O VULTO NA JANELA- parte 2

A Mansão dos Horrores. É uma casa velha desgastada pelo tempo. Gelada de horror. Arbustos secos e espinhos malditos. O mato crescido encobre a entrada da casa. Tornando difícil o seu acesso. Devido à nevasca do dia anterior o frio é intenso e a noite tenebrosa. A cada passo dado à neve teima em entrar na bota. As poucas árvores que restam, são secas e sem vida. Ao redor da casa, não existe uma única folha verde nas árvores. É neste lugar onde encontro a minha avó Sabina. Pode parecer sombrio, mais dentro do meu eu, a casa que pertence a nossa família. É linda e majestosa.

O fato é que Sabina, minha avó, encontra-se sozinha no seu leito de morte, na Mansão dos Horrores. Onde viveu toda a sua vida com recordações amargas e felizes. Não permitindo qualquer visita da parte daquela família que a destruiu. Ela viveu a sua vida, com sombras do passado. Cada hora ou minuto era uma eternidade no palco da vida tenebroso e belo arquitetado por Vovó Sabina. Nesta vida somos sabedoras que todos representam um papel e buscam a realidade do sonho, o despertar da obscuridade e talvez na verdade de um vazio, saturado de bondade e maldade. Por isso eu acho que devemos aproveitar e, quem sabe acalentar, para conviver com harmonia o complemento e a continuação do passado, presente, futuro.

Vejo-me aqui sentada no leito de morte de Vovó Sabina, vivendo suas recordações. Por sinal perdidas no tempo. De repente começo a vivenciá-las como as suas últimas saudades. O vulto da janela. Sei que Sabina, minha avó, reviveu em sua vida inúmeras vezes. Talvez eu não deva ler suas memórias, acho que não tenho o direito de vivenciá-las. Mais uma coisa tenho certeza, o seu grande amor do passado era Sandro, meu avô. O vulto da janela.

Fico a pensar! Será que isso acontece com todas as Maria da família Nascimento? Pois neste momento, estou vivendo a perda de um amor. Quem sabe agora me vejo no direito de entender o que passou. Recordar, esta é uma aventura nossa, buscar o sofrer através de um amargor do passado. Tristeza ou felicidade, porque não dizer alegrias sofridas de uma mentira acalentada por amor que atualmente não passa de uma saudade aliviada e atormentada.

Toda recordação por mais bela que seja sempre nos dá uma tristeza porque ela nos faz voltar a tempos onde não voltamos mais, e isto faz-nos lembrar e até não querer voltar a recordações amargas e felizes. Tudo na mesma origem.

Lembrar vem sem querer do mero detalhe despertado por um momento alongado, através de algo recordado e passado no momento exato da saudade, esta tão sofredora, acalentadora na ausência de algo passado no caminho aventurado, de uma pessoa transtornada por esta vida atribulada.

Encontro-me sozinha e entre quatro paredes da Mansão dos Horrores. Não entendo porque esse nome. Será porque é um horror viver sem amor. Continuo a remexer nas memórias de Sabina e Sandro. E novamente diante dos olhos, o Vulto da janela.

O ônibus começa a se locomover e da janela vejo tudo. Um pouco do começo e um final de um perto bem distante através de um longe bem importante de um mundo rodante.Absorta em meus devaneios não escuto e nem vejo os carros a trafegar de um lado para o outro. O ronco forte do motor a 80Km, 100 ou 200Km na rua onde o ônibus estar a trafegar.

O tempo corre. É necessário ficar só. Desta vez, do meu jeito. Sem recusa e nem retribuições de favores. Com muita loucura e intensidade para poder viver o dia-a-dia. Alienada sobre o que faço, ou melhor, o que sou, sofro, choro e principalmente enlouqueço, como um majestoso horizonte a brilhar de um final só – SOLIDÃO.

De repente vem a realidade, e a luz apagada do ônibus e o relato de uma loucura de ter deixado para trás o vulto da janela. Não posso dizer que o amo, que ele preencheu um vazio. De como gostaria de poder compartilhar alegrias e tristezas. O desamor plantado em meu coração ferido está petrificado pelo tempo. Encontrarei um novo jardim e plantarei com a certeza uma renovação.

Continuo no ônibus, e no decorrer do percurso, o pico da montanha. Olho para baixo; existe um abismo. Ele abre dentro de mim e está ao meu alcance. Fico a questionar, se pulo ou volto para caminhar em direção a uma nova vida. A ferida está aberta. É como uma planta, se enramando no coração de Sabrina. Necessito acreditar.

Chego ao meu destino e a lareira precisa ser acessa para esquentar este coração gelado. Depois subo os degraus, bem devagarzinho, tentando chegar ao quarto. Preciso tomar um banho, tirar a poeira da estrada. Preciso aquecer-me. Devo providenciar algo para comer. Meu estomago reclama há muito. Só depois de alimentada e defronte a lareira fico a divagar. Isolada encontro-me, de tudo e de todos. Creio que por um bom tempo. Nesse lugar e a todo instante, posso concatenar minhas idéias. O cansaço da viagem é grande e faz-me adormecer. A noite passa.

Outro dia, outra hora da manhã, tudo retorna. Novamente o sol não brilha. O barulho do mar na areia lá fora. O vento me tonteia e a necessidade de respirar me sufoca. O desejo me faz sentir em brasa. Se a memória não me falha, neste momento, estou a fugir do Vulto da janela. Um passado distante. Acontecido em outro tempo e terminado na loja de Penhores.

Fico divagando, na certeza de que um novo amanhã e certa de que o amor que um dia floresceu neste coração, não encontrará retorno, durante muito tempo. Ele está adormecido. Não devendo florescer de novo neste peito magoado. O céu na forma de um azul infinito é agora cinzento. Nada pode se igualar ao mar da terra distante deixada por mim. Amolecer nunca. Moldar os pés no caminhar a dois. Jamais. A visão da realidade do Vulto da janela e de tudo na vida que foi abalada e destruída. As tristezas somadas com a inveja da dor de não ser amada; gera conflitos, desacertos, desilusões e golpes certeiros no coração despedaçado. Ah! Os espinhos!

Amanhã será outro dia e com ele um novo Amanhã. Mais dia começa nublado e frio, devendo prolongar pela noite que porventura teimará em passar. Vejo pela janela, que a neve continua caindo lá fora. Sei que preciso mais do que antes e mais que tudo ter a certeza do momento de outrora.

Colocar o sofrimento de um longo tempo a dois e esta mencionada separação num ponto final. Nessa casa isolada de tudo e todos é que sinto que minha vida não é daqui. E sim de outro mundo. A implosão do corpo e de cérebro, uma vontade sumir. De repente descubro. Sou uma morta viva. O clarão na mente. Estou morta. Há muito naquela cama do quarto. Morri sozinha, como a minha vida de solidão.

Escuto ao longe o uivo de um lobo, faminto. Volto à realidade da Mansão dos Horrores. Agora é Luisa, neta do Vulto da Janela.

Estou a me conformar com o meu desencanto, com a minha solidão. Só tenho mais é que me calar. Sempre uma ansiedade de voltar e reviver, como norma de poder escutar. Somente hoje descubro o sentimento de renovação do coração ferido, cicatrizado não sei?

Enfim, o tudo ou nada que você me deu representou o imenso num pouco, e este pouco se revelou numa imensa felicidade.

Adeus, então em vão.

TARTAY/OUTUBRO-2010

TARTAY
Enviado por TARTAY em 20/10/2010
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