THAYMA - BUSCAS POR THAYMA
(imagem obtida na internet)
Os acontecimentos associados podem mudar radicalmente o rumo de vidas em questão de segundos.
Dhan viajara para o norte da Pérsia desejando chegar dali aos grandes centros comerciais do mundo, onde pretendia se estabelecer disposto a enriquecer. Certamente teria continuado nesse propósito caso não se deparasse com o sofrimento calado de Fadel, cuja filha havia desaparecido.
O interesse do moço por riquezas materiais desabou de vez quando o amigo lhe mostrou uma foto da filha. Ao reconhecer Thayma soube instantaneamente que não conseguiria mais viver sem ela, com quem havia passado recentemente os melhores momentos de sua vida, amando uma deusa à luz das estrelas. Dhan fez seu cavalo virar nos cascos e desafiando o perigo
deixou o vilarejo de Fadel, iniciando suas buscas por Thayma.
Durante várias noites subsequentes cavalgou solitário por regiões ermas. Ao contrário do que julgou Fadel, não se sentia herói. Na realidade tinha medo de precisar se defender dos bandoleiros que infestavam a região. Atento ao que lhe pudesse vir divisou
finalmente ao longe a aproximação de cavaleiros dispostos na frente e na retaguarda de uma carroça.
Quando pôde contá-los ao sol desarmou o espírito compreendendo tratar-se de pessoas comuns, judeus como denunciavam suas vestes características. Também eles avançavam temerosos.
Eram todos de uma mesma família com o propósito de se estabelecerem na cidade de Bagdá. O líder, fazia e acompanhar por dois filhos e pela nora. Apesar das desconfianças mútuas o encontro inspirou o desejo de acamparem juntos naquele ponto não muito longe de um lago.
Por sugestão de Dhan ocultaram a carroça retirandoa da trilha. O assoalho ofereceria mais conforto ao repouso de Mary, mas ela não se mostrou contrariada. Passaria a noite estirada sobre a areia macia, arrumando-se sobre a manta como todos os outros. O horror que tinha dos répteis a fez odiar aquele pouso. A presença de Dhan a constrangeu inicialmente e ao mesmo tempo lhe trouxe o ímpeto de arrumar-se um pouco melhor. Controlou esse desejo. Precisava evitar que o marido mergulhasse em dúvidas a seu respeito.
Ao longe houve trovões ao entardecer.
Os trovões rolaram barulhentos, demorados no céu distante. Mas o tempo continuou firme sem que lhes viesse uma só gota de chuva.
Percebendo certo frisson em Mary, Dhan decidiu evitar problemas e revelou a todos o propósito de suas buscas deixando claro sua disposição de encontrar Thayma.
Visivelmente aliviado Kashan, o marido de Mary, escolheu o lugar onde estender a manta para a esposa, passou por ela com ares severos e foi juntar-se aos outros que conversavam sentados sobre a rocha cinzenta. Mordia-lhe a vontade de levar aos ouvidos
de Dhan o que, por onde passou, era dito sobre Thayma.
Loeb estava falando.
— Com esses ferozes assassinos pelas imediações não é mesmo seguro cavalgar à noite. Deixam sempre muitos ossos por onde passam. Contudo, não constituem o perigo maior por aqui.
Percebendo a aproximação de Kashan, Dhan fez sinal amigável sugerindo espaço onde sentar-se.
Loeb, com seu chapéu de couro preto continuou:
— Nos próximos dois dias o moço precisará atravessar o deserto de sal. Sabe o que é o deserto de sal?
— Nada mais traiçoeiro – disse Kashan. sentando-se sobre a rocha.
Loeb coçou a longa barba. Explicou:
— Sob a camada fina de areia existem lagos e pântanos de águas grossas de sal. Assemelham-se às areias movediças. Em algum ponto o peso do animal, ou o peso de uma pessoa, rompe a camada de areia. A morte nesses acidentes eu diria que é
inevitável. Talvez seja importante considerar todas as alternativas. Mesmo porque...
— Mesmo porque não se deve confiar nessa Thayma por quem procura. – afirmou Kashan.
Aryeh, que até então parecia ressonar deitado sobre a areia suspendeu o corpo apoiando-se de lado em um dos braços. Disse:
— Eu também não acreditaria nos boatos. Se a paixão estivesse me cegando, não acreditaria que ela houvesse feito aliança com aquela raça.
Dhan bateu de leve sobre um dos pés de Aryeh. Pediu:
— Uma informação por vez, meu amigo. Então há um lago de sal movediço sob a areia escaldante? Um passo em falso e me vou com meu cavalo!
— Um dos meus tios morreu assim.
— Meu irmão caçula – disse Loeb confirmando.
— O outro morreu de sede. – continuou Aryeh. - Sabe como é morrer de sede? A ânsia de vômito leva a pessoa a vomitar até as tripas. A ânsia continua embora não haja mais nada a vomitar. A boca vai esbranquiçando ao redor, a pessoa começa a delirar,
chama até pela mãe! Respira com dificuldade, pode roncar. Os lábios se reduzem, os dentes ficam todos à mostra. Horrível. É morte lenta, dolorosa.
— Por via das dúvidas – disse Loeb – o moço precisa escolher entre alternativas. É verdade que logo mais o céu estará enfeitado com estrelas brilhantes e que elas costumam inspirar sonhos de amor. Mas nas atuais circunstâncias, determinado como está a prosseguir, talvez possa pensar em um meio de anunciar sua
presença por aqui. Vencendo todos os obstáculos do caminho e tendo denunciado sua presença, pode espreitar os movimentos dos facínoras. No pior das hipóteses, se se convencer de que a amada não é lá essas coisas, pode embicar novamente para seu
destino original. Vai então se transformar no grande comerciante. Não demonstra bom juízo aquele que quer salvar quem não quer ser salva.
Durante a noite a temperatura caiu sem ter sido a causa da insônia de Mary. Abraçada por traz pelo marido, ambos encolhidos sob os cobertores, ela passou a noite com os olhos fechados visualizando o porte de Dhan. Tinha a intenção de se preparar para a medicina. O destino a levara a Kashan que certamente a levaria para trás de um balcão de joalheria. Em sua opinião, feliz seria Thayma a quem o destino acabaria entregando um herói.
Com boa provisão de água para si e para o cavalo Dhan seguiu viagem na manhã seguinte, bem cedo. A família de Loeb permaneceu acampada, exceto Aryeh o caçula de Loeb, que declarando não se interessar realmente por Bagdá decidiu voltar. Conhecia os segredos dos pântanos cujas águas evaporavam ou
eram encobertas pela camada de areia. Podia ser um bom guia ao aventureiro Dhan. Em algum ponto ao norte iriam se separar porque ele pretendia voltar à Inglaterra.
A trilha que leva às imediações de Erzurum circunda dois dos vulcões praticamente enfileirados na direção da Armênia. São os Montes de Tauro, uma cadeia de montanhas que avança até o Monte Ararat. Seguiram por ela. A ingestão de água durante a marcha sobre as traiçoeiras areias movediças foi moderada e o
cavalgar em silêncio continuou mesmo depois que o terreno, bem mais acidentado, os acolheu com novas formas de inospitalidades.
Ao longo do caminho souberam por alto de ataques dos cruéis bandoleiros instigados politicamente por lideres que travavam lutas pelo reconhecimento dos direitos de sua etnia. O nome Thayma raramente foi ouvido antes das duas semanas de busca. Quando começou a surgir nos relatos ouvidos, o nome passou
a ser Thayna e estava associado a uma mulher singular. Ainda jovem, agindo com diplomacia, revertera inúmeras vezes os propósitos do chefe, contribuindo assim para eventuais acordos futuros de paz. Para alguns ela era uma prisioneira. Para outros
havia se apaixonado pelo facínora e o servia por amor.
Apesar de notícias constantes de assaltos sangrentos, essas ações raramente ocorriam próximas às posições de Dhan. Aryeh costumava encantar-se com as borboletas que aos milhares vinham sobre a vegetação em bailado realmente maravilhoso. Era ele próprio uma figura interessante com seus costumes judeus.
Algumas vezes passava o dia sem seu quipá sobre a cabeça.
— Eu sou judeu. Isso não implica em que eu precise necessariamente praticar o judaísmo. Não necessariamente. Por outro lado você, que não é judeu, não pode praticá-lo.
— É curioso. Então não posso?
— Não! Não pode.
Preocupado com a segurança de Aryeh, Dhan guardava para si a intenção de propor uma separação em algum ponto de onde o jovem pudesse seguir em segurança para a Inglaterra. A tendência era aumentar o perigo de serem atacados, pois Dhan não fazia segredo de seu objetivo no interior da Turquia.
A aparência de Aryeh, na época pouco mais do que um menino crescido e inocente, poderia levar alguém a considerá-lo frágil, acovardando-se facilmente diante de eventuais ameaças. Era, entretanto, muito sagaz. Em diversas ocasiões postava-se calado em praças e mercados, lendo seu livro de oração e atento ao que
pudesse ser ouvido das conversas a respeito do paradeiro de Tahyma. Quando percebeu confirmada a informação sobre a união de Thayma com o chefe dos arruaceiros, encontrou um modo de tomar a iniciativa para a separação. Num momento tranquilo, durante a noite, disse ao amigo de sua disposição de
seguir na manhã seguinte para sua terra natal.
Na despedida contiveram ambos suas emoções. Um pastor de cabras passou tangendo os animais na manhã de sol. As nuvens negras de pó cobriram o céu dando um tom muito escuro ao ambiente. Aryeh disse apenas:
— Assim também nos tange a vida, emersos em nuvens que impedem a visão. Contudo, como as cabras, é nosso dever dar nossos passos confiantes Naquele que nos conduz.
Algumas semanas depois Dhan foi cercado por homens aparentemente comuns ao se aproximar de uma pequena planície onde a vegetação era formada basicamente por pinheiros. Lembrando-se das palavras de Aryeh, mesmo ciente de que poderia ser morto, não ofereceu resistência.
Preso, vendado, foi posto em uma carroça. A viagem ncômoda não se prolongou por muito tempo. Cerca e quatro horas depois, ainda com os olhos vendados, foi conduzido à presença da própria Thayma.
Os momentos iniciais daquele encontro inesperado para ele não foram exatamente o que poderiam ter sido em circunstâncias normais. Thayma havia se preparado para se manter emocionalmente distante por temer a rejeição. Fisicamente não era a mesma de alguns meses passados, seus cabelos agora
estavam mais curtos, o rosto empalidecera, a moça perdera peso. Achava-se em meio a dissidentes dos quais conseguira a expedição que aprisionou Dhan antes que ele fosse vitima dos bandoleiros. Ele, que viera salvá-la, foi na verdade salvo por ela.
Os dois primeiros dias voaram. Os protetores de Dhan e Thayma usaram cada hora daqueles dias preparando o plano que possibilitaria a condução de ambos a um ponto seguro ao oeste, com a possibilidade de alcançarem o Mediterrâneo.
Ao longo de todo o percurso Dhan procurou manter seu cavalo em posição e condições de levá-lo o mais rapidamente em defesa de Thayma. A ela foi construído um cômodo o mais confortável possível sobre uma carroça, coberto com uma lona, com ventanas laterais. O ambiente era extremamente quente durante a maior
parte do dia.
Durante a noite, acampados, Dhan e Thayma aos poucos constituíram as condições para um diálogo agradável. Ela ainda temia a rejeição e ele evitava pressioná-la temendo constrangê-la. Ao longo de toda a viagem ele jamais pronunciou o nome de Loeb, nem a informou sobre sua estada no vilarejo. Na verdade
caminhavam como dois amigos empreendendo uma viagem ao final da qual cada um obedece à atração de seu próprio destino.
Os protetores de Thayma os deixaram em segurança aos cuidados de um capitão, na beira do cais. Ao cair da tarde levantaram as âncoras e duas horas depois a embarcação navegava com lentidão contornando a costa sem se aventurar a distanciar-se para o alto mar.
Por lá ligeiros veleiros piratas singravam as águas prontos para o ataque. Os incômodos de uma viagem marítima haviam levado Thayma aos braços de Dhan, no convés.
A noite começou a cair. Aos poucos ela ressonou. De repente houve um baque. Os marinheiros agitados sobre o convés, estimulados pelo capitão aos berros, puxavam as cordas esticando as velas.
O vento virou favorável.
A tensão cedeu.
Em pé no convés, abraçados, Dhan e Thayma trocaram longo beijo emersos na imensa alegria do amor.
A noite caiu de vez.
Debruçados lado a lado no camarote, Dhan e Thayma estiveram poucas horas na escuridão, porque logo depois seus corpos bailavam sobre o leito banhados pelos raios de luz de uma nova manhã.
(imagem obtida na internet)
Os acontecimentos associados podem mudar radicalmente o rumo de vidas em questão de segundos.
Dhan viajara para o norte da Pérsia desejando chegar dali aos grandes centros comerciais do mundo, onde pretendia se estabelecer disposto a enriquecer. Certamente teria continuado nesse propósito caso não se deparasse com o sofrimento calado de Fadel, cuja filha havia desaparecido.
O interesse do moço por riquezas materiais desabou de vez quando o amigo lhe mostrou uma foto da filha. Ao reconhecer Thayma soube instantaneamente que não conseguiria mais viver sem ela, com quem havia passado recentemente os melhores momentos de sua vida, amando uma deusa à luz das estrelas. Dhan fez seu cavalo virar nos cascos e desafiando o perigo
deixou o vilarejo de Fadel, iniciando suas buscas por Thayma.
Durante várias noites subsequentes cavalgou solitário por regiões ermas. Ao contrário do que julgou Fadel, não se sentia herói. Na realidade tinha medo de precisar se defender dos bandoleiros que infestavam a região. Atento ao que lhe pudesse vir divisou
finalmente ao longe a aproximação de cavaleiros dispostos na frente e na retaguarda de uma carroça.
Quando pôde contá-los ao sol desarmou o espírito compreendendo tratar-se de pessoas comuns, judeus como denunciavam suas vestes características. Também eles avançavam temerosos.
Eram todos de uma mesma família com o propósito de se estabelecerem na cidade de Bagdá. O líder, fazia e acompanhar por dois filhos e pela nora. Apesar das desconfianças mútuas o encontro inspirou o desejo de acamparem juntos naquele ponto não muito longe de um lago.
Por sugestão de Dhan ocultaram a carroça retirandoa da trilha. O assoalho ofereceria mais conforto ao repouso de Mary, mas ela não se mostrou contrariada. Passaria a noite estirada sobre a areia macia, arrumando-se sobre a manta como todos os outros. O horror que tinha dos répteis a fez odiar aquele pouso. A presença de Dhan a constrangeu inicialmente e ao mesmo tempo lhe trouxe o ímpeto de arrumar-se um pouco melhor. Controlou esse desejo. Precisava evitar que o marido mergulhasse em dúvidas a seu respeito.
Ao longe houve trovões ao entardecer.
Os trovões rolaram barulhentos, demorados no céu distante. Mas o tempo continuou firme sem que lhes viesse uma só gota de chuva.
Percebendo certo frisson em Mary, Dhan decidiu evitar problemas e revelou a todos o propósito de suas buscas deixando claro sua disposição de encontrar Thayma.
Visivelmente aliviado Kashan, o marido de Mary, escolheu o lugar onde estender a manta para a esposa, passou por ela com ares severos e foi juntar-se aos outros que conversavam sentados sobre a rocha cinzenta. Mordia-lhe a vontade de levar aos ouvidos
de Dhan o que, por onde passou, era dito sobre Thayma.
Loeb estava falando.
— Com esses ferozes assassinos pelas imediações não é mesmo seguro cavalgar à noite. Deixam sempre muitos ossos por onde passam. Contudo, não constituem o perigo maior por aqui.
Percebendo a aproximação de Kashan, Dhan fez sinal amigável sugerindo espaço onde sentar-se.
Loeb, com seu chapéu de couro preto continuou:
— Nos próximos dois dias o moço precisará atravessar o deserto de sal. Sabe o que é o deserto de sal?
— Nada mais traiçoeiro – disse Kashan. sentando-se sobre a rocha.
Loeb coçou a longa barba. Explicou:
— Sob a camada fina de areia existem lagos e pântanos de águas grossas de sal. Assemelham-se às areias movediças. Em algum ponto o peso do animal, ou o peso de uma pessoa, rompe a camada de areia. A morte nesses acidentes eu diria que é
inevitável. Talvez seja importante considerar todas as alternativas. Mesmo porque...
— Mesmo porque não se deve confiar nessa Thayma por quem procura. – afirmou Kashan.
Aryeh, que até então parecia ressonar deitado sobre a areia suspendeu o corpo apoiando-se de lado em um dos braços. Disse:
— Eu também não acreditaria nos boatos. Se a paixão estivesse me cegando, não acreditaria que ela houvesse feito aliança com aquela raça.
Dhan bateu de leve sobre um dos pés de Aryeh. Pediu:
— Uma informação por vez, meu amigo. Então há um lago de sal movediço sob a areia escaldante? Um passo em falso e me vou com meu cavalo!
— Um dos meus tios morreu assim.
— Meu irmão caçula – disse Loeb confirmando.
— O outro morreu de sede. – continuou Aryeh. - Sabe como é morrer de sede? A ânsia de vômito leva a pessoa a vomitar até as tripas. A ânsia continua embora não haja mais nada a vomitar. A boca vai esbranquiçando ao redor, a pessoa começa a delirar,
chama até pela mãe! Respira com dificuldade, pode roncar. Os lábios se reduzem, os dentes ficam todos à mostra. Horrível. É morte lenta, dolorosa.
— Por via das dúvidas – disse Loeb – o moço precisa escolher entre alternativas. É verdade que logo mais o céu estará enfeitado com estrelas brilhantes e que elas costumam inspirar sonhos de amor. Mas nas atuais circunstâncias, determinado como está a prosseguir, talvez possa pensar em um meio de anunciar sua
presença por aqui. Vencendo todos os obstáculos do caminho e tendo denunciado sua presença, pode espreitar os movimentos dos facínoras. No pior das hipóteses, se se convencer de que a amada não é lá essas coisas, pode embicar novamente para seu
destino original. Vai então se transformar no grande comerciante. Não demonstra bom juízo aquele que quer salvar quem não quer ser salva.
Durante a noite a temperatura caiu sem ter sido a causa da insônia de Mary. Abraçada por traz pelo marido, ambos encolhidos sob os cobertores, ela passou a noite com os olhos fechados visualizando o porte de Dhan. Tinha a intenção de se preparar para a medicina. O destino a levara a Kashan que certamente a levaria para trás de um balcão de joalheria. Em sua opinião, feliz seria Thayma a quem o destino acabaria entregando um herói.
Com boa provisão de água para si e para o cavalo Dhan seguiu viagem na manhã seguinte, bem cedo. A família de Loeb permaneceu acampada, exceto Aryeh o caçula de Loeb, que declarando não se interessar realmente por Bagdá decidiu voltar. Conhecia os segredos dos pântanos cujas águas evaporavam ou
eram encobertas pela camada de areia. Podia ser um bom guia ao aventureiro Dhan. Em algum ponto ao norte iriam se separar porque ele pretendia voltar à Inglaterra.
A trilha que leva às imediações de Erzurum circunda dois dos vulcões praticamente enfileirados na direção da Armênia. São os Montes de Tauro, uma cadeia de montanhas que avança até o Monte Ararat. Seguiram por ela. A ingestão de água durante a marcha sobre as traiçoeiras areias movediças foi moderada e o
cavalgar em silêncio continuou mesmo depois que o terreno, bem mais acidentado, os acolheu com novas formas de inospitalidades.
Ao longo do caminho souberam por alto de ataques dos cruéis bandoleiros instigados politicamente por lideres que travavam lutas pelo reconhecimento dos direitos de sua etnia. O nome Thayma raramente foi ouvido antes das duas semanas de busca. Quando começou a surgir nos relatos ouvidos, o nome passou
a ser Thayna e estava associado a uma mulher singular. Ainda jovem, agindo com diplomacia, revertera inúmeras vezes os propósitos do chefe, contribuindo assim para eventuais acordos futuros de paz. Para alguns ela era uma prisioneira. Para outros
havia se apaixonado pelo facínora e o servia por amor.
Apesar de notícias constantes de assaltos sangrentos, essas ações raramente ocorriam próximas às posições de Dhan. Aryeh costumava encantar-se com as borboletas que aos milhares vinham sobre a vegetação em bailado realmente maravilhoso. Era ele próprio uma figura interessante com seus costumes judeus.
Algumas vezes passava o dia sem seu quipá sobre a cabeça.
— Eu sou judeu. Isso não implica em que eu precise necessariamente praticar o judaísmo. Não necessariamente. Por outro lado você, que não é judeu, não pode praticá-lo.
— É curioso. Então não posso?
— Não! Não pode.
Preocupado com a segurança de Aryeh, Dhan guardava para si a intenção de propor uma separação em algum ponto de onde o jovem pudesse seguir em segurança para a Inglaterra. A tendência era aumentar o perigo de serem atacados, pois Dhan não fazia segredo de seu objetivo no interior da Turquia.
A aparência de Aryeh, na época pouco mais do que um menino crescido e inocente, poderia levar alguém a considerá-lo frágil, acovardando-se facilmente diante de eventuais ameaças. Era, entretanto, muito sagaz. Em diversas ocasiões postava-se calado em praças e mercados, lendo seu livro de oração e atento ao que
pudesse ser ouvido das conversas a respeito do paradeiro de Tahyma. Quando percebeu confirmada a informação sobre a união de Thayma com o chefe dos arruaceiros, encontrou um modo de tomar a iniciativa para a separação. Num momento tranquilo, durante a noite, disse ao amigo de sua disposição de
seguir na manhã seguinte para sua terra natal.
Na despedida contiveram ambos suas emoções. Um pastor de cabras passou tangendo os animais na manhã de sol. As nuvens negras de pó cobriram o céu dando um tom muito escuro ao ambiente. Aryeh disse apenas:
— Assim também nos tange a vida, emersos em nuvens que impedem a visão. Contudo, como as cabras, é nosso dever dar nossos passos confiantes Naquele que nos conduz.
Algumas semanas depois Dhan foi cercado por homens aparentemente comuns ao se aproximar de uma pequena planície onde a vegetação era formada basicamente por pinheiros. Lembrando-se das palavras de Aryeh, mesmo ciente de que poderia ser morto, não ofereceu resistência.
Preso, vendado, foi posto em uma carroça. A viagem ncômoda não se prolongou por muito tempo. Cerca e quatro horas depois, ainda com os olhos vendados, foi conduzido à presença da própria Thayma.
Os momentos iniciais daquele encontro inesperado para ele não foram exatamente o que poderiam ter sido em circunstâncias normais. Thayma havia se preparado para se manter emocionalmente distante por temer a rejeição. Fisicamente não era a mesma de alguns meses passados, seus cabelos agora
estavam mais curtos, o rosto empalidecera, a moça perdera peso. Achava-se em meio a dissidentes dos quais conseguira a expedição que aprisionou Dhan antes que ele fosse vitima dos bandoleiros. Ele, que viera salvá-la, foi na verdade salvo por ela.
Os dois primeiros dias voaram. Os protetores de Dhan e Thayma usaram cada hora daqueles dias preparando o plano que possibilitaria a condução de ambos a um ponto seguro ao oeste, com a possibilidade de alcançarem o Mediterrâneo.
Ao longo de todo o percurso Dhan procurou manter seu cavalo em posição e condições de levá-lo o mais rapidamente em defesa de Thayma. A ela foi construído um cômodo o mais confortável possível sobre uma carroça, coberto com uma lona, com ventanas laterais. O ambiente era extremamente quente durante a maior
parte do dia.
Durante a noite, acampados, Dhan e Thayma aos poucos constituíram as condições para um diálogo agradável. Ela ainda temia a rejeição e ele evitava pressioná-la temendo constrangê-la. Ao longo de toda a viagem ele jamais pronunciou o nome de Loeb, nem a informou sobre sua estada no vilarejo. Na verdade
caminhavam como dois amigos empreendendo uma viagem ao final da qual cada um obedece à atração de seu próprio destino.
Os protetores de Thayma os deixaram em segurança aos cuidados de um capitão, na beira do cais. Ao cair da tarde levantaram as âncoras e duas horas depois a embarcação navegava com lentidão contornando a costa sem se aventurar a distanciar-se para o alto mar.
Por lá ligeiros veleiros piratas singravam as águas prontos para o ataque. Os incômodos de uma viagem marítima haviam levado Thayma aos braços de Dhan, no convés.
A noite começou a cair. Aos poucos ela ressonou. De repente houve um baque. Os marinheiros agitados sobre o convés, estimulados pelo capitão aos berros, puxavam as cordas esticando as velas.
O vento virou favorável.
A tensão cedeu.
Em pé no convés, abraçados, Dhan e Thayma trocaram longo beijo emersos na imensa alegria do amor.
A noite caiu de vez.
Debruçados lado a lado no camarote, Dhan e Thayma estiveram poucas horas na escuridão, porque logo depois seus corpos bailavam sobre o leito banhados pelos raios de luz de uma nova manhã.