Sempre Setembro

- Tudo bem?

- Tudo! Prazer!

- Prazer é meu!

- Então, para onde vamos?

- Conheço um barzinho bacana lá no seu bairro.

- Sério, qual é o nome dele?

- Túnel do Tempo.

Beberam algumas cervejas. Ele só gostava dos dois primeiros goles. Só. Mas sorvia tudo. Ela contava muitas histórias, era viajada, tinha uma vida bem interessante, cheia de aventuras na faculdade, em sítios e fazendas, em praias e viagens ao exterior. Ele era um bom ouvinte. E só. E não conseguia acreditar que estava frente a frente com ELA. Por quê?

O horário ficou apertado. Ele morava no outro extremo da cidade e ela a duas quadras do Túnel do Tempo. Saíram do bar e mergulharam na noite. O tempo estava quente e batia em seus rostos uma brisa refrescante. As estrelas cintilavam no céu de primavera e a lua cheia emitia uma luz mais forte do que o normal, pensou ele.

Ela acendeu um cigarro. Não parava de falar. Ele carregou o caderno dela. Continuava tímido, descrente, desesperado por não ter uma história interessante para contar. Mas era um bom ouvinte. Carregava o caderno não por ser adolescente-romântico-imbecil. Segurou pra ela acender o cigarro e ela esqueceu de pegar. Seria seu contato mais próximo com ela, pensou ele.

Pararam na porta do prédio dela. Estava tarde. Ela abriu a porta e o convidou a subir. Morava sozinha. Ele ficou indeciso. Mas subiu. Estava excitado. Era muita informação nova pipocando em sua mente. Quadros, filmes, velas artesanais, painéis de fotografias, videogames, calcinhas e meias espalhadas ao lado de bolsas e sapatos e toalhas e estojos de maquiagens.

Ela envergonhada pela zona e ele encantado com a zona. Ela não era um robô; era humana. E desleixada que nem ele.

Enquanto ela arrumava a bagunça - a arrumação dela era embolar tudo num balaio só e jogar num canto do quarto - ele ficou encostado no guarda-roupa observando tudo e pensando no trajeto até sua casa. Tinha de ir, senão ficaria na rua. Mas não queria deixar a noite por isso mesmo. Achava-a maravilhosa há uns bons meses e, nas últimas semanas, acordava todos os dias com a sensação de ter sonhado com ela. E lá estava ele, pensando em tudo isso, na frente dela, no quarto dela.

- O que você tem?

- Nada.

- Tá com um olhar estranho.

- Vem cá.

Estendeu a mão para ela, sem saber o porquê. Ela poderia rir da cara dele. Perguntar o que aquilo significava. Recusar. Mas estendeu sua mão. Seus dedos se entrelaçaram. Ele estendeu a outra mão e ela a alcançou. Puxou-a devagar. Ela veio. Estavam se olhando com ternura. Algo se instalou naquele momento. Nenhum deles saberia explicar o que aconteceu naqueles instantes. Foram aproximando o rosto devagar, roçando o nariz, sorrindo um para o outro, como quem não acredita no que está vivendo; como se estivessem num sonho onde logo poderiam acordar sozinhos numa cama apertada de solteiro. Mas o toque das línguas, a troca de salivas, a mistura dos perfumes, o comprimir dos corpos e a porta do guarda-roupa que cedeu eram a realidade e o beijo selou e corporificou o que ele sonhava e sonhava e sonhava há semanas.

Estava tarde.

- Quer ficar?

- Não sei.

- Fica.

Ponderou com seus botões.

- Fico.

Abraçaram-se.

Logo ela estava de pijama. E ele, de calça jeans. Dormiram com o rosto colado. Ele de calça jeans. Ele acordava o tempo todo se perguntando onde estava e, com ajuda da luz de um pequeno abajur em forma de cogumelo, contemplava aquele rosto colado ao seu, dormindo na santa paz de uma criança. Se aninhava à ela, que abria os olhos devagar, cheia da preguiça, trocavam um beijo e logo voltavam a dormir docemente como dois torrões de açúcar lado a lado.

Amanheceu e cada um foi pro seu respectivo trabalho. Era o mesmo prédio, mesmo bloco, mesmo andar, mesmo setor.

Passou uma semana e ela rompeu o romance. Tinha voltado com o ex namorado.

Ele pula de corpo em corpo, procurando algo que não sabe o que é. E parece não querer saber. Apenas segue, e raramente sonha - ou pelo menos nunca lembra o que sonhou. E vê o casal todos os dias na porta da empresa.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 29/09/2010
Código do texto: T2528540
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