Quando um amor se vai...
Assim que ele a viu, a primeira coisa que lhe passou à cabeça foi justamente o que aconteceria depois. Mesmo assim, ele fingiu naturalidade.
— Oi, amor! Surpresa você aqui...
Foi beijá-la na boca, mas ela o ofereceu o rosto.
— É, pra você ver, né... — Ela o encarou de uma maneira que lhe pudesse passar um tom irônico e, ao mesmo tempo, desafiador. — Foi bom te encontrar aqui porque eu queria mesmo falar com você...
Foi nesse momento que ele percebeu que tudo ali estava mudado. O jeito dela o tratar, o seu tom de voz, o seu olhar, tudo. Não era mais a Daniela de sempre, meiga, carinhosa, compreensiva. Ali se encontrava uma outra mulher que ele se quer conhecia. Mesmo assim, continuou com o disfarce:
— Eu também estava te procurando, Dane. Eu tenho uma novidade. Olha, dessa vez cê vai gostar...
Ela o enterrompeu bruscamente:
— Eu estava falando com você primeiro...
Uma sensação ruim lhe tomou o peito. E ele já sabia o que estava por vir.
— Você vai terminar comigo, não é?
— Por que tá dizendo isso?
— Dar pra ver nos seus olhos. No seu jeito de falar.
Ela calou-se.
— Por quê? — Perguntou ele.
— Por que, o quê?
— Por que vai terminar? Arrumou uma outra pessoa?
— Não, não é isso.
— Então o que é? Foi algo que eu fiz?
— Mais ou menos. Acho que foi mais o que você não fez... — Ela foi misteriosa.
Ele amava demais aquela mulher e não imaginava sua vida sem ela. Tentou imaginar. Um nó muito forte atravessou sua garganta e ele quase chorou:
— Então... Qual o problema? — Sua voz saiu meio “mastigada” dessa vez. — A gente tava indo tão bem. Que aconteceu?
— Bem??? — Ela não conseguiu engolir a ironia. — Qual foi a última vez que a gente se viu, Fernando?
— Na terça-feira...
— Retrasada, não foi? Isso já tem mais de quinze dias...
— Amor, mas você sabe que...
— O seu trabalho! Tá bom, já ouvi isso mais de duzentas vezes. Sei até de cor. Não quer que eu repita pra você, né?
— É justamente sobre o trabalho que eu quero falar com você. Olha...
— Fernando, escuta só uma coisa: eu já sei de cor todos os seus papinhos. É sempre a mesma coisa. “Eu prometo que no próximo mês vou falar com o meu chefe pra ver se mudo de turno.” “Vou parar de fazer tanta hora extra.” Eu tou escutando isso já faz mais de dois anos e meio. Chega! Cansei!
— Mas, amorzinho...
— Você só pensa no trabalho, Fernando. Esquece das coisas essenciais, tipo, dar atenção à pessoa que você gosta, acompanhá-la nos momentos bons e ruis, saber se o dia dessa pessoa foi bom... Essas coisas, sabe?
— Eu sei, só que...
— Namorar não é só entupir a pessoa de presente, como você faz. Eu sei que isso seja uma maneira de você justificar sua falta de atenção, mas... Chega um momento que isso tudo vira um... saco, sabe. Você fica com a impressão que a pessoa que tá do seu lado só tá querendo... comprar você com presentinhos ou com promessas de uma vida melhor...
— Amorzinho, não é nada disso. Eu te dou os presentes por que... porque... eu te amo!
— Amar não é isso, Fernando. Quando a gente ama, a gente quer ficar o tempo todo com essa pessoa, a gente se possível cola nessa pessoa. Você ama o seu trabalho, não eu. Afinal, não é com ele que você passa o maior tempo da sua vida!?
Fernando calou-se. Sabia que ela estava certa. Durante esses dois anos que ficaram juntos, ele apenas a manteve do seu lado. Sem dar sustentação necessária pra que fossem felizes. Ele fora frio, distante, irrelevante. Pensando apenas em si próprio. Só que de agora pra frente tudo aquilo ia mudar.
— Amor, se o problema for o trabalho, pode ficar despreocupada — declarou-se enfim. — Eu já pedi demissão de lá faz tempo... Tou montando um negócio particular pra mim, sabe. É um negócio muito promissor e lucrativo. Em pouco tempo...
Daniela deu uma suspirada forte, interrompendo-o:
— Negócio particular? Sei. Desde quando?
— Desde a semana passada.
— Desde a semana passada! E você só conta isso pra mim agora? Tá vendo, Fernando? É exatamente isso que eu quero que você entenda. A gente não se conhece mais. Eu já não sei mais quem é você, nem o que você faz... Olha, deixa eu te dizer uma coisa, a última porque eu não quero mais discutir isso com você: você não me ama, nunca me amou e talvez nunca vá me amar. Mesmo que a gente se case, tenha filhos e uma vida estabilizada, você sempre será o mesmo Fernando. Sempre preocupado com os seus negócios, com os seus problemas e nunca vai dar atenção pra mim, nem pros nossos filhos. Será sempre um marido e um pai ausente...
Ela deu uma pausa pra enxugar uma lágrima que vinha rolando pelo o seu rosto.
— Eu não quero uma pessoa assim do meu lado, sabe. Mulher precisa de carinho, de atenção e, principalmente, de muito amor. E você, Fernando, é um cara que... desconhece totalmente esses sentimentos...
— Amor, como você pode dizer um absurdo desse? Eu te amo!
Ela sorriu ironicamente:
— Amor só é mantido com muito amor. E você...
— E eu, o quê? — Perguntou Fernando, já com o coração na mão porque já previa a resposta...
— Você nunca me deu amor...
Ele pensou um pouco, antes de fazer a pergunta que iria mudar totalmente a sua vida.
— E você... não me ama mais, é isso?
Ela respondeu com um silêncio.
— Eu amei muito você. Aponto de aceitar que me enrolasse até hoje!
Fernando não conseguiu se conter e começou a chorar:
— Amor...
— Tchau, Fernando!
— Sem você minha vida não tem mais sentido!
Daniela não o ouviu dizer isso. E mesmo se tivesse ouvido acho que ela não levaria muito a sério. Porque é um tipo de comentário que todo mundo faz quando se é abandonado por alguém. O fato é que Fernando não estava dizendo isso por dizer.
Assim que viu seu amor indo embora pra sempre, ele não pensou duas vezes e entrou no primeiro bar que viu na frente. Saiu um alcoólatra e pouco tempo depois, morria de cirrose debaixo de um viaduto, onde costumava passar as noites pensando na sua amada.
*Esse conto foi tirado do livro "Contos, Cronicas e Artigos", no qual faço parte, lançado em Salvador-Ba e publicado no Blog "Cantinho do Leitor" (http://condeuba2.arteblog.com.br/) no dia 17 de Abril de 2010.