alguém estivesse me perseguindo. Tudo por um contrato redigido erroneamente. Advogados! São mesmo uns perfeccionistas, e por causa de um simples acento agudo em um (e) fiquei trinta minutos a mais no escritório. O Dr. teve a coragem de me dizer que aquele mero tracinho, ou melhor, a falta dele se mal interpretado mudaria completamente o sentido do parágrafo em questão.E por esse tempinho a mais lá estava eu.
Já estava quase na metade do caminho quando me deparei com um bando de garotos. Acho que o mais velho deveria ter no máximo dezesseis anos. Eram cinco garotos. Todos brancos, usavam brincos, e em alguns deu pra notar tatuagens, mas não me arrisquei a identifica-las. Passei por eles e ouvi assobios. Um teve a coragem de me chamar de coroa gostosa. Naquela hora não sei se estava com mais medo ou vontade de lhe dar umas boas bofetadas. O que sei é que andava mais rápido. Desta vez não olhava para trás com medo de vê-los me seguindo. Quando tudo parecia calmo fui surpreendida com uma sombra no chão. Não sei o que me deu. Virei com a bolsa de couro que carregava no rosto do garoto que caiu. Eu poderia até ter ficado ali pra ver se ele tinha se machucado, porém minhas pernas seguiam seus instintos e eu desordenada as seguia em disparada, fugindo daqueles delinqüentes juvenis.
Já havia corrido mais do que eu podia agüentar, quando olhei para meus pés e vi que estava de salto. Meu coração quase saindo pela boca como uma bateria em show de rock. Enfim sorri da situação. Não havia ninguém em meu encalço. Pelo menos não que eu visse. Então continuei a andar. Faltava cerca de um kilômetro e eu estaria na minha casa. Lembrei-me de novo daquele idiota apaixonado pelo trabalho. Ele continuava lá sentado na sua cadeira confortável como sempre, com aquele seu olhar penetrante e encantador. E eu aqui morrendo de frio e medo. Como ele podia ser tão ridículo! Já trabalhava com ele há quase dois anos e ele ainda insistia em me chamar de senhorita.
Ele era um tonto mesmo.
Dobrei por uma esquina, mas minha casa já não estava tão longe. Tudo corria muito bem até que a tampa de uma lixeira caiu no chão bem do meu lado e eu dei um pulo para trás. Desta vez me faltou equilíbrio e eu caí de quatro em uma possa d’água. Quando olhei, de dentro da lixeira sai a cabeça de um gato branco imundo. Eu ainda lá estatelada! O gato saiu da lixeira e veio de encontro a mim ronronando até chegar a meus pés e inclinar seu corpo pondo-se a me afagar. Meu uniforme, “Advocacia Mendes” azul marinho, todo manchado de barro. Mais uma tragédia pra minha coleção. Que dia! Sai pra lá gato!
Me levantei e recomecei meu árduo passeio noturno, agora suja com medo e sendo perseguida por um gato imundo, e ainda por cima miando. Tentei espanta-lo, mas não adiantou. Naquele momento de solidão eu até que já estava gostando de sua companhia. Reparei uma característica curiosa. Seus olhos eram de cores diferentes, um era esverdeado enquanto o outro era de um tom azulado, parecendo inclusive com os olhos do Marcos , quer dizer do Doutor Marcos. Algo incomum, mas muito bonito, pensei então que depois de um belo banho ele até que ficaria bem bonitinho. Continuei a andar e no calor das emoções já até conversava com o gatinho.
Faltava apenas uma quadra para chegar em casa. Tudo estava indo bem, meu medo já havia passado, quando saíram dois homens de um beco escuro. Ao me ver eles pararam cerca de cinqüenta metros a minha frente. Não podia ver seus rostos , apenas vestiam trajes velhos, o que me levava a crer que fossem dois mendigos. Meu sangue gelou e como conseqüência congelou meus instintos. Não sabia se continuava a andar ou se recuava. Mais atrás poderia encontrar aqueles cinco pestinhas que deveriam estar furiosos comigo. Parei no meio da rua. O gato se sentou e ficou olhando para meu rosto, parecia estar esperando um sinal. Foi aí que os dois mendigos puseram-se a andar em direção a mim, se afastaram e cada um seguia por um lado da rua. Me senti acuada. Mas o que poderia fazer? Correr? Pronto o fiz! Mas desta vez arranquei as sandálias fora e corri loucamente.
Por mais que eu consegui-se correr eles se aproximavam metro á metro. O cansaço diminuía meu ritmo enquanto o deles só aumentava. Eles estão chegando!
Pisei em algo na rua que pareceu ser um monte de cacos de vidro e meus pés perderam a força e aderência. Me senti mergulhada em dor, no entanto minha vontade de fugir me impulsionava. Eu desesperada correndo manca rua afora. Um deles se aproximando. Conseguiu agarrar minha bolsa e quando ele a puxou me antecipei por puro reflexo, relaxei meus ombros e soltei meus braços deixando a bolsa ir junto com ele que não esperava por isso e caiu girando na calçada.
Mas eu havia esquecido do outro, que se mostrou ainda mais rápido aparecendo bem a minha frente. Ele parou e deu um sorriso idiota, mas que na verdade me encheu de medo, isso se ainda tinha espaço pra mais medo. Ele era mais magro que o outro, ah o outro estava logo atrás de mim, caminhando devagar. E eu, bem, estava perdida! O da minha frente sacou um canivete e o passava de mão em mão. Aquilo me paralisou. O que eu poderia fazer?Foi quando meu primeiro anjo agiu. O gato pulou do alto de uma escada de incêndio que estava acima do mendigo. Ele saltou bem no rosto do mais magro e o arranhou. Ouvi um grito de dor e aquilo me despertou. Pensei em correr, mas era tarde demais, o de trás me segurou as mãos. Ele não era alto, mas era muito mais forte que eu O gato até que arrepiou seus pelos tentando impor algum medo. Mas sua coragem o impediu de perceber as mãos que o agarraram. Era sua vitima, ou melhor, seu caçador que estava furioso e o lançou dentro de uma caçamba de lixo uns cinco metros de distância. Escutei o barulho dele batendo na lateral interior da caçamba, depois um silêncio total. Tudo foi muito rápido. Os idiotas avançaram pra cima de mim. Fechei meus olhos e uma luz me cegou. Cegou a todos nós. Era um carro preto buzinando, e atirando seus faróis altos em nossa direção.O motorista jogou o carro na direção dos bandidos que saíram acuados em disparada.
Ufa! Eu estava aliviada e exausta. Maldito dia! Bendito dia! Não sei se reclamava ou se agradecia por estar sã e salva. Ouvi um miado. Era o meu gato. Ele estava bem! Que sorte o carro ter passado naquela hora. O estranho foi ele ter ido atrás deles e o que mais me deu medo foi ele voltar e parar próximo a mim. Era um santana preto. Santana preto? Abriu-se a porta e o que vejo. Meu segundo anjo. Um gato de olhos penetrantes, trajando terno e gravata. Do seu lado um menino de seus quinze anos com um olho roxo e piercieng no nariz.
- Doutor?
- Raquel, sua maluca! O que você pensa que está fazendo andando por aqui sozinha. Por que não esperou por mim. Eu ia te trazer até sua casa.
Ele estava furioso comigo, e nem me chamou de senhorita.
- Mas é que...
- Que nada!Entre logo antes que aqueles dois voltem.
Eu entrei e sentei-me ao lado do garoto.
- Se não fosse pelo garoto, eu não te acharia.
- Me desculpe pelo olho. Eu disse ao pequeno.
- Sabia que ele tentou te avisar dos dois homens, aí você o acerta com uma bolsa!
Senti-me uma tola, mas até que me escapou um riso incontido.
- Vai melhorar, senhora.
Deixamos o garoto em sua casa e fomos para minha.
Eu disse que tudo estava bem, mas ele insistiu em ficar comigo mais um pouco. Até que eu me sentisse mais calma. Tomamos um banho gostoso de banheira. Opa! Eu e o Neve ,ele ficou tão cheiroso e branquinho. Sentei no sofá. Ele viu meus pés e me perguntou onde tinha algo pra fazer um curativo. Indiquei a gaveta da cômoda e ele foi buscar. Pegou a faixa e a enrolou delicadamente para que eu não sentisse dor. Quando terminou, foi fazer um café pra mim. Ele nunca nem havia ido à minha casa, muito menos sabia onde era. Agora me fazia café, parecendo saber onde tudo estava na cozinha.
- Como soube onde eu morava? Perguntei.
- Chequei sua ficha no escritório. Deu trabalho pra achar, até que, enfim consegui.
Ele dormiu ali aquela noite. Eu na cama, ele no sofá.
De manhã acordei e lá estava ele ainda apagado. Não demorou muito para que ele acordasse, mas até lá fiquei o admirando, curvas e retas, cada detalhe. Aproximei-me dele, tive vontade de beija-lo, minha boca ansiava por saciar seu desejo, mas me contive quando estava quase a tocar a dele. Foi quando ele acordou e me fitou com seus olhos azuis de gato. Não resistimos. Aquela paixão que tanto nos castigava no trabalho, falou mais forte. Nos beijamos. O amei a manhã inteira! O amo até hoje! E vivemos assim, felizes eu e meus dois gatos. Os quais me apaixonei perdidamente pelos seus três lindos olhos azuis.