Os olhos
Tentava esquecer aqueles olhos, os cabelos e o sorriso. E tudo o que lembrava aquela tragédia. O dia em que o único homem que amou saiu de sua vida.
Não acreditou naquele momento, fechou os olhos e só o que lembrou foi a tarde que passara os últimos três anos tentando esquecer. Os olhos brilhantes, o beijo doce, e o sorriso, a promessa de que o dia seria o melhor de sua vida. O grito de amor, e o barulho feroz de algo partindo. A três dias do casamento, um funeral. Lembrou, ainda de olhos fechados, que não sentira dor, só confusão, como em questão de segundos a vida mudou tanto? É uma questão que ela queria ter a resposta.
Abriu os olhos e viu de novo o mesmo rosto, um sorriso diferente, talvez, mas lembrava muito o antigo.
O rapaz que entrou no bar notou a mulher que olhava para ele fixamente, e depois de dar uma olhada, recordou de onde conhecia seu rosto. Mas já fazia tanto tempo. Soube que ela estava mal, que passou anos na terapia.
Olhou de volta e foi impossível fingir que não se conheciam. Aproximou-se e estendeu a mão.
- Oi Kelly.
Ela encarou os olhos azuis, sem dúvida, eram os mesmos olhos azuis, o lábio tremeu e ela só conseguiu responder um “oi” meio fora de contexto. Estendeu a mão, e sentiu o aperto, impessoal, não era o mesmo aperto de mão.
Ele não esperou convite, sentou-se diante dela, os amigos dele estavam esperando já em outra mesa, conversando com outras pessoas. As pessoas sempre diziam que ele lembrava imensamente o irmão que morrera anos antes, mas agora vendo os olhos daquela mulher, e como ela o encarava sem acreditar, enfim percebeu que a semelhança era notável.
- Como você está Kelly?
- Bem... bem. Sabe como é, sem atropelos.
- Que bom.
- E você, e sua família?
Queria ouvir daqueles lábios tudo o que ouvira de outros tão semelhantes.
- Bem. Você está bem mesmo Kelly? Você parece confusa.
- Eu sonhei três anos com o som de uma corda se partindo, e um corpo caindo na água, eu sonhei três anos com um grito de “eu te amo”. E agora eu encontro quase o mesmo rosto...
Já falava coisas sem sentido, coisas que escondeu até do analista.
- E eu ouço há três anos que meu rosto lembra o de alguém que eu adorava, mas que neste momento não queria lembrar tanto...
O susto inicial tinha passado. Quem sabe ali encontravam o que buscavam nos últimos três anos?
Se olharam fixamente e souberam, as mãos juntas sobre a mesa que os corações estavam abertos de novo. Depois dos segredos revelados, não para os diários que o analista mandava redigir, não para os pais, ou tios, ou primos. Os corações se abriram um para o outro, se abriram para as pessoas certas...