Enquanto tu dormias

Ainda era cedo demais quando acordei. O sol nem havia nascido e o silêncio tomava conta de tudo. Olhei-te em teu leito - ainda dormias. Tua face, bela como sempre, trazia um quê daquela doce paz dos olhos infantis. Vez ou outra sorrias, talvez movida por um bom sonho. Sob o candeeiro tremeluzente, parecias um anjo repousando entre nuvens de algodão.

Tive vontade de te despertar, mas me quedei seduzido pela beleza que emanavas em tua adormecida quietude. Nada mais quis senão contemplar-te demoradamente, esquecendo-me do resto do mundo. Sim, lá fora, onde não é possível te ver, o mundo todo é um resto, uma escória. Aqui dentro, junto de ti, erijo um universo - ainda que de sonhos.

Tu, beleza angelical, dormias qual criança. Eu, ao teu lado, sentia-me teu guardião, responsável por velar teu sono. Sempre ouvia falar de anjos da guarda, mas nesse momento o anjo era guardado por mim. Proteger-te era minha meta. Eras um relicário, uma fração da divindade que eu deveria proteger contra o ataque profanador de qualquer infiel. Jurei não te deixar indefesa neste mar de escolhos, neste mundo de perigos, nesta atmosfera de crueldade.

Mas por um momento, agora, desvio os olhos de ti e vejo que os primeiros raios de sol já batem em nossa janela. Sim, já é possível ouvir as primícias do canto de algum pássaro, e a ele vão se juntando outros trinares, formando uma sinfonia matinal para quatro, doze, cem vozes. A doce brisa já invade o quarto, trazendo como oferenda o perfume dos jasmins e dos cravos.

É chegada a hora. Desperta, amada minha! Brilha o sol de um novo dia e tua formosura não deve ser resignada à penumbra das noites. Levanta-te, amada! É fato que te amo, mas não posso ser avarento a ponto de negar ao mundo a contemplação de tua face. Deves, como o sol, brilhar lá fora; como as aves, compor e cantar teu hino laudativo à criação; como as flores, espalhar teu perfume aos quatro cantos.

Não te detenhas mais no leito. Revigora-te e mais uma vez vença o mundo! Sabes que eu não te abandonarei. Vá seguindo em frente e eu te seguirei logo atrás, incansavelmente. Serás o sol da aurora e eu serei a estrela mais teimosa que desaparece por último do firmamento. Desperta, amada minha! Desperta...

Marcel Gustavo Alvarenga
Enviado por Marcel Gustavo Alvarenga em 03/08/2010
Reeditado em 13/08/2010
Código do texto: T2416256
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