A HORA DO ADEUS

A HORA DO ADEUS

I

-Oito e meia – Pê balbuciou olhando para o relógio de madeira situado junto ao emblema das lojas HM, sobre o portão do depósito. Pouco depois, me fitando, arrumou a última caixa de eletrodoméstico no baú do caminhão. Só então lançou a pergunta:

-A que hora terminaremos as entregas?

-Por volta do meio dia – respondi apoiado nos meus 15 anos de experiência como ajudante.

Com alguns convites na mão, o jovem abriu a porta do armário e, nesse instante, percebi na sua voz um soluço de emoção:

-Hoje será o meu primeiro diploma após onze anos de estudo. Poderia ser o dia mais feliz da minha vida se papai estivesse ao meu lado na formatura. Se eu pudesse ganhar seu abraço junto com os parabéns.

Vi sua face arder e os olhos avermelhados gotejarem. Senti que mesmo trabalhando há quase um mês ao lado daquele garoto, eu nada sabia a seu respeito. Então resolvi perguntar-lhe:

-Você não vive com seus pais?

-Ele me abandonou quando eu era ainda bem pequeno. Não quis me aceitar com seu filho, como se eu fosse culpado por um erra seu.

Nasciam mais algumas palavras, mas Pê as afogou... E me chamou com um sorriso forçado:

-Paraná! – Respondi e ele mostrou-me um dos convites – Você vai comigo, não é? O seu convite está aqui. – Tentou sorrir colocando-o no bolso de minha camisa dependurada no cabide.

-É claro. Sou teu amigo, não sou? É pena não poder substituir o teu pai.

Não pude deixar de abraçá-lo e ele me apertou contra seu peito.

Como conhecia todas as ruas de São Paulo, era eu quem sempre me sentava junto do motorista para instruí-lo, mas neste dia Pê tinha pressa e entrou primeiro na cabine. Eram várias as entregas para aquela manhã de sábado e já marcavam 11:20h quando ele olhou no meu relógio digital de pulso. Buscávamos a Vila dos Remédios pela marginal Tietê e ele comentou sorrindo:

-É a ultima nota:

Abaixei-me para conferir as horas e ainda senti o toque da sua mão em meu punho segurando o pequeno aparelho, quando uma freada brusca cantou a nossa frente. Ergui os olhos e dei-me com um ônibus e só consegui ouvir a voz do motorista que nos prevenia... O choque foi inevitável.

Consegui manter os meus sentidos por poucos segundos até que a polícia nos cercou. Entreguei-lhes a bolsa com os rendimentos do dia e, confuso, ouvi o médico dizer:

-Um deles já está morto.

Eu não conseguia distinguir se falavam deles ou de mim. Meus olhos não viam, apesar de meu esforço, e minha mente se apagou.

II

A luz do sol entrava pela janela quando abri os olhos e os dei com a claridade que os feriu. Voltei a cerrá-lo, mas a voz da enfermeira chegou como um tormento.

-Vou lhe dar alguns sedativos.

-Não faça isso – Implorei – Eu estou bem. Não sinto dor. Faça-me apenas um pequeno favor: traga-me alguma informação sobre meus amigos...

Enquanto a enfermeira não retornava, tentei reconstituir o meu passado. Minha imaginação vagava e foi se dar com o São Benedito, o meu pequeno povoado.

Era dia de festa em Congonhinhas e eu deixava o sítio em busca da cidadezinha, pensando na jovem que por certo me esperava. Sonhando passar a noite em seus braços, galgava por uma trilha estreita e acidentada o morro que separava o morro que separava o povoado da cidade.

Tarde de sábado. O sol já se escondia deixando seus raios cruzarem o céu pouco acima de minha cabeça. Eu o admirava e me divertia com as borboletas bailando no ar, eram coloridas como girassóis.

Sem tanta pressa de chegar eu mesmo me contava o caminho: já passei a ‘pedra do tatu’, a ‘curva da direita’... Agora vem ‘a casa abandonada’. Mas quando avistei a casa, percebi em seu terreiro um varal onde várias peças de roupas balançavam ao vento, indicando que já não estava tão abandonada, e ao me aproximar, senti que era examinado da janela.

Não hesitei. Examinei a beleza dos traços que compunham aquela face clara que tinha um olho oculto pelos cabelos negros, tornando-o misterioso. Os lábios carnudos mostraram-me o esboço de um sorriso que exilou meu olhar. Quando voltei a procurá-la, a janela já estava vazia.

Continuei meu caminho com aqueles olhos negros da janela me seguindo, até que a cidadezinha se abriu diante de mim e me enfiei nela indo direto à praça onde a festa se realizava. Faltavam alguns metros para dar-me com as primeiras pessoas quando avistei Carmem meio a um público fervoroso. Porém, ela muda, procurava por mim e me abordou assim que me encontrou.

-Quanta demora! Pensei que não viesse mais.

Quase não ouvi suas palavras, mas a segui quando se dirigiu a um banco do jardim num canto deserto. Deitei em seu colo recordando aqueles olhos negros e sorriso dos lábios carnudos...

-Por que toda essa distância? – perguntou ao perceber minha frieza depois de algum tempo. – Você não me quer mais?

-Não é bem isso – Respondi fugindo daquele olhar acusador.

-Que é então? – agora sorria amargamente.

Sorri disfarçando os meus sentimentos e ao abraçá-la soprei maliciosamente aos seus ouvidos:

-Quero fazer amor com você.

Ela me afastou com censura, mas com a mesma voz rouca e apaixonada resolveu explicar:

-Você conhece a minha família. Papai me mata se imaginar... Eu não posso. É diferente de não querer. – Pairou o olhar no infinito sobre minha cabeça.

Tentei me levantar e ela pediu que continuasse a seu lado.

-Você sabe o que penso e o que quero. Sabe também que é impossível continuar com alguém incapaz de saciar os meus desejos, seja por um ou outro motivo. Então é melhor que...

-Não. – Atalhou – Por favor, fique comigo.

-Você sabe o que penso. – Forcei.

-Está bem. – concordou contrariada – Quando você quer?

-Conhece um dia melhor que hoje...?

Abracei-a acariciando os mamilos nus sob a blusa de seda, no mesmo instante em que beijava aquela boca sedenta.

-Se não existe outra saída... Vamos até minha casa. Papai e mamãe estão ocupados aqui na festa...

III

Carmem e eu nos encontramos por várias vezes nos dias que se seguiram, mas com a primeira semana fui me distanciando na expectativa de conhecer a jovem da velha casa.

Certo dia, enquanto passava pelo terreiro banhado de sol no alto do monte e examinava a janela vazia, ouvi chamarem por mim. Surpreendi-me com a suavidade do tom, com a essência daqueles poucos fonemas, o prazer de falar com alguém que até aquele momento só existia em minha imaginação.

-Oi. – Sussurrou à minha costa e se calou. Também permaneci calado, procurando alguma coisa para dizer, mas foi ela quem quebrou o silêncio:

-João. – Realmente tinha voz doce – Seu nome é João, ou estou enganada? João Pedro de castro.

Pensei em perguntá-la como soube, mas que diferença faria.

Naquele dia nós pouco conversamos, no entanto, alguns dias depois uma colega me informou que Maria, esse era seu nome, gostaria de me reencontrar na festa de nosso povoado. Faltavam três dias que se passavam voando e o sábado chegou como poucos anteriores: céu aberto sem muito calor. Até os pássaros amanheceram inspirados.

Cheguei ao local ainda tímido, procurando por ela com o olhar, entretanto, fui encontrado. Aproximou-se desinibida, falando de tantas coisas que eu mal entendia. A magia era estar a seu lado.

Começamos a namorar e sempre fui tratado por seus pais com muita admiração, respeito e carinho, até que três ou quatro meses depois Carmem mandou-me um bilhete informando-me de sua gravidez.

-O que eu poderia fazer? Procurá-la...?

-O que faremos agora? – Foi com essa pergunta que me recebeu.

-Teus pais já sabem? – Eu escondia o susto que me causara.

-Não. Ainda não, mas saberão brevemente. Uma de minhas tias já sabe. Eu escondia, mas ela descobriu.

-E o que ela disse a respeito?

-Ela foi legal comigo. Até me ofereceu asilo.

-Vá com ela. – ordenei. – Fique por lá até que eu termine a safra do milho. Aí poderemos nos casar. No momento não disponho de situação financeira adequada. – Menti.

-Farei isto sim. – Concordou. – Irei para Nova Fátima com minha tia, mas quando você colher o milho não se esqueça de mim.

IV

Uma semana depois fui à casa de Maria e marcamos a data de nosso casamento. Foi a única saída que encontrei e estávamos felizes. O ato realizar-se-ia a 15 de maio daquele ano que apenas começava. Maria não era informada de nada. E o tempo voava, até que no dia oito do mês marcado terminei a colheita, mas já era muito tarde. Um menino havia nascido.

Os pais de Maria não poderiam ser informados de minha paternidade. Eu não queria perdê-la.

Numa noite dessas resolvi rondar o seu terreiro. Tentava apanhá-la só, mas não conseguia. Já era bem tarde quando as luzes do interior da casa se apagaram. Fui até a janela e, em toques compassados, tentei chamar sua atenção. Veio-me a impressão de que já estaria deitada, mas em pouco, ouvi um ruído e procurei identificar-me dizendo meu nome.

-Sou eu, João Pedro. – Sussurrei.

-O que está fazendo aqui a esta hora? – uma voz aterrorizada e interrogativa veio do interior da casa.

-Vim só para dizer que te amo. – Brinquei.

-Você está louco. Vá embora.

-Vou sim. Basta você vir comigo.

-Você é louco mesmo. Meu pai nos procuraria nos quatro cantos do mundo e nos mataria.

-Venha comigo. Partiremos ainda esta noite. – Eu apertava sua mão tentando convencê-la.

-Não adianta. Meus pais já sabem de seu caso com Carmem. Já sabem de seu filho.

-Então você não quer vir comigo?

-Quero, mais não é o caminho mais sensato. Resolva sua questão que estarei te esperando.

-Amo você, Maria. – Apelei por seus sentimentos mais íntimos.

De repente, ouvimos ruídos do outro extremo da casa e nos calamos.

-Filha, com quem você está falando?

-Vá embora. – Disse soltando minha mão e fechando a janela. Permaneci imóvel a alguns metros quando a mesma voz completou:

-Será que você está falando com aquele vagabundo!

A janela foi reaberta e um tiro foi disparado, ferindo meu braço. Sem qualquer alternativa fugi.

V

Naquela mesma noite, após eu próprio medicar o ferimento que era superficial, apanhei algumas peças de roupa e o dinheiro da safra e saí sem destino.

Eu via o luar crespo me acusando de uma fuga covarde, mas eu seguia. Indiferente das acusações do luar e de tudo, me dirigi à estação ferroviária em busca de uma locomotiva que me levasse a qualquer lugar. Assim, meu animal me esperou do lado de fora e quando voltei com o bilhete de passagem, ao lado da plataforma alguém esperava por mim.

-Imaginei que viesse – Foi assim que me recebeu. – Para onde pensa que vai?

Gaguejei, mas consegui completar.

-Eu ia para São Paulo...

-Você vai abandonar o seu filho?

-Não é bem assim. Para formar uma família precisamos de recursos financeiros, uma casa, um trabalho... Coisas das quais nós não possuímos no momento. Um dia voltarei buscá-lo...

Sem mais alternativa, voltei com o velho José, na promessa que ficaria em sua casa até que eu pudesse ter a minha. Passamos por Nova Fátima e pude ver o meu filho. Os mesmo traços fortes do meu rosto... O que já não importa mais...

VI

Eu aprendia rapidamente as explicações de seu José em sua marcenaria. Apesar de que na primeira semana em sua casa eu tinha sempre meus movimentos vigiados por alguém de sua família, mas em poucos dias fui ganhando a confiança dos novos parentes. Assumi meu filho e lhe dei o meu nome: “João Pedro de Castro Júnior”.

Formávamos uma família, mas a idéia de um casamento foçado perseguia-me e me tirava o sono. Tudo isso se somava à saudade de Maria que não me fugia da mente.

Certa manhã, eu fui surpreendido enquanto desabafava:

-Maldito seja você, meu filho. A única pessoa que realmente amei você me fez perder.

Carmem e eu discutimos e saí para trabalhar. A caminho, apanhei um automóvel alugado e no final da tarde, em Ourinhos, tomei uma locomotiva com destino à capital paulista.

VII

Eram quinze anos trabalhando na capital: sofrendo, chorando, sonhando com o regresso e recordando o meu Paraná. “Paraná” era como me conheciam em meu trabalho como ajudante nas lojas Hermes Macedo.

Numa dessas idas ao trabalho, cruzei frente a uma vitrine e algo me chamou a atenção. Assim entrei, vi um relógio digital de pulso e tomei-o nas mãos, quando alguém se aproximou.

-Onze e vinte. – Voltei-me e meu coração bateu mais forte. Era-me familiar aquele rosto: olhos negros tão conhecidos como os meus...

-Onze e vinte – repeti, enquanto o jovem apontava para o produto.

Trinta dias a preço a vista.

-Vou levá-lo.

O jovem analisou meu cadastro e ao preencher a ficha repetiu em voz alta.

11:20, com vencimento para 22 de dezembro de 1983.

Eu já deixava a loja quando jovem voltou a me chamar:

-Você trabalha nessa firma? -Apontava para o emblema das lojas HM nas costas do macacão. – Eu gostaria de trabalhar lá. Muitos já me falaram com orgulho por fazerem parte desse grupo.

Dois dias mais tarde, meu colega de trabalho passou a chefe de sessão. Seu lugar como ajudante ficou vago e me lembrei do jovem. Apresentei-o ao meu novo chefe e começou imediatamente a trabalhar.

Pê e eu conversávamos bastante a respeito de sua formatura que viria acontecer no dia 22 de dezembro daquele ano. Já ia completar um mês trabalhando juntos e eu sentia que aquele jovem possuía algo que me atraía. Não foi difícil nascer entre nós uma grande amizade. Eu me sentia orgulhoso em poder ouvir suas histórias do colégio: seus dramas e aventuras.

Então, me lembro como agora, 21 de dezembro de 1983, chegou bem cedo no trabalho. Sorria constantemente e não cansava de repetir:

Amanhã será a minha formatura. Será que vou estar feliz?

VIII

No hospital, percebi que os dias adormeciam em seu curso, mas ali já se passavam oito deles, quando me deram alta e autorização para viajar com o gesso. Resolvi então passar alguns dias no Paraná. Pedia a um colega que comprasse uma passagem para Nova Fátima, onde eu ficaria na casa de meus pais num pequeno povoado chamado Messias.

Naquela mesma tarde, fui ao depósito da firma buscar algumas peças de roupas. Ao abrir uma das portas de nosso armário, encontrei as roupas de Pê no mesmo lugar onde as deixou no dia do acidente. Veio-me a imagem dolorosa das cenas do ultimo contato e aquele adeus inesperado...

Depois de longo tempo sem coragem para apanhar minhas coisas, atrevi-me a enfiar a mão no bolso de minha camisa e apanhei o convite: Formandos do Curso Técnico em Contabilidade.

E ao dobrar a primeira página, o lamento:

“Homenagem especial do aluno”.

MEU PAI

Você que um dia me abandonou, me amaldiçoando, me culpando por um erro seu... Eu te perdôo.

Perdôo por cada momento que me fez sofrer... Por cada pensamento, por cada comentário seu com amargura. Pelo carinho, pelo afeto: por tudo que o senhor não me deu.

Meu pai... É como te chamo e não me canso de esperar... É imensa a certeza de que vai voltar para que eu possa te chamar assim...

Sei que, às vezes, angustiado, te desejei a morte. Mas eu me arrependo de cada vez que tive ódio em meu olhar. Como prova de meu arrependimento, quando a morte que te desejei chegar, eu quero estar a seu lado e morrer em seu lugar...

Meu pai... Não é porque me odiou um dia que vou deixar de te amar... Como seu filho que sou... Que você não quis...

Abaixo, de olhos nublados gotejando, meio a uma dor imensa que invadiu meu peito, consegui decifrar, nas letras embaralhadas pelas lágrimas, um nome saudoso e inocente: João Pedro de Castro Júnior – Formando.

IX

A amizade que nos unia era tão forte, mas jamais imaginei que meu filho estivesse ali ao meu lado. Carregando os mesmo pesos e descansando na mesma sombra...

Eu ainda amava Maria como jamais amaria alguém, mas resolvi voltar para Carmem. Tentaria consertar um erro que há 20 anos me perseguia.

Recordo vagamente porque meus olhos quase não viam aquela tarde que cruzei um jardim e segui rumo a uma casa a qual, num dia de festa, havia entrado meio à penumbra da noite ao lado de uma jovem. Mas no meu regresso tudo era diferente: as ruas de pedregulhos estavam cercadas de asfalto e o cercado de madeira havia sido substituído por tijolos e ferros. Só eu continuava o mesmo, ou quase...

-Aqui é a residência de Carmem Pereira? – Perguntei a um senhor que passava.

-Você a conheceu? - respondeu-me com outra pergunta.

-Sim.

-Carmem se foi. – Explicou o velho – A mais ou menos uns vinte anos, após esperar por três dias o marido que a abandonou, a jovem Carmem suicidou-se. Dois dias mais tarde seus pais desapareceram da cidade que ninguém mais teve notícias.

Eu quase não ouvi suas últimas palavras com uma dor aguda no coração. E o velho dedava-me o peito como se me acusasse, enquanto me indicava uma casa do outro lado da praça:

-Tudo culpa de uma mulher que mora ali...

Eu estava cego quando me encontrei frente à casa de Maria que me reconheceu. Ela me recebeu como se estivesse passado somente alguns dias. Levou-me para o interior da casa, ofereceu-me almoço e me acariciou como se faz a um namorado...

-Há tanto tempo que te espero. – Cochichou ao meu ouvido.

Senti renascer o desejo de possuí-la e o fiz meio a um mar de carícias. Tomei-a, enquanto suspirava dizendo que me amava, que se mantivera o tempo todo se guardando para mim. Era eu o seu primeiro e único amor.

Estremeci. Suas palavras me fizeram recordar o instante fatal entre Carmem e eu. Meus nervos se abalaram. Inflaram como se eu fosse explodir. Apertei-me à Maria com imensa loucura e não vi mais nada... Quando dei por mim, ela estava em meus braços... Sem cor... Sem luz... Sem vida! A fúria do conflito entre o amor e o remorso me tornava um assassino...

X

EPÍLOGO

Hoje o meu luar não é prateado, nem cheio. Nasce quadrado numa miniatura de janela. Todos que vejo são separados por ferros de uma grade que me afasta do mundo. Tudo é vago. Tudo eu desconheço... Só o meu silêncio ecoa nestas quatro paredes gradeadas.

O sol não me aquece e o frio não me assusta. Nem as vozes do horror me causam arrepios... Sou o fantasma e vivo meio a um labirinto por tentar criar meus próprios caminhos.

Há cinco anos encontro-me aqui. Não sei se sou uma personagem, ou uma peça do cenário que imóvel vê o seu palco vazio. Somente as imagens do passado insistem em me acompanhar neste teatro mudo.

Recordo que sete homens me julgaram e me jogaram nesta cela fria. E um deles teve a ignorância de ressaltar: “Assim se faz com animais”. Este foi o meu último elogio.

Hoje, maio de 1989, o dia espera o meu regresso e à minha frente uma porta se abriu. Será que devo sair? Poderei viver sem me esconder de mim? Poderei me perdoar?

Preciso de apoio, mas só as paredes me firmam; preciso de um olhar, mas nem os meus olhos se acendem; preciso de mim, mas recuso a me ajudar.

A rua esta vazia... De que me vale a liberdade se não tenho nada para dividir. Se eu destruí todas as pessoas que amei.

Eu vou ficar aqui vendo o sol baixar e se pôr. Vendo a noite cair e meus olhos se encherem de prantos por uma ilusão que nunca existiu.

Jamais acreditarei no amor, pois toda a felicidade que ele me proporcionou, ele próprio roubou e destruiu...

E o destino... Que cruel!!! Marcou a hora, mas não me permitiu dizer adeus!

CLODOALDO DIAS DOS REIS