Alaúde

Dedico este conto a Renata, querida amiga e realmente uma princesa.

Do castelo.

O rei do Reino do Mar do Norte morava num imenso e magnífico castelo. Os muros deste castelo se erguiam por mais de 10 metros acima do chão, e suas torres por 30. As paredes do castelo eram feitas da mais dura pedra existente no reino, e por dentro eram revestida pelo mais belo mármore daquelas bandas. Os portões, da mais bela e dura madeira que existe, de uma imponente e rara árvore, que só existes em terras distantes do oriente, erguiam-se quase da altura das muralhas. Fortes e belos arqueiros revezavam a guarda do castelo dia e noite, incessantemente. O salão tinha uma mesa cuja capacidade era de 50 pessoas, e esse limite era facilmente atingido, tamanha era a influência do rei. O imenso corredor tinha 30 portas, cada uma dava para um quarto, além dos quartos dos empregados, que ficavam no subsolo, perto da bela e imensa cozinha, que tinha a honra de ser palco para os melhores cozinheiros do reinos fazerem suas obras de arte. O quarto do rei era notavelmente deslumbrante. Havia um guarda-roupas da rainha, onde estavam guardados inúmeros vestidos, todos de uma fineza incomparável. A cama era bela, de madeira nobre, com detalhes em ouro com cristais incrustados. Havia também uma mesa na qual o rei, exímio poeta, passava horas se deliciando com o sabor das palavras. O quarto da princesa era igualmente vistoso, conquanto fosse menor. A cama era para apenas uma pessoa, mas era igualmente bela, e o armário era, assim como o da mãe, repleto de belos vestidos. O pátio era imenso, havia cavalos, um espaço para jogos, uma arena de duelos, um tanque para lavar as roupas, e um jardim que possuía as mais lindas flores em sua terra. Mas nenhuma flor era mais bela que a princesa Renata.

Da princesa.

A princesa Renata, filha do rei e da rainha, era muito bela e bondosa. Com seus quinze anos, tinha lisos cabelos negros que balançavam harmoniosamente ao vento quando saia para passear, seus belos olhos negros eram admirados por todos os leigos e artistas, tanto do reino quanto viajantes de terras distantes, suas bochechas eram de um rosa delicado, que causava inveja a muitas mulheres, sua pele era clara como a neve e delicada como a seda. Não era a beleza a única qualidade excepcional, ela era bondosa com todos os seres, desde os pequenos bichinhos até os nobres homens, passando por todos os pobres e velhos moribundos que ela via em suas andanças pelas ruas da vila. Ao contrário de seu pai, a princesa era muito querida pelo povo, despertando um certo ciúme no velho rei, mas este amava de mais sua filha para poder fazer qualquer coisa quanto a isso, embora às vezes ficasse chateado pelo excesso de bondade da princesa.

Do rei e da rainha.

O rei tinha 53 anos, tinha uma longa barba grisalha, assim como seus cabelos, temíveis olhos negros e uma expressão severa no rosto, poucas pessoas já o viram sorrindo. Andava com seu cajado de ouro que usava como bengala, pois era manco devido a um velho ferimento de batalha. Era alto e os anos foram generosos com ele não tirando-lhe a força. Vários rumores sobre o rei corriam pelos vilarejos, de que mantinha os piores prisioneiros no calabouço do próprio castelo para poder torturá-los pessoalmente, de que ele mesmo aplicava pena de morte nesses prisioneiros, de que uma de suas pernas era feita de madeira, por isso mancava, e outros piores. A rainha, a qual tinha 32 anos, não era menos severa, mas era muito bela, quem não a conhecesse bem não acreditaria que sob aquela bela máscara que alguns chamam de fisionomia houvesse um carrasco talvez até pior do que o rei. Ela sempre andava muito elegante, com seus vestidos caros e sua bela coroa. Gostava de andar pelo castelo observando os servos trabalhando e dando ordem a eles. Conquanto fossem severos, ninguém duvidava de que eram ótimos governantes, e que seu reinado trazia prosperidade a todos.

Da vila.

A pequena vila onde ficava o castelo era bela. Viviam nela pouco mais de 3.000 habitantes, divididos em cerca de 400 casas. Crianças brincavam pelas ruas enquanto adultos trabalhavam ou cuidavam de moribundos e doentes, e senhoras costuravam e cuidavam da casa. A economia da pequena vila crescia em modesto ritmo, graças as boas safras dos últimos anos. Sua igreja possuía um belo órgão, tocado magistralmente por um senhor de muita idade nas missas de domingo. Havia também na vila um consultório onde trabalhava um doutor que era alquimista, e diz a lenda que ele curava qualquer doença, fazendo com que muitas pessoas viessem vê-lo de longe. Um riacho de águas límpidas e suaves passava ao lado da vila, abastecendo-a. Muitos músicos errantes passavam pelo vilarejo, alegrando-o com sua música, e um jovem e belo tocador de alaúde chamado Augusto de tempos em tempos passava por lá. Todas as meninas da vila eram apaixonadas por Augusto, inclusive Renata.

Do passeio de Renata.

A princesa recebeu a notícia de que Augusto chegara à vila, então ela resolveu sair para passear, acompanhada pelo seu fiel servo e guarda-costas Jacó. Ela caminhava pelas ruas, quando uma ideia veio-lhe a mente:

-Jacó, e se eu falar para Augusto de minha paixão por ele?

-Esse tocador de alaúde vai achar que você é como as outras, não verá o valor que você tem. E, de qualquer forma, ele é apenas um tocador errante, e você é uma nobre princesa. Você não deve se misturar com esse tipo de gente.

-Mas ele é tão lindo, e toca tão bem.

-Minha cara, quantas vezes você já falou com ele? Nenhuma, presumo. Você não o conhece, não sabe como ele é. É normal se apaixonar na sua idade, mas não ache que ele é o seu príncipe encantado.

-Está bem.

Enfim chegaram à praça, e lá estava o belo Augusto com seu alaúde, tocando belas músicas e encantando as crianças e as jovens que passavam.

De Augusto.

Augusto era um jovem tocador, de 18 ou 19 anos, que vagava pelo mundo, vez por outra passava uns tempos na vila onde Renata morava. Era muito belo, tinha cabelos loiros e olhos claros, talvez azuis ou verdes. Era muito bom com o alaúde, mas ninguém até hoje soube responder se essa paixão que todas as meninas sentiam por ele era por causa da música, ou por causa de sua beleza. Ele era tão belo que se passaria facilmente por um nobre, apesar de ser um simples músico que nasceu numa aldeia desconhecida, filho de um artesão com um lavadeira. Suas roupas eram simples, mas não eram amarrotadas, seus sapatos tinham as solas gastas das suas viagens, mas estavam como novos, vistos de cima.

De Jacó.

Jacó era um servo da princesa Renata, e seu guarda-costas. Sempre que Renata deixava o castelo para ir à vila, Jacó a acompanhava. Era loiro, como Augusto, mas tinha olhos marrons como o barro molhado, ou como as cascas das árvores. Vinha de uma linhagem de servos da família real, e era o mais leal e fiel dos servos do rei. Era simpático e engraçado, mas sabia ser sério quando necessário, e era muito protetor, daria a vida para proteger seu mestre. Às vezes se tornava rabugento e saia resmungando por aí, mas era uma boa pessoa.

Do retorno de Renata ao castelo.

Augusto passou vários minutos tocando belas músicas, mas ninguém via o tempo passar, todos estavam enfeiticados pela música. As notas fluiam harmoniosamente do alaúde em acordes maiores e menores e chegavam aos ouvidos dos vilões que dançavam ao som do instrumento, até que o sol começou a descer e chegou a hora das pessoas voltarem às suas casas, inclusive a princesa Renata:

-Vamos, princesa. - disse Jacó. - Está na hora.

-Só mais um pouco, por favor.

-Vamos, o rei te espera. E todos já estão indo embora, inclusive o tocador deve ir já. Retirar-me-ei, e lhe digo que siga-me.

A muito contragosto a princesa voltou para o castelo, onde seus pais a esperavam para o jantar. Na mesa de jantar havia um belo porco selvagem assado, que fora caçado pelo melhor arqueiro do rei, e um delicioso vinho tinto, feito das mais saborosas uvas pisadas pelas criadas do castelo.

Renata foi para o quarto após o jantar e se deitou em sua cama, mas não conseguiu dormir imediatamente, pois ficou pensando em Augusto.

Dos dias que se passaram.

Nos dias seguintes, Renata ia assistir o músico errante tocar seu alaúde, mas nunca falava com ele, até o dia em que ele deixou a cidade. Renata ficou aos prantos, chorava debaixo de seus lençóis, lamentando não ter falado com o jovem, e pensou que nunca mais o veria.

A tristeza foi tomando conta da princesa, e todos notaram que Renata não mais sorria como antes, já não saía mais para passeios pelas ruas e, para a aumentar a preocupação de seus pais, não se alimentava mais direito, então estes resolveram chamar um médico.

O médico avaliou a moça e disse a seus pais que ela era apenas uma jovem apaixonada, e que só o tempo poderia curar seu morbo, o que não aliviou o rei e a rainha.

Da conversa entre Renata e Jacó.

-Você acha que eu tenho chance com ele?

-Princesa, você é a mais bela criatura deste reino. Todos os jovens desta vila são apaixonados por você, e não há um que não troque até a própria alma por sua mão. Aquele homem seria doido se não te quisesse, e caso não quisesse, pior seria para ele.

-Você só está falando isso para me alegrar, ele nem olharia para mim.

-Quantas vezes eu menti para alegrar alguém? Eu prefiro ficar calado a mentir para ver um sorriso alheio, pois uma sorriso causado por invencionices é falso. Não me alegraria ver um sorriso falso estampado em seu rosto.

-Deixa disso. Aliás, como eu falaria com ele? Eu não poderia aparecer na frente dele e dizer “oi” sem mais nem menos.

-Não deve, por ser uma princesa. Mas todas as meninas que são apaixonadas por ele vão lá conversar com ele.

-Mas é deselegante uma mulher ir falar com um homem. Este é que deve vir atrás dessa.

-Certamente. Se for de seu agrado, eu posso conhecê-lo, e apresentá-lo a você.

-Eu ouvi falar aqui na vila que ele não gosta de ser apresentado às pessoas, ele prefere que quem quiser falar com ele vá e fale.

-Então vá e fale, mas pare de me importunar e vá embora.

Do passeio de Renata pelo bosque.

De manhã cedo, flanando pelo bosque estava Renata, andando por entre as verdes árvores, ouvindo o som dos passarinhos que cantavam à luz do sol que nascia, e vendo o orvalho por sobre as folhas das plantas. Ela estava sozinha, pois conseguira despistar seu servo e saiu para deambular pelo mato.

Andava há um bom tempo, quando ouviu uma música ao longe. Era uma bela canção, e resolveu procurar de onde vinha. Vinha de uma clareira, onde um rapaz tocava um alaúde. Apesar das roupas nobres, Renata pôde reconhecer Augusto. Ele tocava concentrado e ela se aproximava silenciosamente, até pisar num galho, arruinando a atmosfera criada pela música.

Augusto rapidamente levantou o olhar, viu a princesa ali, em sua frente e começou a andar em sua direção.

-Bom dia, princesa.

-Bom dia, Augusto.

-Me chame de Gustavo, por favor. Augusto é o nome falso que uso quando quero tocar pelas ruas fantasiado de mendigo.

-Então você não é um musicista mendicante, que viaja pelo mundo tocando alaúde?

-Não. Eu sou o príncipe do reino vizinho, e, desde a primeira vez que eu vim nesta cidade e te vi, desejei que você fosse minha princesa.

O olhar de Renata não deixava dúvidas de que ela estivera sonhando com aquele momento, Gustavo percebeu isso e se aproximou dela, puxou-a num abraço e a beijou. Renata não sabia se pulava de alegria ou se entrava em desespero e desmaiava.

Gustavo a conduziu até um belo cavalo branco, o qual estava também na clareira, e a pôs sobre a sela, subindo logo em seguida, e cavalgaram pelo bosque até o Reino dos Campos do Oeste, onde o príncipe morava.

Epílogo.

Os dois se casaram e, após a morte dos reis, Gustavo unificou e governou os dois reinos, sempre com a princesa Renata, agora rainha, ao seu lado. O seu reinado foi pacífico e próspero, e trouxe felicidade a muita gente.