A MÁSCARA

Nada como uma festa para nos afastar – momentaneamente – de nossos desprazeres. Nada como uma multidão de pessoas esquecidas de si mesmas para nos levar a também esquecer de quem somos. Um baile de máscaras, em especial, é a ocasião perfeita para testar novas personalidades e ensaiar novas atitudes.

Ela estava cansada... De repente todas as suas crenças quanto ao amor verdadeiro pareciam pequenas demais diante de suas limitações humanas e perdeu parte das forças que a mantinham firme a espera “dele”.

Há um mês atrás havia escrito uma carta endereçada a Deus na qual descrevia com detalhes aquele que deveria ser o homem certo para ela. Rezou sobre a carta e guardou-a na Bíblia, decidida a proceder da mesma maneira no décimo dia de cada mês até que seu pedido fosse realizado. Quando, no entanto, aproximou-se a data em que reapresentaria seu pedido a Deus, estava envolvida em tal marasmo e angústia que já não encontrava gosto em seus antigos anseios e acabou por se esquecer que era hora de prosseguir com suas orações.

Naqueles dias estava propensa a se refugiar nos amigos para se afastar dos próprios pensamentos. Assim, depois de certa insistência, duas amigas convenceram-na a ir a um baile de máscaras na madrugada do dia nove para o dia dez. Apesar de inicialmente ter recusado o convite, logo se animou com a idéia e preparou as vestes negras que usaria para se fantasiar. Sua maior preocupação, contudo, não era disfarçar seu rosto, mas sim mascarar sua alma.

Nunca foi dada a efemeridades. Dava a um beijo o valor do sentimento e nunca antes havia beijado alguém pela simples necessidade de beijar. Naquela noite, ao contrário, estava pronta para provar uma boca que não tivesse lhe feito juras de amor.

Música alta, pessoas dançando sem a menor coordenação, cheiro de álcool e cigarro por toda parte – era este o contexto ideal para envolvimentos fugazes. Não tardou muito para encontrar um par tão perdido quanto ela própria e talvez tenha sido este o único ponto comum entre os dois.

Ele se mostrou um pouco simpático, mais ou menos interessado e meio interessante. Não era de muitas palavras e sabia ouvir menos ainda. O que ele queria obter pedia silêncio.

Quando se beijaram, ela sentiu um gosto de vazio que se misturava ao abraço que não veio, aos elogios que não foram feitos e a conversa que não surgiu. Percebeu facilmente que para ele tanto fazia quem era a dona da boca, desde que essa correspondesse aos seus interesses.

Há horas o relógio passara da meia-noite e já era o décimo dia do mês. Ao invés de estar diante de uma vela falando com Deus, estava na frente de um estranho que olhava para ela sem vê-la.

Mesmo em minha onisciência de narradora, não fui capaz de perscrutar seu espírito a fim de dizer com certeza qual foi a sua sensação quando, após, tê-la beijado, ele perguntou qual era mesmo o seu nome. Sei apenas que ela pensou seriamente em responder “ninguém” ou “qualquer uma”, pois era como se sentia.

Ao se afastarem (fisicamente, pois emocionalmente nunca estiveram juntos), ela levou consigo as piores impressões, enquanto ele, de certo, não levou impressão alguma. Em breve haverá outra festa, onde estarão outras mascaradas e mais uma porção de nomes para serem confundidos e, em seguida, esquecidos.

Ele jamais saberá quem de fato havia por detrás daquela máscara. Não conhecerá os pedidos que saíram pela mesma boca que beijou nem as promessas e sonhos que mantém viva a moça de vestes de negras.

Ele não teve tempo de sentir a sua respiração...

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