UM REAL CONTO DE PRIMAVERA

Sei que nasceram nos mesmos dia e hora daquela tarde de outono, em lares de calçadas distintas, equidistantes dum ponto daquela rua tranquila,donde ambos, depois de pouco tempo já assistiam ao pôr do sol.

Não se conheciam ainda, porém esboçavam as primeiras palavras assim que a prima primavera lhes chegava exatamente quando ambos engatinhavam pelos caminhos das calçadas.

Eu, ansiosamente, sempre os observava de longe.

Nos seus primeiros passos tinham alguma altura que lhes possibilitava o encontro dos olhares,porém, não lhes era tarefa fácil crescer, e ali, jamais haviam se tocado, porque toda história de amor sempre tem seu tempo exato...para cada um dos seus demarcados tempos.

E era assim que cresciam juntos, numa alegre infância embalada pelas estações que se sucediam, em cuja beleza da frágil meninice se exalatavam nas sequentes primaveras.

Confesso que sempre esperava por eles com meus olhos ávidos de curiosidade e afeto, embora jamais entendesse porque a equidistância daquele seu tempo não lhes possibilitava a tão próxima já constatação dos seus idênticos destinos.

O tempo, então, passava lentamente por eles e sei que à medida que cresciam se descobriam e se sentiam melhor.

Ao soprar dos ventos do inverno, ao cair da chuva de verão, sob os mesmos reflexos coloridos da alvorada que buscavam os calmos e distantes crepúsculos da tarde, sempre compartilhavam dos mesmos caminhos e desfrutavam do então cenário, embalado num perene canto da passarada que também se renovava a cada estação.

Já fazia algum tempo que me distraía deles, porque a cidade já não nos possibilita os olhos atentos para a anônima e oculta beleza que se encarcera nas ruas, porém, há dias passei por ambos, já bem crescidos e algo entrelaçados entre si. Encantei-me com a doce surpresa!

Olhei para aquele abraço aonde já não se reconhecia quem era um e quem era o outro, e o amor parecia ali confirmar a força do destino.

Como num manto a encobrir aquele ponto da rua, ambos compunham a moldura da copa dum cerrado bosque a nos oferecer sombra e refrigério.

Respirei fundo como que invadida por uma atmosfera fresca que já não sentia há muito tempo.

Percebi que, enfim, depois de nove anos exatos, as flores das "patas de vaca" buscavam e repousavam silenciosamente sobre as folhas dum gigante "Ficus", cujos braços frondosos se lançavam da calçada, a enlaçar o amor do outro lado da rua.

Qual não foi meu susto quando logo na manhã seguinte, ao passar por eles, pisoteei fortes braços amputados e abandonados pelo asfalto, em meio às lágrimas despetaladas das tantas flores que perderam para sempre a sua sustentação.

Soube que uma moto-serra da SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE ceifou EM SEGUNDOS, na calada da noite, aquele tão esperado abraço que, a nossa rua e eles, por tantos anos esperamos, flagrante insensatez a nos gritar, indubitavelmente, a ineficaz força de qualquer tempo na preservação dos amores das primas primaveras.

São Paulo já não tem olhos sensíveis à legitimidade dos amores que se buscam e se realizam no tempo.

(verídico)

Nota URGENTE:

Percebo que as podas de primavera pela cidade não obedecem critério técnico algum, e me parecem fazer sérios estragos na vida verde da cidade, justamente num momento de drástica queda da umidade relativa do ar. Algo que deveria ser revisto URGENTEMENTE por técnicos e paisagistas PROFISSIONAIS.