A Menina do Vestido Vermelho
Toda tarde na varanda, acomodado na rede vejo-a passar. Branca. Todos os dias cruzando a rua, indo da casa da avó à casa dos pais. Em seus belos vestidos de algodão, toda elegante desfila e encanta quem a vê.
Ela, tão jovem a moça mais bela de nossa cidade, sempre com seu nariz empinado passando por ai, ignorando os rapazes e esbanjando sua beleza e simpatia. É filha do Baronete. O velho Sir Charlie Morey, não trata a filha muito bem, assim da mesma forma trata a esposa, mas pelo menos a educou de forma perfeita, ou quase perfeita. A jovem Branca aparenta estar sempre feliz ao passar.
Uma tarde a vi. Descia a rua voltando pra casa. Eu ali na varanda desta vez, mais que todas as outras me encantei. Desfilava num vestido vermelho que realçava sua feminilidade e a beleza de seu corpo. Apaixonei-me.
Aos três anos de idade perdi meus pais durante a Primeira Grande Guerra. Vinham da França, onde trabalhavam, para o Brasil, juntarem-se novamente com eu e meu avô, quando seu navio foi afundado por forças alemãs, desde então vivo definitivamente com meu avô, já passados quatorze anos do desfeche da guerra. Neste dia que a vi em seu vestido vermelho senti pela primeira vez em muito tempo uma inigualável alegria invadir meu peito, apenas por olhar para a nobre senhorita.
Que belo vestido este! O sublime decote em suas costas fez com que meu sangue fervesse. E o sol fraco já a se pôr por trás das montanhas no horizonte iluminava de leve os cachos louros e a pele branca da bela menina. Quem dera eu poder tê-la para mim. Se pelo menos ela soubesse que existo e que a adoro escondido. E aqui estou eu na varanda mais uma vez para vê-la passar.
Percebo que sempre leva flores do jardim da avó para a sua casa, rosas vermelhas, de sublime beleza e como toda rosa, cheias de espinho. Comparo-as com a bela menina, a rosa vermelha a qual não posso tocar devido aos espinhos e me mantenho preso e escondido.
Meu momento de prazer por vê-la é interrompido pelo meu avô
- Ei garoto! – sempre me chama de garoto, apesar de já passar dos dezesseis. Olhe o céu, vai chover! Entre logo!
- Espere senhor, só mais alguns minutos!- retruco.
Estava quase na hora que de costume dela, passava por ali, não podia perder.
- Há uma coisa que tenho de fazer, já entro! – digo.
O velho olha para mim desconfiado.
- O que estas tramando Alvinho? Já disse para não cuidar da vida das pessoas!
- Não é isso senhor, apenas preciso ver uma coisa! - afirmo.
Meu avô se vira indo à porta. Aproximo-me rapidamente para a ponta da varanda, sento-me na rede atento a olhar em volta. Instantes depois as primeiras gotas de chuva começam cair e no fim da rua vejo-a descendo rapidamente tentando com as rosas proteger a cabeça. A chuva engrossa e ela corre para dentro duma loja inda aberta para não se molhar e esperar que a chuva passe.
- Vá até ela!
Em um pulo de susto levanto-me da rede e vejo meu avô junto a mim.
- Vá até ela garoto, se é o que quer! É sua chance!- diz o velho. Meu guarda-chuva esta no cabide! Vá rápido!
Olho para o velho e em seguida para a bela menina lá em baixo na chuva. Vou correndo a porta, pego o guarda-chuva e saio.
Instante depois lá está eu na rua com o guarda-chuva sobre minha cabeça, indo rumo à loja.
- Boa tarde senhor Nélio!-cumprimento o velho no balcão. Que chuva não?!
- É verdade jovem Álvaro! Esta pode atrapalhar a clientela ao anoitecer!- diz o velho com a voz rouca e um tanto desanimado. Pobre jovem Branca tem de voltar andando para casa nesta chuva!-diz em voz alta.
A bela menina parada na entrada da loja, calada vira-se para nós
- Sim senhor Nélio!- diz com voz mansa e apaixonante. Mas creio que esta chuva sendo de verão logo passa!-abre um sorriso e logo vira-se novamente a olhar para a rua.
Fico um breve momento ali pensativo e num impulso falo com ela
- Senhorita Branca!-digo me aproximando.
Os lindos olhos claros dela vêm de encontro ao meu.
- Pois não! – abre um sorriso me fazendo hesitar por instantes.
- É... Bom algo me faz pensar que esta chuva não será tão breve assim, olhe o céu como esta escuro! Creio que não pode chegar tão tarde em vossa residência, se quiseres posso a acompanhar com meu guarda-chuva até vossa casa!- imediatamente desvio o olhar.
Branca olha o céu e para o meu guarda-chuva, e com um sorriso acaba com minha momentânea angustia.
- Se não for atrapalhar adoraria esta tua companhia até em casa!
Vou à entrada da loja e abro meu guarda-chuva, mal me viro para chamá-la já a vejo perto de mim e agarrando em meu braço. Saímos pela rua abaixo. Que sensação tê-la ali tão próxima a mim. Começo a torcer para que o trajeto não acabe mais, que algo atrapalhe nosso caminho rumo a sua casa.
- Então... –começa dizer Branca. Chama-se Álvaro certo?
Meu coração dobra o ritmo dos batimentos
- Sim, sim!-costumo repetir palavras quando nervoso. Álvaro Albuquerque! Como sabes?
- Ouvi Nélio dizer! E também, o vi na varanda um dia desses que passava por aqui com uma amiga que disse conhecer-te, ela me disse vosso nome!
- Entendo!-fico em silêncio escolhendo minhas palavras. Não leve a mal minha pergunta, mas porque passa tanto tempo com sua avó?
- Minha mãe não para em casa, fica sempre nas cidades vizinhas comprando “coisas pra casa” como ela diz e meu pai tem os assuntos dele para resolver sobre esta cidade, não têm tempo pra mim. Então aproveito pra cuidar da minha avó!-volta a sorrir pra mim. Soube que também mora com o avô...
- Ah sim, perdi meus pais durante a primeira guerra!
- Sinto muito!
- Não se preocupe já faz muito tempo!-sorrio e ela corresponde com o canto dos lábios.
Ali conversando passamos todo o trajeto e logo, infelizmente, chegamos à sua residência.
- Bom é aqui certo?-digo olhando para a propriedade. Parece que seu pai já esta em casa, esta segura!-sorrio para ela.
Seu olhar fica parado nos meus. Neste momento sinto como se ela pode ver não apenas meu rosto, mas enxerga minha alma e paro também ali a contemplá-la.
- Melhor ir!-afirma ela. Agradeço por me trazer até aqui!
- Não foi nada!
Branca vira-se e se despede de mim dando-me um beijo no rosto. Paraliso olhando-a se afastar rumo à porta. Tomo força e a chamo
- Senhorita Branca!- chego mais próximo a ela.
- Sim?
Hesito.
- Podemos sair um dia desses? O Circo Nerino esta na cidade gostaria de acompanhá-la, se permitires!
Ela olha para mim, parece buscar algo que não consigo decifrar o que é.
- Claro! Estava pensando em ir este final de semana, será boa uma companhia. Vemos-nos lá na hora do espetáculo!-volta a sorrir.
- Até logo, senhorita, boa noite!-despeço
Ela acena com a mão e entra em casa. Uma alegria imensa me invade me dando vontade de gritar por Branca o caminho todo de volta a casa. Mas me contenho e corro apenas para me livrar da chuva.
Os dias se passam e chega o domingo o qual esperei toda a semana. Em frente ao espelho ajeito o terno que comprei para a ocasião. Como devo cumprimentá-la?-penso eu aflito. Devo ser natural e romântico, afinal ela é uma dama!-afirmo a minha imagem no espelho. Fecho o terno e vou à sala, meu avô esta a tomar café sentado no sofá ouvindo seu pequeno pássaro cantar. Sento-me ao seu lado. O canto belo do pequeno canário me envolve, levando minha mente ao encontro de Branca. Fico fora de mim por breves momentos e volto a prestar intensa atenção no assovio do pássaro, como será que se sente ali preso? Estarei eu da mesma forma cantando sozinho e me perdendo em meus sentimentos? Neste momento decido libertar-me, meus sentimentos não passam escondidos desta noite!
Pela grade da gaiola acaricio de leve a cabeça do passarinho e encho-me de coragem, levanto-me coloco o chapéu sobre a cabeça e saio para rua rumo ao local combinado.
Caminho pela rua. Esta deserta, mais deserta que o de costume a essa hora. Ao longe avisto algumas luzes e começo ouvir um grande tumulto de vozes, estou chegando ao circo. Logo lá estou eu entre uma multidão festejando a espera do inicio do espetáculo tão esperado de Nerino. Com as mãos nos bolsos do terno tento conter meu nervosismo, entro sob a tenda e olho em volta a procurá-la.
Próxima ao palco, já acomodada, ela acena para mim recebendo-me com um sorriso. Vou para junto dela.
- Senhorita Branca! Como vai?- pergunto em voz um tanto baixa.
- Muito bem obrigada! Bom ter vindo, o espetáculo demora a começar, estava ficando tedioso por aqui!
- Não poderia deixar-lhe a esperar aqui!
Outra vez a nobre senhorita sorri, fazendo-me estremecer. Uma música toca chamando nossa atenção ao centro do palco, onde um homem começa a falar
- Senhoras e senhores! Bem vindos ao Circo Nerino pela primeira vez em São Vicente! Aproveitem o show!- diz quase num grito seguido de fortes aplausos.
Imediatamente artistas começam entrar em suas acrobacias e palhaçadas fazendo o público soltar gargalhadas sem parar. Viro-me para a bela menina. Tudo pára a minha volta, nada mais escuto e penso. A minha frente a vejo, ela e ninguém mais. Percebo em seu traje, o vestido o qual a vi no dia em que por ela me apaixonei, a observo ali, em silêncio, apenas admirando os risos soltos devido às apresentações. Num breve momento o olhar dela vem de encontro ao meu, e ali continuo a observá-la e rir com o canto dos lábios das feições que faz.
- O que foi?-pergunta a mim buscando controlar o riso. Estas quieto! Parece distante!-observando começo perder o controle dos meus sentidos.
- Vai, sorria um...
Antes que pudesse dizer outra palavra roubei-lhe um beijo calando sua risada, o qual para minha felicidade foi correspondido. Enfim estava liberto, ali com os lábios dela junto aos meus, senti-me livre de algo o qual ultrapassa minhas forças, mas não bastou. Com a mão em seu rosto, algumas palavras enfim tiram-me agora certamente de um tormento absoluto. Não resisto
-... Amo você!-digo ainda um pouco hesitante.
Com isto, tiro-lhe um sorriso o qual sei que para sempre será marcado em minha mente.
A noite se passa. No outro dia, estou eu na varanda a esperando. A tarde toda se vai e a jovem não aparece. Vou a sua residência procurá-la. Lá, encontro seu pai saindo rua a fora.
- Senhor, olá! A senhorita, vossa filha esta?
O velho Baronete olha para mim
- Não garoto! Branca saiu da cidade com a mãe, não sei quando voltam!-diz o velho um tanto cabisbaixo, porém com a voz ainda em alto tom.
- Ah...! Sim, agradeço!-afasto-me aos poucos dele pensativo.
Apesar do ocorrido na noite passada, vejo que a senhorita Branca Morey não é pássaro que ‘vive em gaiola’, partiu com a mãe, sabem-se lá quando volta... . Mesmo não a tendo mais, seu sorriso ficou gravado em minha mente. Hoje ela tem conhecimento do meu amor! Quem sabe retorne, ou escreva! Quem sabe me ame, mas preferiu se afastar! Sim, são muitas incertezas, mas quem sou eu para querer entender o que houve? Ao entardecer é certo que na varanda outra vez estarei. Esperando, a encantadora menina do vestido vermelho passar.