Ciúme

O cano ainda estava quente do disparo. Anita observou o metal, um gesto calculado, a atenção forçada a cada detalhe, numa lentidão dolorosa. Isso porque não tinha coragem de baixar os olhos pro corpo estendido no asfalto.

O corpo que ela alvejara.

Meses atrás havia encontrado um numero de telefone anotado ao acaso em uma conta de luz. Ligou. Uma voz estridente e ao mesmo tempo mole atendeu ao telefone. Os colegas de serviço chegaram a perceber o desconcerto da moça ao telefone - havia optado por telefonar do serviço. Os colegas próximos perceberam, e foi a vergonha somada a surpresa. Mas o que ela esperava? Ela ligará já pensando em todas as perguntas que faria se "uma piranha atendesse". Toda a indignação havia sumido. Bateu o telefone na cara da desconhecida e foi trancar-se no banheiro para cozinhar seu ciúme a sós.

Mas não disse nada. Nada.

Alguns dias depois encontrou uma nota. Foi conferir do que se tratava. Uma jóia. A esta altura já esquecida a injuria, Anita se pôs a esperar pelo presente. Que não veio.

Começou então a procurar, disfarçadamente. No celular, no computador, nas conversas com os amigos, nas roupas, nas desculpas rápidas e Batidas. Brigaram muito naqueles dias, mas sempre se desentenderam - e Anita sabia que o que havia de especial entre os dois é que sempre se entendiam depois. Não agüentavam ficar longe um do outro mais de três dias.

Mas o ciúme virou um câncer, e Anita logo estava a ralhar por todo detalhe. Já não cozinhava o que ele gostava. Destratava-o ao telefone. Esperava que ele tentasse lhe retomar o afeto, mas Thiago refugiou-se noutras vizinhanças. Passou a freqüentar mais os amigos. A aceitar mais convites para bares. A se demorar no futebol.

As amigas de Anita a alertavam. Alias sempre a avisaram. Desde os primeiros beijos, Claudia, amiga e ex-caso de seu amado alardeava que ele não era homem que prestasse. Pensou que Cláudia estava enciumada porque conquistara o que ela perdera. Inveja. Inveja. Contudo, pensava agora, talvez houvesse ali alguma verdade. Então, quando foi a casa de Cláudia, encontrou, jogado na mesinha um cinzeiro. Mas como? Claudia não fumava. Foi até a cozinha beber água e encontrou no lixo um maço vazio. A mesma marca que Thiago gostava, igual, igual. Alias, ultimamente, ele só comprava daquele. Fechou o lixo horrorizada, ultrajada, e foi embora sem sequer olhar pra cara da amiga, que atônita a seguiu até a rua.

Então Anita passou a brigar com suas certezas. Tentava transformá-las em dúvidas de novo, tentando de algum modo encontrar um meio de transformar os fatos, tudo era um Erro. Alias, onde havia errado. O que teria feito a ele? Porque? Porque ele faria aquilo com ela? Eles se amavam, não é? Não é verdade?

Anita largou a arma. O Objeto caiu no chão escandaloso, metal gritando protestos. Afastou-se um passo do revolver, enjoada. Mas seus olhos ainda estavam fixos na arma.

E agora? Fugir?

Sentiu a garganta coçar. Havia algo ali, esperando. Aguardava a meses a hora de sair. Anita não queria, respirou fundo, engoliu a vontade. Mas então num jorro, vomitou:

- Seu cachorro, você tinha outras! Não tinha? - A voz estridente delatava as lágrimas represadas. Era um choro indignado, enciumado. Ainda represado pelo orgulho. Sangue borbulhava na boca do rapaz, misturado a saliva e dor. Com as duas mãos segurava o buraco na barriga, enquanto sentia o chão sumir, as mãos quentes e pegajosas, roupa já empapada e de vermelho tingida.

- Mas era de você... que eu gostava mais.

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Eu queria ter um título melhor pra esse conto. Rss, quem sabe o próximo combine mais.