Retorno

Foi este sentimento de solidão que me fez pensar em você. Sabe, às vezes só enxergamos as coisas que estão longe de nós, enquanto ficamos cegos para aquilo que nos cerca. Foi isso que aconteceu entre você e eu: a proximidade me fez indiferente, tomei você por pressuposto, enchi-me de garantias infundadas e aos poucos fui deixando-o de lado.

A solidão me fez lembrar de você assim como a sede nos faz lembrar da água. E como doeu em mim recordar da distância entre nós dois! Não apenas a distância de tempo e espaço, mas também aquela entre nossos sentimentos, nossas realidades. Eram tão verdes nossos campos, atualmente ando num deserto; nosso céu era tão azul e infinito, hoje olho para cima e só vejo nuvens; nossas águas eram límpidas e cristalinas, e agora eu me definho de sede junto a um poço ressequido.

Será que você ainda se lembra de mim? Ainda pensa em mim como eu ainda penso em você? Cultiva ainda os mesmos sonhos que semeávamos secretamente ao pé do ouvido? Guarda ainda os meus segredos com a sacramental reverência com que os recebeu? Ainda me ama daquele seu jeito impetuoso e ousado? A curiosidade me queima, mas tenho medo de saber a verdade. Tenho medo de ter sido esquecido, olvidado, obliterado. Tremo diante da possibilidade de que você me rejeite como um estranho.

É por isso que hoje eu mal me atrevo a lhe perguntar tais coisas. Eu me aproximo de você com receio, apenas para me assegurar que você ainda existe, que ainda resta em você algo daquele que um dia conheci. Se você me avistar, não se sinta obrigado a me tratar com deferência. Apenas peço um vislumbre de teus olhos - os mesmos olhos que tantas vezes me fitaram enquanto trocávamos mais do que simples palavras.

Talvez você entenda como eu me sinto. Talvez não. Se puder compreender, sei que você não se limitará a me olhar. Sei que você virá até mim com um quê de solenidade em seu andar. Sei que nessa hora não terei desenvoltura com as palavras, mas isso não terá a menor importância. Você me tomará em seus braços sem dizer nada, e nesse nosso silêncio falaremos mais do que todas as línguas do mundo.

Marcel Gustavo Alvarenga
Enviado por Marcel Gustavo Alvarenga em 24/09/2010
Código do texto: T2517927
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.