Flerte

Já sentia um aperto no coração. Uma energia estática na barriga. Os pelos dos braços arrepiados. Ela estava ali, já a via.

A estação cheia, mas ao mesmo tempo não poderia estar mais vazia. Muita gente, alheias e submersas numa dimensão paralela em que só elas mesmas existiam de cada vez. Admito, eu era assim. Ou sou. Saí,quem sabe momentaneamente, dessa indiferença irritante apenas por ela.

Era uma garota linda, quantos anos teria? Uns quinze? Dezesseis? Vinte? Era impossível saber. Vestia-se como colegial. Tinha um ar distante, inicialmente. Seus cabelos negros eram uma boa moldura para seu rosto pálido e maquiado com certo exagero. Seus olhos maquiados com linhas escuras davam a ela um ar felino.

Não sei por que, éramos tão diferentes, mas algo em mim deve ter lhe chamado a atenção.

Já há alguns dias me olhava, ou como dizem, filmava, por entre a multidão, por entre os ombros, os rostos vazios. Insistente, me provocando insinuante; o desejo crepitando em seus olhos num fogo em brasa, me desnudando.

Sempre havia um homem com ela, enorme e bem forte. Intimidador.

_ Isso pode dar confusão _ pensei, e tentava olhar para outros lugares, o chão, o relógio, para a linha do trem. Mas ainda assim sempre sentia minha nuca queimar na luz quente de seus olhos azuis.

Ah! por que esse trem não chega logo?

A verdade é que eu não sabia o que fazer com meu corpo. Minhas mãos suadas não tinham espaço em mim. Estava um calor ali que ninguém mais parecia sentir.

O trem das 08:00 chegou finalmente, meu salvador e carrasco sempre pontual.

Entrei e percebi que não respirava normalmente. Uma tontura leve turvou minha visão. No meu reflexo na janela meu rosto estava vermelho, embriagado. Um senhor percebeu minha situação e me deixou sentar no lugar dele. O que ele poderia estar pensando de mim? Que estou doente, provavelmente. Soubera ele a verdade agiria diferente.

Isto vinha se repetindo nas ultimos dias e assim foi também nas manhãs seguintes. Meu coração já adivinhava o trabalhão que ia ter logo quando pisava no primeiro degrau da estação. Errava o ritmo, como um baterista inexperiente.

_ Ela é tão mais nova que eu _ havia um pesar em meus pensamentos quando lembrava.

Sempre me provocando, tirando tudo de mim, ela beijava o namorado, em beijos longos e acrobáticos, mantendo os olhos abertos, me olhando, me mostrando, me tentando.

Apesar do namorado estar sempre por perto, venci o medo... e a timidez. Correspondi. Da melhor maneira que pude. De um jeito descoordenado e tímido, pois sou uma pessoa tímida, e não como ela.

Meu corpo, como sempre não colaborava, minhas pernas bambeavam. Minhas mãos, já tinha desistido delas, não paravam de tremer.

Como temi, meus sinais, fracos e complicados, foram mais que suficiente para que ela entendesse a mensagem imprecisa, indecisa. Como disse, ela não era como eu. Ela não era como ninguém.

Então falou alguma coisa com o namorado. Naquela multidão silenciosa foi nítido o murmurar de sua voz.

_Ah... Então era assim que é voz dela! ... Bem diferente da que eu a dei nos meus sonhos _ pensei, por que, então, ela já estava nos meus sonhos também.

Murmurando, apontou para mim com o olhar. Meu coração parou. Os olhos como setas, flechas, me indicando. Regredindo a um estado anterior, não totalmente superado, olhei para o chão, para qualquer lugar. Desvencilhando da luz azul ardente que, na multidão, me iluminava como se eu estivesse num palco de circo.

Ela, lenta e felina, lânguida chegou a mim:

_ Oi!

_Ahn... Oi! _ minha resposta demorou. É indescritível o quão fundo eu mergulhei na profundidade daqueles olhos azuis neste instante.

_ Vem comigo!

Denunciando minha participação cobiçosa, meus olhos foram diretamente para o acompanhante dela, rápido demais, denunciantes. Mas ele sorria divertido, despreocupado.

_Ele é legal! Não se preocupe.

Eu a segui. Olhei discretamente para as outras pessoas enquanto caminhava. Ninguém nos olhava. Não havia olhos me censurando ou reprovando.

Ela entrou no banheiro feminino. Eu dei mais uma olhadela para a multidão e para o seu namorado, ele sorria e virou-se.

Entrei. Lá não havia ninguém além de nós.

_Ali! _ela apontou a ultima cabine.

Ela saiu antes de mim. Ainda a vi trocando palavras divertidas com o namorado e o beijo que lhe deu antes de entrarem no trem das 08:30, que chegara pontual, como sempre, como todos.

Aquele mar de gente ia escoando para o trem como se ele fosse um ralo. A garota ainda me gesticulou um beijo antes de sumir na multidão.

Precisava me encostar ou sentar em algum lugar. E fiquei. Minhas pernas ainda não tinham firmeza para seguir com eles. Meu corpo todo tremia. Eu nunca desmaiei, então não sei, mas diria que poderia estar bem perto de ter o meu primeiro.

Ainda bem que ela não estaria mais aqui para ver-me neste estado, pensei, e voltei para o banheiro.

_Ela? Ora...nem perguntei seu nome...

_Parabéns! Não achei que fosse conseguir. Mas demorou demais. Quanto tempo? Uma semana? _ disse o rapaz para a namorada enquanto o trem partia da estação.

_ É claro. O tipo de pessoa que você escolheu, né? Parecia mais um fantasma. Mas tudo bem! Tenho certeza que você não faria melhor.

_ Ora! Não me diga que quer apostar de novo?

_ Quem sabe?!?

_ Que tal aquela mulher ali? Parece respeitável.

_ Não... Você escolheu. EU escolherei a mulher que você deverá conquistar agora... E precisará ser mais rápido do que eu! Se puder...

Na estação. Olhando-me no espelho, me surpreendo com o rosto que vejo no reflexo.

Uma mulher de vinte e cinco anos, trajando executivo, do seu batom apenas restou uma sombra vermelha. Limpo lentamente com um lenço. Minha maquiagem está arruinada. Meu cabelo, antes preso e comportado, me denuncia.

_ Amanda. O que você fez? _ perguntei ao meu reflexo.

Na boca, ainda sinto o gosto dela.

Vail Martins
Enviado por Vail Martins em 24/10/2010
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