COMÉDIA ROMÂNTICA

Ele a detestava com todas as suas forças. Tomava-lhe algo orgânico, instintivo. Ele mesmo surpreendia-se com este rompante gratuito que não costumava fazer parte de seu repertório emocional. Eis que num dia acalorado cruzaram-se, ombro a ombro, na transição do meio-fio. Quando a viu, ele, resoluto, rangeu-lhe os dentes, idêntico a um cão raivoso. Saiu-lhe espontâneo, do mesmo modo que rosna um animal quando se sente acuado. Ela esbugalhou os enormes olhos azuis e riu debochada considerando o amalucado gesto dele uma espécie de contato imediato de terceiro grau, igual ao do filme. Achou-o muito, mas muito mais estranho do que um ET. Julgou aquilo performático, inusitado, original. Quando poderia imaginar uma atitude daquela vinda de um homem feito? Era impossível ignorá-lo dali por diante... Resolveu devolver para ele o cumprimento com o mesmo esganar de dentes só que acompanhado de um som gutural agudo, um tipo de sibilo. Quem estava passando em volta dos dois na calçada até tornou a cabeça para trás, estupefato. Aí foi a vez de ele gargalhar com gosto. Para ele, a reação dela foi tão ridícula, tão destoante da imagem que criara dela, que não conseguiu de modo algum prender o riso gago, incontido. Os dois, enquanto se entreolhavam sem conseguirem elevar os troncos arqueados por cólicas hilárias, não pararam de rir um do outro por uns bons minutos. Quem quiser vê-los agora poderá conferir o desfecho. Com este calor dos infernos, estão tomando sorvete de limão na padaria e marcando um encontro no cinema para esta noite. Querem conferir uma daquelas comédias românticas desprovidas de qualquer realidade...