Melhor que em meus sonhos

Eu repetia pra mim mesma enquanto caminhava de volta para a lanchonete que eu nunca o teria e tinha que me conformar com isso. Eu repetia, e repetia, e repetia incessantemente na minha cabeça; quem sabe assim eu me convencia de uma vez por todas. É só que, sinceramente, as coisas não faziam o menor sentido. Quer dizer, se ele não me quisesse tanto quanto eu o queria nada fazia sentido.

Eu continuava andando em direção à lanchonete naquele caminho frio e silencioso. Eu não estava sozinha, mas parecia estar. Minhas amigas falavam alguma coisa e as outras pessoas também certamente, mas pra mim não fazia a menor diferença. Não ouvia nada. Só ouvia meus pensamentos e tentava encaixar as peças.

Era uma noite bonita. Estrelada, como a anterior, mas o frio tão intenso dava a impressão que a neve continuava a cair. Era a segunda noite de céu aberto desde que havíamos chegado à escola. Isso é um detalhe que não esqueço, pois na noite anterior as mesmas estrelas me renderam bastante assunto com Carlos depois da atividade da noite.

Finalmente chegamos onde queríamos. Estávamos loucas por um chocolate quente! E essa é uma das vantagens de estar em uma escola interna: ter acesso à lanchonete até tarde. Uma das outras, é claro, é poder passar bastante tempo perto daqueles que queremos.

A fila para pegar um chocolate era grande, mas eu consegui um pra mim. Com tanto frio, aquele chocolate requentado parecia um pedacinho do céu.

Agora, eu pensava se eu ainda o encontraria naquela noite. Com certeza ia ser incrível se encontrasse, só não tenho certeza como isso aconteceria...

Com o copo de chocolate em mãos, descemos para a sala comum (onde todo mundo fica vendo TV, conversando, jogando alguma coisa...). Não tinha certeza se ele estaria lá muito menos se isso faria alguma diferença.

O fato de ele ser tão incrivelmente maravilhoso fez dele o garoto mais cobiçado da escola. Se eu o conseguisse, eu realmente atrairia muuuita inveja. Principalmente da Manu. Ela estava louca por ele já não é de hoje. E ela jogava sujo, se atirava em cima dele, só faltava roubar-lhe um beijo. Pra minha sorte ele não queria nada com ela. Mas isso me deixava insegura, certamente.

Abrimos a porta. A sala estava lotada, parece que todo mundo resolveu aparecer por lá aquela noite. Eu olhava de um lado pro outro, procurava-o. Até que encontrei seu olhar. Meu coração acelerou e meu sorriso se abriu. Não conseguia evitar. Não podia me controlar.

Honestamente, não me lembro mais como ou porque, mas quando eu me dei conta estava conversando com ele. Não sozinha, infelizmente. Mas pra mim era só ele e eu. Como na noite anterior na biblioteca.

Isso é outra coisa que eu não sei como aconteceu... Numa hora estávamos num grupo de amigos e na outra... puf... estávamos sozinhos na biblioteca. Não que eu esteja reclamando. Claro que não. Foi incrível estar lá com ele. Mas era estranho, definitivamente. Eu gostaria de dizer que esse tempo que estávamos lá nós nos beijamos ou trocamos juras de amor... Haha. Mas não foi bem assim. Só ficamos lá. Conversando. Curtindo a noite. Rindo, como sempre. Sempre que estávamos juntos sorríamos, ríamos.

O sofá vagou e nós íamos nos sentar. Nós, todo mundo, não só ele e eu, infelizmente de novo. Mas ele esbarrou em mim. E como eu tava com o copo cheio na mão, o chocolate se derramou todo em mim.

Fiquei um tempo olhando pro estrago feito no meu casaco branco; esperando ele pedir desculpas, mas ele não o fez. Eu estava sorrindo, mas irritada; esperava pelo menos um ‘sinto muito’. Encaminhei-me então para as pias que tinham numa sala adjacente. Estava pensando nisso tudo.

Não tirei o casaco, estava frio. Eu tava tentando limpá-lo com ele em mim. Quando eu me viro pra trás, percebo quem está perto de mim. Fico tão consciente da sua presença que não sei nem o que fazer. Só sorri. Esperava que ele dissesse alguma coisa.

Ele sorriu. Apontou para o secador de mãos e disse para eu tentar secar o meu casaco lá. Mas bom, o casaco ainda estava em mim e eu não alcançava o secador assim...

Meu coração batia mais rápido e eu não me lembro de estar pensando em nada. Eu senti ele me tocar. Mas foi tudo tão rápido. Num segundo estava no chão, no outro estava no seu colo. Ele me levantou. Para secar o casaco, claro.

Então eu não sabia mais dizer se meu coração batia tão rápido que eu nem o percebia ou se ele tinha parado de bater. Era uma sensação tão boa estar no colo dele. E eu ainda continuava secando a droga do casaco; tão estúpida!

Nossos rostos estavam tão perto. Nossas bocas quase se tocando. Uma carga elétrica parecia passar pelo meu corpo de cima a baixo e se concentrar principalmente nos pontos onde nos tocávamos.

Não me lembro mais se falamos alguma coisa. E mesmo se lembrasse que diferença faria depois de ele ter me beijado?

A tensão era tanta que acho que ele não agüentou. Nos beijamos. Não sei por quanto tempo. Eu estava tão submersa e envolvida naquela nova realidade, naquele beijo, que parecia parada no tempo.

Quanto tempo eu ansiava por aquele momento... De quantas formas diferentes o havia imaginado... E agora, que ele de fato estava acontecendo, não podia ser mais perfeito do que era.

O beijo era quente, excitante. Ao mesmo tempo, era carinhoso, cuidadoso, amoroso. O melhor beijo. Me transportou, me tirou do mundo.

Ele me colocou de pé no chão, quando nos paramos de beijar. Eu estava zonza, completamente tonta.

Como era bom pertencer a ele, finalmente.

Alguns meses depois de estarmos juntos, perguntei a ele porque ele nunca me falou que sentia muito por ter derrubado chocolate em mim, ele me respondeu, de modo simples:

“É porque eu não sinto muito, amor. Foi a melhor coisa que nos aconteceu”

E realmente foi.

Hoje eu vou dormir pensando em como eu queria estar congelada naquele momento pra sempre. Sem complicações, sem problemas, só aquele momento e aquele beijo. Eternizados em um instante. Idealizados. Cheios de amor.