Fernando

Há histórias que começam por diálogos, há outras que se iniciam por onomatopéias, também há as que se introduzem por descrições, apresentações, citações; esclarecimentos, mistérios, indiferenças; ações, passividades, lembranças, ou imaginações. Todas, inevitavelmente, devem começar de alguma forma. Eis que começo está história:

Fernando acordava em mais um dia comum. Levantou cedo, tomou seu banho, escovou os dentes, penteou seus cabelos negros, vestiu seu uniforme e tomou seu café da manhã a tempo de embarcar no seu transporte escolar, para mais um dia de aprendizagem.

Fernando não era de falar com muitas pessoas, nem o que se pode chamar exatamente de alguém popular. Na verdade era bem recluso, e até que não se incomodava com isso, pois não se relacionava muito facilmente com as pessoas. Mas havia apenas uma pessoa com quem ele queria se relacionar, a jovem Joana, sua vizinha desde os seus 6 anos, quando mudou para aquela casa aonde residia no momento.

Joana nascera naquela casa, e nesses 16 anos de sua vida ela tornara-se uma bela moça, muito educada e simpática. Cumprimentava todos na rua, desde o podador de árvores até o mais rico doutor, entrando com sua Mercedes na garagem. Essa simpatia foi o que despertou a paixão em Fernando.

Joana entrou e cumprimentou todos no automóvel, e se sentou ao lado de Fernando, como de costume, mas o diálogo não se estendeu por mais de um "bom dia", porque Fernando sempre ficava envergonhado demais para falar alguma coisa com a menina.

O restante do trajeto se deu com Fernando timidamente admirando sua paixão, e esta conversando com uma amiga, que morava na rua ao lado e entrava na van logo após ela.

Se não me falha a memória, ainda não mencionei que Fernando e Joana estavam na mesma classe, apesar dele fazer questão de sentar longe dela, não por desgosto, mas por timidez.

-Hoje, agrupá-los-ei em duplas para que vocês possam fazer um trabalho de tema livre, desde que o tema tenha a ver com a matéria que nós vimos. -Disse a professora Bernadete.

A Sra. Bernadete era baixa e rechonchuda. Tinha por volta dos seus 40 ou 50 anos, contava com alguns poucos cabelos grisalhos, sempre presos, e usava óculos. Era uma professora muito disciplinada, mas era um amor de pessoa. Todos os alunos adoravam a professora Bernadete e suas aulas de história.

Fernando corou quando ouviu que faria dupla com Joana. A professora escolheu propositalmente essa dupla porque sabia que Joana era a única que falava com Fernando, mesmo que muito pouco. O tema que foi escolhido por Joana, e aceito por Fernando, foi a Primeira Guerra Mundial.

A aula prosseguiu com Joana lendo textos e sublinhando partes importantes, e Fernando afirmando com a cabeça, e só emitindo algumas, poucas, palavras quando questionado por ela.

No sábado, pela manhã, Fernando mal acabara de acordar, e ouviu a campainha tocando, e uma voz conhecida chamando-o de fora, era Joana:

-Fernando, vamos para minha casa terminar o trabalho de história.

Fernando foi com o coração disparado até a janela, abriu, olhou para a rua, no andar de baixo, e disse:

-Espere um pouco, vou me arrumar e já desço.

Ao sair, Fernando encontrou a menina sentada na calçada, olhando sorridente para ele:

-Vamos lá.

Ficaram até um pouco depois da hora do almoço pesquisando sobre a guerra, a derrota da Tríplice Aliança pela Tríplice Entente, a corrida armamentista, a queda de impérios...

Findo o trabalho, Joana convidou Fernando para ir ao parque, que aceitou um pouco relutante.

A tarde passava e os dois se divertiam, foram na montanha-russa, no trem fantasma, na roda gigante... Depois do parque, foram passear pela praia, e conversaram sobre os professores, os colegas, os sonhos, as viagens, até que Joana perguntou a Fernando sobre os amores. Fernando corou:

-É... então... não... quer dizer, sim...

Joana riu.

-Eu tenho um amor, de muito tempo, desde os 6 anos. Eu só não sei se ele gosta muito de mim, porque eu tento falar com ele, mas ele às vezes me ignora. Mas eu me sinto bem quando estou com ele. Você também não se sente bem quando está com quem gosta?

Fernando não conseguia articular uma palavra, só conseguia olhar naqueles belos olhos de Joana, e naquele sorriso perfeito estampado em seu semblante.

-Temos que ir, -Disse Joana -já está ficando tarde.

Fernando passou a noite toda pensando no discurso de Joana. Será que era ele de quem Joana gostava? Abria um sorriso bobo na cara só de imaginar que era ele. Mas se fosse ele, então ele teria que dizer para ela o que sentia dela também. Estava decidido, ia contar da sua paixão para ela no dia seguinte.

Fernando acordou no domingo, e foi na casa de Joana. Ficou olhando para o portão, mas decidiu esperar para se declarar no dia seguinte, quando estivessem indo para a escola, quando ela estivesse sentada ao seu lado.

Passou o domingo todo ansioso para que chegasse a segunda, mal conseguiu dormir naquela noite, pensando naquele lindo sorriso da véspera.

Fernando foi sozinho para a escola no banco da van. Por algum motivo, Joana não estava ao seu lado. Ficou imaginando o motivo, mas não conseguiu pensar em nada, Joana não era de faltar. “É isso!” Pensou ele. “Ela só pode ter ido com a mãe de carro hoje. Lá na escola eu falo com ela.” Mas Joana também não foi para a escola. Joana não iria mais a lugar algum.