Era apenas saudade...

Ele estava tentando não pensar muito. Já havia deitado com muitas garotas, as mais belas imagináveis. Era um dito Don Juan daquela pequena cidade, conhecido por seu charme e seu sorriso, mas principalmente, pelo número de garotas bonitas que levava para a cama facilmente.

Nunca quis ser assim, mas gostava das noites de dar e receber prazer. Também não exibia orgulho - apenas era assim. Adentrou tão naturalmente no papel que quando percebeu era tarde demais. Noites iam e noites vinham e no final, era apenas mais uma noite.

Naquela noite, porém, as coisas estavam muito complicadas. Estava analisando no espelho do banheiro a nada sutil gota de suor que escorria pelo lado de sua testa, tentando entender por que seu coração estava acelerado tão cedo. Olhou pela fresta da porta, no quarto mal iluminado ao lado, a garota seminua na cama. Ela era linda, mas não era linda como as outras. Era realmente linda. Havia algo nas feições dela que lhe provocavam um arrepio de medo. Algo em seus olhos castanhos, algo em sua boca bem desenhada e rosada, algo nas linhas de seu corpo. E não estava seminua como as outras também, era tudo muito diferente.

Um dia, estava conversando com ela pela quinta vez, em um “quase encontro”, quando ela precisou pensar numa resposta. Havia perguntado o que ela mais gostava de fazer. Achou que seria uma resposta fácil, mas esperou pacientemente, analisando sua expressão enquanto os olhos castanhos fitavam o céu daquela tarde, procurando as palavras certas entre as nuvens. Então, sentiu pela primeira vez aquele arrepio de medo e seu sorriso bobo se desintegrou em uma expressão séria. Ela ia responder, mas rindo, perguntou por que ele estava tão sério. Ele não soube responder.

Agora ela estava em sua cama. Não era mais uma garota que estava ali para satisfazer a carência sexual mútua ou apenas se divertir. Estava deitada lá esperando por ele, em sua primeira noite juntos num quarto, sozinhos, após meses de palavras apaixonadas que nunca pareciam explicar muito bem a situação. Sua reputação foi lentamente ficando para trás, na verdade, surpreendia-se por ela nunca tê-la mencionado. Ela confiava nele, assim como ele confiava nela. Gostava de como ela ria muito, e geralmente sorria quando pensava nela. Uma vez, indo a um encontro na cafeteria da cidade, teve a chance de observá-la sem que ela o visse. Prestou atenção em suas manias e para onde olhava, até que ela sorriu, ali, sozinha. Aproximou-se em seguida e ela revelou “estava pensando em você agora mesmo.” Aquilo o encantou.

Não era a primeira vez que ela deitava com um homem também, mas algo nela o intimidava muito. Por isso toda a situação o assustava tanto. Já tivera inúmeras noites de sexo, mas aquela era sua primeira noite de amor, e não sabia fazer amor.

- Algum problema? – ela perguntou com um sorriso sonoro.

Ele respirou fundo e finalmente voltou, deitando-se calmamente ao lado dela, onde estava antes de sentir a louca necessidade de tomar distância e respirar.

- Há algum problema? – ela insistiu baixinho, levando a mão direita ao rosto dele, ali a deixando. Estava fria, e o rosto dele estava muito quente.

Aquela mão ali, em seu rosto. Por que é tão carinhosa comigo?, pensou.

- Fale comigo, meu amor. – ela sussurrou.

Aquele arrepio esquisito subiu por sua espinha. Era como um deja vu. Pegou a mão dela que estava em seu rosto e apertou-a de leve, esperando que a tempestade em sua cabeça cessasse.

- Tem algo estranho acontecendo comigo. - confessou.

- Pode me contar, seja lá o que for, mesmo que não faça sentido.

- Eu nunca senti isso antes, então não faz sentido de forma alguma.

- Descreva.

Ele respirou fundo mais uma vez e fez uma longa pausa, a qual ela respeitou calmamente.

- Eu sinto como se tudo que eu acreditei até agora não fizesse sentido, como se os momentos em que estou com você, como agora, fossem especialmente distintos dos outros. Já estive apaixonado antes, mais de uma vez. Ainda assim, não consigo acreditar no que estou sentindo, não consigo acreditar em você. Sinto como se o amor que venho sentindo crescer desde que te conheci não fosse simplesmente desse tempo, sinto como se fosse um segredo antigo, que sempre esteve escondido dentro de mim, algo que ninguém, muito menos eu, sabia que existia. Talvez, fosse algo que eu não acreditei que existisse, por isso, nunca considerei possível encontrar. Então, você desenterrou tal segredo de dentro do meu baú de tantos outros segredos, encontrou-o lá no fundo das cartas empoeiradas que eu já havia esquecido e então, eu acredito. A partir de então, tenho passado os dias encantado com essa revelação que parecia tão óbvia, mas que só você conseguiu me mostrar.

“Então tem essa tempestade na minha cabeça, nesse exato momento. Existem chuvas, trovões, raios e ventos, e existe você. Você é ao mesmo tempo a causadora de tudo ,e o refúgio onde encontro proteção. Em seu abraço, é como se não existisse chuva ou frio, e mesmo que existam e que a chuva me encharque e o frio me faça tremer, não importa. Você me fez questionar tudo, e de tanto duvidar, percebi finalmente que tinha certeza. Do quê, não sabia, mas tinha. Estava me perguntando há meses, perguntas sem palavras, e encontrando respostas igualmente mudas, mas que eram certezas. É como se cruzasse o tempo, não apenas agora e essa vida, mas além, tanto no passado quando no futuro. Não sei por quê. Mas, diante de toda essa loucura, deve estar se questionando do que tenho tanta certeza. Isso não vai fazer sentido... mas tenho certeza que é você.

Fez silêncio, esperando conseguir levantar seu olhar e ver o rosto dela. Por uns segundos, faltou-lhe a coragem, até que conseguiu. Ela estava pensativa, mas não parecia confusa. Apertava os lábios tentando suprimir um sorriso – fazia muito isso. Aquilo o acalmou em partes.

- Amor – ela começou -, diga-me uma coisa.

- Sim?

- Você disse ter outros segredos.

- Tenho.

- Se eu lhe contar um, você me conta um também?

- Feito.

Sorriram, ela sem a mínima vergonha, ele ainda com receio.

- É você. - ela disse.

- Sou eu. – sorriu, repetindo devagar, sabendo que a expressão incompleta fazia perfeito sentido.

- Agora conte-me um segredo.

- Quando você me revelou tudo que não sabia que existia, descobri, no fundo do báu, uma carta.

- O que dizia nela?

- Eu te amo.

Então algo estranho aconteceu com ambos.

Ele sentiu aquele arrepio esquisito de novo e ela também, mas era mais forte. Imagens desconhecidas começaram a voar pela cabeça de ambos, formando duas tempestades muito parecidas. As respirações aumentaram o ritmo, ficaram apavorados com aquilo.

Fitaram-se profundamente nos olhos um do outro e abraçaram-se por instinto. O movimento foi rápido, mas para ambos, foi um encaixe tão cheio de nuances e memórias que os dois corpos, um quente e o outro frio, pareciam aumentar as trovoadas, trazendo ainda mais lembranças. Era como se algo estivesse desmoronando, seguido de um terremoto, como se o mundo estivesse desabando ao seu redor e estivessem seguros, ainda que assustados.

Logo estavam debaixo d'água, sendo atirados de um lado para o outro por correntes fortes que os forçavam a quebrar o abraço, mas resistiram com firmeza. Estavam mais ligados do que nunca, a cada segundo mais intensamente conectados.

A barreira entre realidade e sonho se quebrou, quando percebendo estarem realmente em outro lugar, naquelas águas profundas. Podiam respirar e sentir a presença um do outro, presos ainda, tanto emocionalmente quanto fisicamente, e era impossível dizer qual laço era o mais forte.

O barulho da tempestade ficava mais distante com o passar dos segundos, até que não existia mais.

Tomaram um minuto para respirar fundo algumas vezes, esperando para ver se a calmaria realmente duraria. Afrouxaram um pouco o abraço.

Logo que seus olhos se encontraram, as imagens e lembranças que voaram para dentro de suas próprias começaram a se encaixar. A vida que tinham começou, segundo após segundo, a se encaixar com a vida que tiveram.

Eles se conheciam. Não, não era isso.

Eles se reconheciam.

Levaram suas mãos ao rosto um do outro, um gesto que por um momento foi instintivo, no outro já era o reconhecimento. Era felicidade e admiração. Amor e saudade. Muita saudade.

Sorriram em sincronia. Lembravam de tudo.

- Há quanto tempo. - ele disse.

- Sim, há quanto tempo, meu amor.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 28/10/2010
Reeditado em 28/10/2010
Código do texto: T2583370
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