O pescador e o salmão
Pelas florestas escuras de Erin vagava um jovem solitário e pobre. Vivia em uma cabana simples e se alimentava de frutas e raízes que conseguia colher.O jovem contava com a bondade de uma única amiga, que levava-lhe trigo e aveia, ela guardava segredo de seu nome e de sua morada. Durante quatro semanas ela não apareceu. O frio se aproximava e o jovem já não encontrava mais alimentos. Nem mesmo seus sonhos maravilhosos e seu desejo infinito de um amor puro, conseguiam arrancar-lhe a dor e a solidão do peito.
Certa tarde, sentindo muita fome e contrariando os ordens da amiga de jamais procurá-la, o rapaz montou em seu cavalo magro e entrou na trilha que imaginava conduzir a casa de sua amiga. Afastou-se muito do território que conhecia. Ali as árvores pareciam maiores e mesmo mais velhas, como se já estivessem vivas desde o inicio do mundo. O sol deitava no horizonte, quando o rapaz avistou três vacas que sabia pertencerem ao rebanho da amiga. Disse-lhes, ‘’Ó queridas vacas, podem mostrar-me a casa de sua senhora, que é também minha bem-feitora?’’.
As vacas continuaram mascando suas folhas em silêncio, até que a da esquerda, que tinha apenas uma orelha marrom, sucintamente respondeu, ‘’não temos mapas, nem dedos para indicar-te a direção’’, ‘’Estão se negando a me ajudar...’’, afirmou o jovem indignado. A vaca da direita, com duas orelhas marrons disse, ‘’O caminho é árduo’’,
‘’ora, então pensam que não consigo chegar... pois bem, encontrarei minha amiga sozinho’’, o rapaz afagou o cavalo e virava-se, quando a terceira vaca que estava no meio, e tinha o corpo todo marrom, ergueu a cabeça que mantivera abaixada, e falou-lhe com uma voz rouca de anciã, ‘’Não, não te duvidamos, nobre cavaleiro. Tome a trilha rumo ao oeste, siga em paz’’. O jovem desconcertou-se com a doçura contida na voz da vaca mais velha, e achou estranho o tom em que foram pronunciadas as últimas palavras. Virou-se e partiu sem agradecer.
A tarde caía e uma fina bruma da terra subia. Estranhamente haviam muitas flores pelo caminho, como se já tivesse chegado a primavera antes de findar o inverno. A neblina tornou-se densa e o som da correnteza do rio ensurdecedor. Quando nada enxergava e ouvia, nosso jovem tem uma forte impressão de estar sendo observado, seguido. Neste instante, sai a galope, sem perceber que está a beira de um alto barranco. Em meio a fúria das águas do rio, desabam cavalo e cavaleiro.
Tão forte a correnteza que o rapaz não consegue chegar a margem. Antes de seu último alento porém, soube estar junto de sua amiga, que revelou-lhe seu nome, em vista do enorme esforço de encontrá-la. Boann era o nome dela. Muito bondosa, Boann poupou-lhe a vida, transformando-o em um salmão, que passou a habitar as águas do rio, alimentando-se das avelãs que caíam nas encostas.
Por mais que estivesse com sua amiga, o salmão continuava sentir enorme falta.
Em uma manhã de primeiro de maio, ele nadou, nadou até encontrar uma vila, próxima a uma praia distante do rio. Ao fitar a movimentação humana sob a água, o salmão avistou um jovem pescador, com os mais belos olhos e os mais belos cabelos claros que já havia visto. O pescador chorava, pois tinha fome e a aldeia passava por tempos difíceis de caça e de pesca. O salmão apaixonou-se pelo jovem. Chegou a esquecer que não era mais humano e se aproximou de seu amado. O pescador viu o salmão e apanhou-o com um sorriso no rosto. Foi para casa e o comeu.
Ninguém por todos os cantos de Erin pôde imaginar a felicidade indizível e a dor lancinante do salmão, que ao sentir a própria carne sendo vorazmente rasgada e devorada pelos dentes duros e a boca faminta do pobre aldeão, dissolveu-se completamente no corpo e na alma de sua paixão, em um alegre sacrifício. O jovem pescador passou a sentir um amor profundo, revestido de uma alegria perene, que não sabia de onde provinha e todas as noites quando adormecia, sonhava que beijava calidamente, o lindo rosto de um rapaz desconhecido, ambos imersos até a cintura, nas águas claras do rio Boyne.