UM RETRATO ANTIGO

Um dia acordamos com a triste notícia de que minha avó havia morrido. Passados uns três dias da morte dela criamos coragem de ir até a casa em que a velha vivia. Era doloroso olhar para os móveis, quadros ... Tudo lembrava minha avó. Enquanto minha mãe choramingava na sala, fui até o quarto ver se encontrava alguma coisa interessante. Abri o guarda-roupa enorme e antigo, afastei uns casacões pesados e, lá no fundo, achei uma caixa. Era de madeira e antiga. Curiosa, eu a abri e, para minha surpresa, estava repleta de fotos do século passado.

Imediatamente sentei na cama e pus-me a olhar uma a uma. Eram fotos da minha avó quando era jovem, creio que antes mesmo de se casar. A velhinha tinha sido muito bonita para a época. Loura, de olhos claros, elegante. Incrível que pudesse ter casado com um homem tão feio como meu avô. De repente, uma das fotos me chamou a atenção. Minha avó, na casa dos 18 anos, estava em uma praça. Os cabelos caiam compridos pelas costas e ela estava, sorridente, de braços dados com um rapaz. Imediatamente me encantei com aquele homem. E que homem! Alto, moreno, forte. Parecia tão seguro de si que era impossível não se apaixonar por alguém assim. Quem seria ele? Seu nome, idade... Será que tinha sido namorado dela? Foi então que descobri que no verso daquela foto amarelada, havia uma dedicatória com os seguintes dizeres: A felicidade está nas coisas simples da vida. E, logo abaixo, uma assinatura que era impossível decifrar.

Procurei frenéticamente mais alguma foto do homem misterioso, porém não encontrei nada. Minha mãe me chamou na sala, guardei o retrato dentro da carteira e fiquei bem quieta, apesar da minha curiosidade em saber quem ele é. Ou era. E aquela dedicatória ía e vinha na minha mente. A felicidade está nas coisas simples da vida. Sim, era verdade. E se eu cruzasse com algum homem parecido com aquele, realmente eu me tornaria uma mulher muito feliz.

O tempo foi passando e o retrato antigo permanecia na minha carteira. Volta e meia eu me pegava admirando o rapaz, invejando secretamente minha avó. Por que será que ela não havia casado com ele? Talvez não fosse um bom partido. Ou já fosse casado. Morrido na guerra? Cruzes! Várias vezes sondei, sutilmente, minha mãe, acerca do passado da minha avó. Mas ela não sabia muita coisa. Chegou a dizer que o meu avô tinha sido o primeiro namorado dela. E cada vez mais eu ficava curiosa, ansiosa. A felicidade está nas coisas simples da vida. Volta e meia eu declarava isto, assim do nada, e as pessoas me olhavam estranhamente. Outras tantas eu soltava a frase na frente da ala antiga da família para ver se alguém lembrava que um dia um homem muito lindo talvez pudesse ter dito frase semelhante... sessenta anos atrás. Sem falar que eu mantinha a esperança de um dia achar um cara parecido com o da foto. Afinal, a vida é cheia de surpresas.

Os meses voaram. Não descobri nada, para minha imensa decepção. Mas a vida é realmente cheia de surpresas. Domingo de sol, churrasco na família para celebrar o batizado de uma sobrinha. Lembro que precisei pegar um talão de cheques na minha carteira e, graças a minha falta de jeito, várias coisas que estavam bem guardadinhas dentro dela, saíram rolando pelo chão.

A foto deslizou pelo piso e parou justamente aos pés do meu tio-avô Geraldo. Ele olhou para aquele pedaço de papel antigo e ajustou os óculos. Com suas mãozinhas trêmulas, juntou-a, franziu a testa e arregalou os olhos. Do alto dos seus noventa anos, ele exclamou:

- Achei que fosse morrer sem ver esta foto novamente. Vejam! Sou e a Gisela!

Eu fiquei branca. O homem moreno, forte e lindo estava resumido a um senhor trêmulo, de ombros curvados, cujos olhos pouco enxergavam além daquela foto antiga. Mas quando ele sorriu, eu enxerguei o rapaz lindo que ele havia sido e que agora se emocionava com a imagem resgatada do passado. Minha avó e ele formaram um lindo casal de irmãos. O autor da bela frase agora fazia jus a ela. A felicidade está nas coisas simples da vida, nas lágrimas que escorriam do rosto dele e do meu.

O velhinho ficou com a foto e eu só fui recuperá-la novamente quatro meses depois, quando ele morreu. Desde então, ela repousa em um porta-retrato, na estante da sala. Saudades.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 30/08/2010
Reeditado em 26/03/2017
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