Amizade - Entre dois mundos

Eu te encontrei sozinha e amedrontada, escondida entre as entranhas da tua mãe, que um dia te acolheram.

Eu te poupei quando quiseram lhe poupar da vida.

Eu lhe servi do meu prato quando me proibiram de lhe alimentar. Você era jovem, muito jovem, e chorava como toda criança deve chorar. Mas eu lhe ensinei que eu voltaria, sempre sempre, pra você, mesmo que só no final do dia. E você confiou em mim.

Quantas vezes eu dormi ao relento por você? Quantas vezes eu enfrentei os adultos, sofri duras represálias, pesados castigos?

Eu lhe ensinei caçar, porque seus pais não puderam. Eu lhe dei um nome, lhe dei amor.

E ousei pensar que estariamos juntos até o fim. Eu acreditei.

Agora todas as noites eu odeio você.

Porque você me deixou, partiu meu coração. É uma piada cruel dizerem que os seus são leais.

Não foi comigo que teve as primeiras alegrias? Não foi juntos que enfrentamos inúmeras dificuldades? Não foi por você que arrisquei meu pescoço? Alias, porque arriscou o seu? Se pretendia me deixar?

Porque me cativou se poderia ter sido arisca? Eu a teria ajudado, criado, e a deixado ir sem magoas.

E toda manhã eu perdôo você, quando a vejo caminhar pelas campinas próximas da casa onde eu a abriguei. Quando você mostra seus bebes a mim, mas seu companheiro nunca a deixa vir perto demais. Você não o enfrenta, mas se aproxima um pouco mais.

Talvez nossos filhos brinquem um dia juntos. Sabe, eu logo vou me casar.

Quem sabe um dia cacemos juntos de novo.

E talvez, só talvez, eu ouse acreditar nesse amor mentiroso que ainda brilha no seu olhar.