Memórias
Andava com dificuldade pela rua fria, procurando o número 151, a pasta quase cai de sua mão ao desviar de uma poça que tomava boa parte da calçada. Patrícia se apressa, não sabe o que esperar. Prometeu que o visitaria, embora não contasse com um vento tão forte e uma casa que teimava em não aparecer.
As lojas fechadas aparentavam uma solidão que já lhe incomodava, mas sorriu, o mundo assim parecia calmo e ordenado....... Tentou ligar, na certa dormira demais ou fazia um café forte na cozinha com o rádio ligado, ela gostava de fazer isso.
Conheceram-se ainda crianças e, apesar de não serem vizinhos, estavam sempre juntos, nos jogos da tia Denise ou em qualquer festa. Era quase natural encontrá-lo mesmo sem intenção, caminhando , como ela caminha agora...... Sentia saudade de encontrar alguém conhecido, ao invés de rostos que mal a encaravam e pareciam não ver nada. Já um pouco cansada, decide parar perto de uma padaria recém-aberta que recebia seus primeiros fregueses, se deu conta de que as padarias daqui são como as de minas, como em todo lugar: O aroma, o jornal aberto, O olhar perdido das primeiras horas do dia.....
Aconteceu quando estava sentada, pode ver a placa a azul com um número um pouco apagado, mas legível, 151, o relógio marcava 07:30. O portão estava aberto e algumas malas junto ao canteiro de rosas denunciava que, por pouco, não chegara tarde. Atravessou o portão com receio de algum cachorro repentino que não apareceu. Pôde observá-lo antes que ele percebesse. Tinha mudado muito, ou era ela que o via de uma forma diferente? Tanto tempo longe teria tornado Júlio, um estranho? Ao percebê-la ali, parada, correu e a abraçou como se quisesse voltar a Minas. Júlio parecia confuso sob efeito do descompasso do tempo que separara ele e sua Patrícia.
No caminho até o aeroporto, ela tira várias fotos de sua pasta e Júlio reconhece as ruas, os bancos e a pequena Patrícia, que agora, logo agora, está ao seu lado. Por ironia ela reaparece quando tem que voltar a Minas.
Um desconforto, que vencia qualquer tipo de conversa, dominava o táxi e Patrícia, surpresa, olhava para fora, evitando o efeito que as fotos provocavam. Tentaram retomar um diálogo enquanto caminhavam pelo aeroporto. Júlio falou qualquer coisa sobre saudade, mas patrícia ainda conversava consigo mesma e o abraçou no último momento, não mais como amigo, enquanto ele a beijava, nos lábios, sem sofrer resistência, um beijo que lhe deu uma certeza: voltaria logo, o acaso não teria outra chance.