Mais uma chance

Você foi embora.

Não consigo mais dormir, nem comer. Respirar é difícil, e eu já não quero mais trabalhar. Sabe, eu me lembro de Carla me contar como o pai dela havia saído de casa, dizendo que ia ao mercado para comprar pão e leite e nunca mais havia voltado. Jurava que isso nunca aconteceria comigo, o que aconteceu com a mãe da minha amiga.

Mas aconteceu não foi?

E porque? Nós namoramos durante dois anos. E por todo esse tempo foi só carinho e amor que você me deu. Nós tínhamos tanto cuidado e respeito um pelo outro... eu me lembro que algumas colegas costumavam dizer que você me traia quando ligava avisando que ia trabalhar até tarde. É claro que eu nunca acreditei. Aquilo era pura inveja. Inveja de nós, do que nós éramos.

Então nos casamos. Foi simples, eu sei, mas perfeito ainda assim. Você estava tão feliz e tão bonito no seu terno. No fim da noite nossos amigos estavam bêbados, você estava desalinhado, e foi tudo maravilhoso.

Quando Eduardo nasceu eu pensei que teríamos problemas. Eu podia escutar as vozes de minhas amigas relatando todo o problema da chegada de uma criança. Algumas se sentiam abandonadas, outras se sentiam feias. Mas você me fazia sentir especial a todo momento pelo modo como tratava a mim e o nosso filho.

Tivemos dificuldades, como todos tem, mas você sempre esteve lá.

Sempre.

Quando você disse que ia viajar eu fiquei tranqüila. Você foi e eu pedi para me ligar, como pedi todas as vezes, para avisar que você estava bem. Eu tinha que saber.

Mas a ligação nunca aconteceu. Você me abanou. Era uma mentira não era? Você prometeu. Prometeu que ia ligar, que quando voltasse iríamos juntos no cinema... eu nem lembro mais para ver qual filme.

Eu não consigo olhar para o nosso filho e a culpa é sua. Ele tem seus olhos e seu sorriso. Esta vendo o que você fez? Eu não consigo mais! Eduardo chora, pergunta por você, mas eu sequer consigo ficar perto dele. Bem... ele esta na casa da minha mãe. Eu disse a ela que... que ele... é melhor que ele fique lá. Por uns tempos.

Eu vou fechar a casa. É... eu também vou embora. Eu não agüento essa casa, porque nossa história esta por todos os cantos. E você arruinou tudo!

A mamãe e o Eduardo só vão saber depois que eu ir. Eu deixei um bilhete explicando tudo. Explicando que dói demais, demais. Que eu não sei por onde começar a refazer minha vida, então...eu tenho que ir. Logo. Esta quase tudo arrumado aqui.

Eu escolhi a roupa. É aquele vestido que você tanto gostava, aquele vinho. Vê. Você. É sempre você. Até mesmo agora, é você no meu vestido!

Isso não é justo! Eu pedi, eu implorei pra você ter cuidado. E não teve. Não teve... se tivesse o carro não teria capotado, você teria chegado, ligado, o filme... tudo estaria certo, você estaria aqui, como prometeu.

Eu não posso ficar aqui choramingando pra sempre. Sei disso. Já terminei a casa. Preciso me aprontar. Sabe o que é...é que mesmo você tendo feito o que fez, eu... não eu não te perdoei, mas... eu vou ter dar mais uma chance.

Mais uma chance pra nós dois.