Imagem: horizontepleno.blogspot.com
Ouvindo Estrelas
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
(...)
E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Via Láctea - Olavo Bilac
Era a primeira que ouvia um programa de rádio com poemas intercalando as músicas, as cartas, os comentários que o locutor inevitavelmente tecia sobre os assuntos. Voz linda aquela! E como sabia escolher o poema, a música, a história de amor que encantava, que comovia! Assim, toda vez que ligava o rádio para ouvir o tal programa dizia para si mesma: “Vou ouvir estrelas...”
Dia após dia “ouvindo estrelas”, admitia que se apaixonara por aquela voz que invadiu seus sonhos e ocupou suas fantasias. Admitia que desde que a ouvira pela primeira vez lendo um poema de amor, não ligava mais o rádio para ouvir música, mas para ouvir a Voz que ganhava vida em seus sonhos.
Alegrava-se a cada início e sofria a cada termino da programação noturna, que era encerrada sempre pela Voz. Um par de horas de pura alegria, que estrategicamente consumia sonhando e fazendo tarefas da casa. Passava roupa, catava feijão, costurava, cerzia meias, arrumava armários. Todos os dias inventava uma tarefa para aquele horário. Não se importava de trabalhar até tarde, pois se sentia mesmo uma borralheira naquele lugar.
Morando de favor em casa de parentes, a vida inteira ouviu sobre si os adjetivos mais depreciativos: desengonçada, sem graça, feia e se achava tudo isso também, mas aquela voz lhe dizendo “você é alguém especial”, “acredite nos seus sonhos”, você ainda vai viver um grande amor”, aquela voz lendo poemas de amor, cartas contando histórias de encontros e reencontros acendeu em seu coração uma luz, um calor que desconhecia.
Sonhava acordada ouvindo os poemas, as músicas escolhidas. Fantasiava que era para ela o carinho, a delicadeza, a paixão da Voz. Descobriu que aquele buraco que sentia no estômago, aquela quase dor se chamava solidão, falta de amor, ausência de vida.
Durante meses viveu suas fantasias, até que um dia se encheu de coragem e resolveu conhecer a Voz. Não falaria com ele, apenas o veria de longe pois precisava preencher com um rosto a voz que fazia seus dias mais amenos, suas noites mais alegres, seu sono povoado de lindos sonhos.
Fez plantão várias vezes na porta da emissora, mas não dava sorte. Sempre voltava sem o ver. Um dia, arranjou uma história de localizar um parente desaparecido - era verdade!- e foi encaminhada a uma sala que, segundo a recepcionista, a Voz trabalhava na parte comercial da emissora todas as tardes.
Trêmula, boca seca e mãos suadas disse um “com licença” com voz sumida. A voz que respondeu, “pois não” era da Voz e ela mal podia acreditar no que estava vendo, pois soube ali que a natureza compensara um ser deformado, de perna murcha, pendurada em muletas e pescoço enterrado nos ombros, com um par de olhos mais meigos e a voz mais melodiosa e bela que já ouvira na vida.
Um rosto másculo, viril, um sorriso encantador e uns olhos negros que lhe pareceram tristes se destacavam também e ela se sentiu mais feia e sem graça ainda. Com o coração aos pulos, pediu ajuda para localizar o parente, entregando-lhe uma folha de papel num envelope com endereço e telefone para contato. A Voz perguntou mais detalhes, anotou no envelope e disse que iria torcer para que a pessoa aparecesse. Ela, ainda trêmula, agradeceu e foi saindo, mas a VOZ perguntou:
-Está se sentindo bem? Está tão pálida...
-Estou bem sim... Acho que é o calor...
-Espere, tome uma água...
Aceitou a água e bebeu apressadamente, engasgando-se.
- Acalme-se... Sente-se um pouco...
-Não, obrigada tenho mesmo de ir...
-Acompanha meu programa?
-Sim...
-E gosta?
Levantou os olhos, finalmente, e sentiu uma imensa alegria, misturada também com muita vontade de chorar... A Voz estava falando com ela!Pensou em quantas vezes sonhara com aquele momento, ficar frente a frente com ele...
-Sim, gosto muito...
Pensou em dizer muito mais, porém a voz não saiu. Disse “tchau” e “obrigada” e foi saindo devagar, com as pernas trêmulas.
-Espere... Se quiser ligar para pedir uma música será um prazer atendê-la...
-Sim, obrigada!Vou ligar, qualquer dia...
A Voz estendeu a mão para as despedidas e ela vibrou com o contato caloroso, firme. Foi como uma descarga elétrica... e também lhe pareceu que a mão dele não queria soltar a sua mão...
Saiu às pressas e correu, literalmente, de volta para casa. Uma aflição, uma necessidade de continuar ouvindo aquela voz, uma vontade louca de continuar pensando naqueles olhos que pareciam ler sua alma. À noite, na hora do programa, enquanto passava uma pilha de roupa ouviu seu nome pronunciado pela Voz, ouviu o apelo feito ao parente sumido e chorou de emoção quando ele leu um lindo poema falando de alguém que se apaixonara por um olhar, lhe chamou de “querida” e ofereceu a próxima música.
Não, não era Roberto Carlos que cantava, era a Voz que lhe segredava “eu quero seu amor a qualquer preço, quero que você me tenha até pelo avesso, pra me sentir envolvido em seus cabelos faça de mim o que quiser eu sou seu homem minha mulher...”
Pela primeira na sua vida sem graça, chorou e riu de felicidade e na madrugada, insone, amou mais ainda aquela voz e resolveu que escreveria sua primeira carta de amor.
Ouvindo Estrelas
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
(...)
E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Via Láctea - Olavo Bilac
Era a primeira que ouvia um programa de rádio com poemas intercalando as músicas, as cartas, os comentários que o locutor inevitavelmente tecia sobre os assuntos. Voz linda aquela! E como sabia escolher o poema, a música, a história de amor que encantava, que comovia! Assim, toda vez que ligava o rádio para ouvir o tal programa dizia para si mesma: “Vou ouvir estrelas...”
Dia após dia “ouvindo estrelas”, admitia que se apaixonara por aquela voz que invadiu seus sonhos e ocupou suas fantasias. Admitia que desde que a ouvira pela primeira vez lendo um poema de amor, não ligava mais o rádio para ouvir música, mas para ouvir a Voz que ganhava vida em seus sonhos.
Alegrava-se a cada início e sofria a cada termino da programação noturna, que era encerrada sempre pela Voz. Um par de horas de pura alegria, que estrategicamente consumia sonhando e fazendo tarefas da casa. Passava roupa, catava feijão, costurava, cerzia meias, arrumava armários. Todos os dias inventava uma tarefa para aquele horário. Não se importava de trabalhar até tarde, pois se sentia mesmo uma borralheira naquele lugar.
Morando de favor em casa de parentes, a vida inteira ouviu sobre si os adjetivos mais depreciativos: desengonçada, sem graça, feia e se achava tudo isso também, mas aquela voz lhe dizendo “você é alguém especial”, “acredite nos seus sonhos”, você ainda vai viver um grande amor”, aquela voz lendo poemas de amor, cartas contando histórias de encontros e reencontros acendeu em seu coração uma luz, um calor que desconhecia.
Sonhava acordada ouvindo os poemas, as músicas escolhidas. Fantasiava que era para ela o carinho, a delicadeza, a paixão da Voz. Descobriu que aquele buraco que sentia no estômago, aquela quase dor se chamava solidão, falta de amor, ausência de vida.
Durante meses viveu suas fantasias, até que um dia se encheu de coragem e resolveu conhecer a Voz. Não falaria com ele, apenas o veria de longe pois precisava preencher com um rosto a voz que fazia seus dias mais amenos, suas noites mais alegres, seu sono povoado de lindos sonhos.
Fez plantão várias vezes na porta da emissora, mas não dava sorte. Sempre voltava sem o ver. Um dia, arranjou uma história de localizar um parente desaparecido - era verdade!- e foi encaminhada a uma sala que, segundo a recepcionista, a Voz trabalhava na parte comercial da emissora todas as tardes.
Trêmula, boca seca e mãos suadas disse um “com licença” com voz sumida. A voz que respondeu, “pois não” era da Voz e ela mal podia acreditar no que estava vendo, pois soube ali que a natureza compensara um ser deformado, de perna murcha, pendurada em muletas e pescoço enterrado nos ombros, com um par de olhos mais meigos e a voz mais melodiosa e bela que já ouvira na vida.
Um rosto másculo, viril, um sorriso encantador e uns olhos negros que lhe pareceram tristes se destacavam também e ela se sentiu mais feia e sem graça ainda. Com o coração aos pulos, pediu ajuda para localizar o parente, entregando-lhe uma folha de papel num envelope com endereço e telefone para contato. A Voz perguntou mais detalhes, anotou no envelope e disse que iria torcer para que a pessoa aparecesse. Ela, ainda trêmula, agradeceu e foi saindo, mas a VOZ perguntou:
-Está se sentindo bem? Está tão pálida...
-Estou bem sim... Acho que é o calor...
-Espere, tome uma água...
Aceitou a água e bebeu apressadamente, engasgando-se.
- Acalme-se... Sente-se um pouco...
-Não, obrigada tenho mesmo de ir...
-Acompanha meu programa?
-Sim...
-E gosta?
Levantou os olhos, finalmente, e sentiu uma imensa alegria, misturada também com muita vontade de chorar... A Voz estava falando com ela!Pensou em quantas vezes sonhara com aquele momento, ficar frente a frente com ele...
-Sim, gosto muito...
Pensou em dizer muito mais, porém a voz não saiu. Disse “tchau” e “obrigada” e foi saindo devagar, com as pernas trêmulas.
-Espere... Se quiser ligar para pedir uma música será um prazer atendê-la...
-Sim, obrigada!Vou ligar, qualquer dia...
A Voz estendeu a mão para as despedidas e ela vibrou com o contato caloroso, firme. Foi como uma descarga elétrica... e também lhe pareceu que a mão dele não queria soltar a sua mão...
Saiu às pressas e correu, literalmente, de volta para casa. Uma aflição, uma necessidade de continuar ouvindo aquela voz, uma vontade louca de continuar pensando naqueles olhos que pareciam ler sua alma. À noite, na hora do programa, enquanto passava uma pilha de roupa ouviu seu nome pronunciado pela Voz, ouviu o apelo feito ao parente sumido e chorou de emoção quando ele leu um lindo poema falando de alguém que se apaixonara por um olhar, lhe chamou de “querida” e ofereceu a próxima música.
Não, não era Roberto Carlos que cantava, era a Voz que lhe segredava “eu quero seu amor a qualquer preço, quero que você me tenha até pelo avesso, pra me sentir envolvido em seus cabelos faça de mim o que quiser eu sou seu homem minha mulher...”
Pela primeira na sua vida sem graça, chorou e riu de felicidade e na madrugada, insone, amou mais ainda aquela voz e resolveu que escreveria sua primeira carta de amor.