Mulher procura homem com mais de 40 anos... sincero e carinhoso


 
Uma mulher madura, bonita e bem cuidada, inteligente e culta. Alta, corpo no peso certo, roupas simples e elegantes compondo um estilo sóbrio e refinado. Silvia  escolheu uma das fotos que a filha da melhor amiga retocou no photoshop e sorriu satisfeita. Comparadas com as de dez anos atrás, pelo menos estas tinham data e o pretendente saberia que eram recentes ainda que levemente alteradas. Leu e releu a parte em que deveria descrever seus atributos físicos e marcou a opção adequada. Empacou no pequeno texto sobre si,  digitou mulher alegre, de bem com a vida, estabilizada e independente quer achar companheiro ideal. Achou muito apelativo e trocou por decidida a encontrar um parceiro compatível com seu espírito alto astral. Não gostou do conjunto e apagou tudo, decidiu não fazer nada  até esfriar a cabeça e encontrar as palavras certas. Alto astral era tudo que ela não tinha naquele momento, estava chateada até o último fio de cabelo e nada parecia bom.

Quando o espelho ao lado da mesinha do computador refletiu seu rosto contrariado, imediatamente achou que ele não estava sendo nada condescendente, notou as olheiras e o cansaço das noites mal dormidas. Mexeu no penteado, pensou em um novo corte e fez uma careta engraçada, suspirou fundo e  trocou o espelho de lugar. Pendurou o mais distante possível, definitivamente aquele estava sendo um final de noite bem difícil, enquanto bebericava o café recém coado sentiu o vazio que sempre antecedia suas crises.

Fora Orkut e  MSN este seria o sétimo ou nono site de relacionamento em que entraria. No início os convites insistentes das amigas foram uma boa desculpa, enchiam sua caixa de email com pedidos de adesão e ela não queria bancar a enjoada. Depois a coisa ficou mais séria e ela passou a deixar o PC ligado vinte e quatro horas, tudo aberto esperando mensagens que não paravam de chegar. Lia tudo na maior alegria. Após um dia de trabalho exaustivo, no silencio da casa confortável porém vazia, aqueles flertes eram puro deleite.

Tinha interessados, compatíveis, possíveis paqueras, pretendentes, torpedos de homens de todo o Brasil e até do exterior. Gostava de ver as fotos dos perfis, lia os comentários das supostas rivais e sentia até ciúmes de algumas mais afoitas. Sílvia apesar de querer acreditar em suas fantasias, tinha um pé na realidade que refreava seus impulsos loucos de pegar um avião e ir atrás do primeiro  moreno no nordeste. Ela percebia quando os homens usavam fotos onde alguma mulher havia sido cortada, enxergava a aliança nos mais desatentos e se o interessado só usava o site durante o dia perguntava se  alguma coisa o impedia de conversarem à noite. Estes sumiam com desculpas esfarrapadas, mas Silvia adorava desmascarar os mentirosos e considerava-se muito esperta.

Com o tempo aprendeu a identificar se valeria ou não a pena aceitar o pedido inicial de amizade. Isto quando percebeu que tinha centenas de ‘’amigos’’, a maioria nunca havia trocado um único cumprimento e só faziam número.
Resolveu criar uma espécie de triagem e isto era outra diversão. Varias vezes tentou parar com o hábito, mas já fazia parte de sua rotina fuxicar os sites, ver fotos de estranhos, vasculhar as trocas de mensagens e acompanhar alguns casos de conhecidos.
Silvia adorava avaliar os perfis, começava verificando a quantidade de amigas que homem exibia, se ultrapasse os três dígitos, excluía porque na sua opinião seria mais uma na coleção. Depois lia as respostas sobre posição social, cultural e principalmente econômica. Se haviam um monte de atributos, fluência em cinco idiomas, cargo altíssimo e outras vantagens, ela simplesmente não entendia o que um homem com tantas qualificações fazia em um site à procura de encontros sérios. Pelo menos para ela e a grande maioria, este ser perfeito estava além das possibilidades.

Silvia neste ponto ficava confusa com suas próprias concepções: se um homem dizia que estava procurando uma parceira  para se relacionar, porque expunha tanto poder econômico se exibindo em carros importados, cenários de capa de revista... Pelos elogios que beiravam o patético, ele  só atraía desesperadas em nada compatíveis.  Um monte de mulheres competindo por atenção, era uma massagem grátis no  ego de qualquer frustrado ou falso empresário.

 Isto sem falar na vez em que começou uma amizade com um garoto de programa. Claro que ele não disse nada no início e Silvia naquela época ainda acreditava em príncipes sarados, bronzeados e com abdome de tanquinho procurando namoradas. Neste ponto ela sentia-se envergonhada, afinal com toda experiência havia sido vítima de um destes moços. A brincadeira custou o pagamento da conta atrasada de telefone do amado, alguns depósitos para ajudar no provedor da internet e finalmente  um notebook como presente de aniversario.
Isto sem nunca terem tido nada além de longos papos varando as madrugadas solitárias, conversas cheias de palavras doces que a deixaram encantada como uma adolescente crédula e apaixonada.

Silvia sabia que não passavam de mentiras bem contadas, elogios falsos e promessas bobas. Ainda assim o apego falava  mais alto e ela sofreu para cortar esta relação. O rapaz a esta altura já tinha o número de seu celular e enchia a caixa de mensagens pedindo para reatarem, como se estivessem de fato tendo um romance. As ligações a cobrar foram tantas que Silvia trocou de operadora e bloqueou todos os acessos possíveis até a dor passar. Mesmo lesada, ela nutria um sentimento doentio pelo golpista e tinha recaídas constantes. Nas noites solitárias,  um diabinho soprava em seu ouvido que o custo benefício valeria a pena e ela entrava escondida nas salas dos sites e ele sempre estava online, chegava a chorar pensando com quem ele poderia estar falando.  

Então Silvia simplificou da seguinte maneira: senhores casados, comprometidos ou solteirões felizes passando o tempo.  Garotões tentando a sorte com mulheres com dinheiro e carentes. Os exibicionistas, narcisistas ou similares, apenas insuflando o ego e só isto mesmo! E finalmente os raríssimos querendo encontrar companhia de verdade, tão raros que ela jamais os achou. Enquanto aguardava o grande encontro com seu parceiro perfeito, acumulava horas ociosas trocando meia verdades com desconhecidos. Homens  que deixava entrar em sua vida, de braços abertos, mas que nunca acrescentaram nada e ainda a deixavam cada vez mais frustrada e ansiosa. Ligou para a melhor amiga, companheira de buscas e grande viciada em salas de encontros:

-Marcinha? Está ocupada? – Pelo barulho das teclas, soube imediatamente a resposta.

- Pode falar. – Marcinha mastigava, digitava e ainda conseguia murmurar alguma coisa.

- É o seguinte, estou com uma daquelas crises de consciência pesada. Com vontade de apagar tudo e mandar a real. Eu sou fake, tudo é mentira nos meus perfis, não vou achar nada começando deste jeito.

- Pode parar, bebe uma cervejinha e vai dormir que é stress. Mulher! Depois vai se arrepender, maior trabalho jogado fora por conta de uma besteira.

- Que besteira?

- Teu  garotão não está respondendo seus emails, você cismou que ele te deletou de tudo e agora está chateada. Tem um monte dando mole, escolhe outro...

- Primeiro não sei se ele me excluiu, só não o vejo online há duas semanas. Mas de qualquer forma meus lances nunca saem do virtual e você sabe disso. É que eu vivo a fantasia e fico mal quando acaba.

- Silvinha, tem muito cara legal acima dos cinqüenta. Podia tentar europeu, sabe que eles não dão tanta importância para idade.

- Eu não dou sorte, ainda não achei nenhum destes que você tecla. Além do mais, sua carinha de menina ajuda muito. Vou ter que assumir tudo e to com medo de não achar nenhum interessado. Já pensou no vexame? Zero interessados? Nenhuma visita no perfil?

- Mas eu paguei por este rostinho, o cirurgião cobrou uma fortuna ou esqueceu? E eu sempre digo que tenho quarenta e cinco anos. Algumas vezes confesso que diminuí um pouquinho, depois que já está rolando um interesse porque a maioria coloca que está procurando mulheres até quarenta e cinco. Mercado tá restrito amiga.

- Não importa, nem coragem para dar um upgrade eu tenho. Vou acabar sozinha, já estou assim há quase dois anos.

- E virtual não conta? Sei que andou dando uns pegas online.  – Marcinha gostava de provocar.

- Esquece. Vou fazer algo útil e me livrar deste vício. Onde já se viu beijar monitor? Abraçar web cam, sair de mãos dadas com mouse... Só na sua cabeça.

- Nossa! Está ficando uma neurótica mesmo! Não vem estragar minha noite.

- Podíamos sair pra tomar uma cerveja, tem um barzinho novo que acabou de inaugurar aqui pertinho.

- Ah! Não vou não, estou tão bem falando com meus paqueras... no maior conforto. Preciso desligar Silvinha, meu skype está chamando. Menina, é aquele italiano lindo. Tchau querida, fica tranqüila que isso vai passar. Beijinhos.
 
 
Duas semanas mais tarde Silvia embarcou em um cruzeiro de vinte dias. Usou o dinheiro das férias  e as economias para a troca do carro  e foi arejar a cabeça. Embora quisesse se convencer que não havia viajado com intenção de procurar por companhia, Silvia tinha esperança de unir o útil ao agradável.

Foi observando pessoas sozinhas brincando e rindo normalmente, que ela enxergou que os momentos felizes não dependem de ninguém além de si.  Entregar a um parceiro idealizado a enorme responsabilidade de tornar sua existência um mar de rosas era utopia. Olhando o oceano imenso, o céu engolindo o mar no horizonte enquanto o sol morria lento, Silvia ficou feliz por estar ali naquele instante mágico. Foi como se estivesse ouvindo o mundo e seu coração pulsando juntos. Uma  sensação de paz renovou de vez o peso do seu coração, e ela olhou ao redor sem pressa.

Eram  tantas pessoas diferentes: casais carrancudos, em lua de mel, famílias inteiras  brigonas e outras unidas e brincalhonas. Crianças tristes e outras desprendidas e engraçadas, idosos aproveitando o máximo possível e alguns apenas descansando. Silvia podia passar o dia lendo à beira da piscina ou juntar-se a um grupo para uma aula de hidroginástica.  No navio mundinho, ela  aceitou  que a vida fora dali não era nada diferente. Naquela noite vestiu-se bem, fez uma maquiagem leve e foi aproveitar o baile exibindo seu bronzeado recém adquirido.

Voltou para casa feliz e com a alma leve. Retornou ao trabalho muito mais alegre e simpática, tanto os colegas quanto os  alunos retribuíram. Passou a sorrir com muito mais facilidade. Não agüentou e voltou aos sites de encontro com fotos e idade verdadeiras. Ela tem certeza que em breve vai encontrar alguém legal, seja no dia a dia ou online, programou outra viagem para o final do ano e pretende convidar as amigas. Afinal, existem tantas histórias com finais felizes... Porque seria diferente com alguém tão alto astral?

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 23/09/2010
Reeditado em 04/12/2010
Código do texto: T2515843
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