O VULTO NA JANELA
O VULTO NA JANELA
Esta estória é como muitas outras, com começo e fim. Ela se resume numa sexta-feira. Um dia em que, nada dar certo. Tudo pode acontecer. E principalmente tratando-se de uma sexta-feira-13. Superstição. Você por acaso acredita em coincidência? Eu não sei, mais hoje, o sol não apareceu, com isso veio o aquele ar quente e abafado, também misturado com o mormaço da manhã, corroborando para se prolongar até o final do dia. Daqueles dias, em que não devemos sair de casa, muito menos cogitar hipótese. Um dia que começa infernal. Bem lá no fundo do meu eu, a certeza de que este dia, não começou bem. Tomara Meu Deus, que não se prolongue até o final da semana! Ah! Sexta-feira-13.
Sabina é assim que a moça dessa estória se chama. Trabalha na loja de Penhores, muito moderna e bem movimentada. Situada no Edifício “MACABRY”, na Rua Alameda das Árvores Negras, s/nº - 13º andar. Com horário de funcionamento das 8:00hs à 13:00hs da manhã e a tarde de 14:00hs às 18:00hs, sempre de segunda a sexta-feira, com intervalo de almoço. Todo dia quando Sabina adentra a loja deixa o ar da manhã entrar como que para purificar o ambiente, abrindo ao mesmo tempo todas as portas e janelas. Depois como é costume, vai ligar o ar-condicionado. Que desta vez, não funcionou. Sem comentários. Sabina então o começa o seu dia de trabalho. Dirige ao balcão, onde está localizado a mercadoria, pronta para ser distribuída, tudo no mais perfeito sincronismo. Separa obedecendo a ordem de entrada dos objetos e também a saída. A loja de Penhores, onde Sabina trabalha, consta atualmente com 10 funcionários, incluindo ela. Um banco de dados, eficiente, onde armazena todos os dados de entrada e saída de clientes, contribuindo assim um trabalho eficaz e um bom desempenho dos funcionários. Sabina senta na cadeira defronte ao computador e começa sua rotina diária, arquivar e catalogar as fichas dos clientes novos e antigos. À medida que os funcionários vão chegando. Começa o ritmo acelerado de trabalho. Depois que todos já estão em seus postos e o trabalho começado, é a vez dos pagamentos dos fornecedores e clientes que vão chegando aos poucos. Para alegria nossa, o sistema operacional, criado para a loja de penhores, possui muitas opção, inclusive a de bancos, isso facilita e muito. Muitas vezes, esqueço até de que tenho uma vida pessoal. Sabina é uma funcionária exemplar e dedicada.
O movimento da loja de penhores é intenso. Toda hora o telefone toca, a maioria é para solicitar informações sobre os procedimentos exigidos pela loja para obtenção na renovação de cadastro, e regaste de objetos. Nesta loja de penhores é um vai e vem diário. É um entra e sai de pessoas, penhorando e resgatando seus objetos. Muitas vezes nos entristece, porque são poucos, que conseguem reaver o penhor.
Sabina é uma mulher cheia de sonhos, bela, olhar triste. Um rosto oval e cabelos crespos. Uma pele macia de uma palidez mórbida. A vida de Sabina tem característica desconhecidas, talvez seja pelo vazio que sente de algo esquecido no passado.
Nesta Sexta-feira-13, como nos outros dias, o relógio da parede da loja, avisa o final do expediente. Sabina olha para ele pensativa. Levanta da cadeira e começa recolhendo seus apetrechos. Cumprimenta uma a um, seus colegas de trabalho, desejando um bom final de semana. Sabina fica até sair o último funcionário. Ela começa então fechar a loja. Segue em direção a janela. De repente, Sabina vislumbra algo, um vulto na janela. Ela fica petrificada. Sua reação é olha em volta, para se cientificar de que se encontra sozinha. E como um passe de mágica, sua vida passa diante dela como num filme, através de nada menos do que? Do vulto da janela. O passado distante, que estava morto e sepultado. Ressurge das cinza. Sabina de uma coisa, tem certeza. Precisa urgentemente resolver este problema, dar um fim no passado que teima em assombrá-la. O momento é agora. Ela não pode mais adiar. Ela sente mais uma vez, que seu mundo vai desmoronar. Está na hora de acabar com este pesadelo, um ponto final, numa estória que se arrasta há tempos em sua vida. O vulto da janela. Decidida e reunindo a coragem que ainda lhe resta, encara a realidade triste. Segue em direção ao vulto, com passos firmes. Está cansada de fugir do passado o melhor é enfrentar esta triste realidade.
Sabina segue em direção ao vulto da janela. Sabendo o que quer. Decidida. Fecha então, seus olhos. Sabe que bem na sua frente, está o homem que destruiu sua vida. Um amor de adolescência. Reúne toda sua coragem. Seu rosto fica endurecido. Sua mente se perde em divagações. Quantas vezes este vulto da janela, teimará em persegui-la? Em atormentar? Um passado assombroso. Ódio, isso é o que ela sente. Tenho que acabar com esta agonia. Neste ínterim continua caminhando com passos firmes, em direção ao vulto da janela. Sabina não conseguindo balbuciar uma palavra. Acredita que tudo não passa de uma pegadinha do destino, uma alucinação. Torna novamente a fechar os olhos. Quando volta a abrir, vê o vulto da janela a lhe sorrir. Com seus braços estendidos. Como se nada tivesse acontecido, como o ocorrido na vida deles, no passado, fosse ontem. Ela pensa, como é cínico, este vulto da janela.
Sabina fica frente a frente a Sandro, o vulto da janela. Olha bem dentro dos olhos verdes, que um dia amou muito e que outrora lhe seduziu. Sandro continua a lhe sorri, estende mais uma vez, seus braços. Caminha em direção a Sabrina, quase enlouquecido: Sabina, Sabina, eu voltei para ficar, sempre ao teu lado. Nada nem ninguém vai nos separar. Perdoa-me amor. Ele finalmente abraça Sabina, com toda a sua força, demonstrando para ela, toda a saudade e todo o seu ardor. Sabina não agüenta, desfalece.
Sandro carrega Sabina no colo e deposita no sofá o corpo desfalecido. Tenta de toda maneira reavivá-la. Aos poucos Sabina retorna e ainda atordoada, se ver diante do causador de toda a sua infelicidade. O amor do passado. O que destruiu todo o sonho dela. O que a fez sofrer amargamente. Movida como por impulso, levanta e ainda trêmula, resolve esmurrar Sandro. Grita com toda força do seu ser a sua revolta. Com os olhos crivados em Sandro, o enche de perguntas. Sabe que nem sempre serão satisfatórias, suas respostas. Como a exemplo, a desilusão do abandono. Por quê? Deixa-me em paz.
Sabina continua a soluçar e com toda a sua força, sabedora de que está chegando ao fim. Desmaia novamente. Dentro dela a vontade de não acordar jamais. O melhor é morrer. Sabina retorna ao passado.
As recordações passadas vêm como um flash na sua mente. Uma coisa é não ter noticias de Sandro, outra coisa é ver Sandro, sentir Sandro. Isso sim dói demais. Cair de novo em suas artimanhas e voltar a sofrer como antes. Nunca. Toda a sua raiva adormecida, volta com todo ódio dentro do seu ser.Sabina, fica agora em estado de letargia, remoendo o passado.
Sabina lembra que tudo começou numa tarde de verão, férias inesquecíveis passadas na praia. Ela era uma adolescente de 15 anos, vaidosa e cheia de sonhos. Sandro o experiente. Com seus 21 anos. Ela adorava ver o mar batendo entre as pedras e a água azul de esperança gelada como o seu sofrimento. Tirar as sandálias e caminhar na praia, sentindo uma brisa suave no seu rosto. Construir castelos de areia, com torres enormes e pontes levadiças. Catar conchinhas. Naquele tempo, ela possuía um bronzeado perfeito. Era uma pessoa feliz. Com muitos amigos. O destino lhe pregou uma peça. O amadurecimento prematuro em sua vida.
Sabina adorava a visão do pôr-do-sol? Uma cena deslumbrante. Quando o sol se esconde no infinito. É o sinal para sua irmã lua, iluminar a tenebrosa escuridão que é à noite. Com ele até as árvores morrem, com uma tristeza uniforme! Tudo entristece, até seu coração endurece. Como é suave o caminhar na escuridão, e não poder enxergar. É como escutar o barulho do vento, coisa mais linda a falar. Ao fim da tarde, cai à noite, procurando alivio para as tensões do decorrer do dia. Vem uma saudade ampliando uma saída do que está adormecido, nasce, cria e se habita. Uma aceitação que no dia vindouro, tudo voltará a ser o que era antes, ou então o adeus.
Uma visão nas pedras lhe chamou a atenção. Era um rapaz que, tão maravilhado como ela estava a admirar a beleza do sol. Por sinal muito belo. Ela caminhou em passos lentos, admirando a beleza dos dois. O pôr-do-sol e o rapaz. Ficou embevecida, com o contraste da luz do pôr-do-sol nos cabelos do rapaz. Naquela hora sentiu, como era a busca para a realização dos sonhos. Tudo era tentador neste local, até a cumplicidade para uma aventura. Talvez um grande amor. Não teve coragem de quebrar o encantamento. Agradeceu ao sol, por despertar o pesadelo que estava vivendo. Sentiu que há primeira vista, apaixonou-se perdidamente pela visão. Pelo rapaz solitário, nas pedras. Olhou mais uma vez e foi embora. Caminhou em direção a casa onde estava hospedada e ficou a admirar no alto, a visão maravilhosa do pôr-do-sol e também do rapaz que continuava sentado nas pedras. Pensou, talvez amanhã, quem sabe. Retorno.
Ao acordar, a visão do outro dia não lhe sai da mente e no pôr-do-sol retornou ao lugar para cientificar de que não se tratava de um sonho e si de uma bela realidade. O rapaz estava sentado nas pedras, no cair da tarde. Como que mágica, com a luz ofuscando seus cabelos. Sentado imerso em pensamentos. Ela continuou a admirar, sempre relutando em não quebrar o silêncio. Um belo fim de tarde, resolveu se aproximar. Chegar bem juntinho e falar. O rapaz estava tão absorto em seu refúgio, que nem a notou. Era um solitário. De repente, para minha surpresa. Virou, fitou bem nos meus olhos, sorriu: “Um sorriso até na tristeza, faz sentir para aquele que sorrimos que o mundo de tão ruim, sorrir também”. Fiquei boquiaberta. Retribui sorrindo também. Depois nada nos importava, como uma mágica, ficamos horas a conversar, até perder a noção do tempo. Até confidências foram trocadas. Muitos olhares e muita cumplicidade. Todo dia era uma descoberta, não nos separávamos mais.
À medida que o tempo passava, resolvi explorar o mundo de Sandro. Com isso todo dia para nós, era uma descoberta. Eu fui afeiçoando-me ao Sandro. Por precaução resolvi passar alguns dias sozinha, só eu e o meu mar. Como para entender o amor que estava arrebentando todo o meu ser. Fiquei muito assustada e desejei lá no fundo do meu coração, não ter começado este romance, compreendi que estava fincando raízes profundas, e senti que, viver é uma promessa, onde enfim, encontraremos o sono eterno da morte. Então compreendi que o amor é isso. Que a vida nos oferece uma oportunidade de viver eternamente. Uma doação completa. Tive muito medo.
Sandro adorava explorar nosso mundo. Todo dia era uma novidade. O andar nos dias de chuva. Sentir o sabor da chuva na nossa boca, no cabelo, no corpo, os pés molhados. Adorávamos ver a chuva cai sobre as vidraças. Ah! Ouvir o som da chuva no telhado. Éramos dois adolescentes, de mãos dadas. Realmente vivendo fantasias que nos possibilitava o gostoso de viver a vida à dois.
Na maioria do tempo estávamos na pedra, admirando o pôr-do-sol. Eu e ele. Dias foram passando, meses, e a cumplicidade mutua era enorme. Como todo relacionamento, sempre há discussões; valores, poder, egoísmo. Mais tudo parecia não interferir no nosso relacionamento. Entregamo-nos um ao outro, no pôr-do-sol, no lugar aonde nos vimos pela primeira vez. Concretizamos, sem ninguém para olhar ou para nos separar. Foi o começo de tudo. Uma sensação de um dia encher este vazio. Até que esta magia se desfez.
Ao despertar pela manhã, pensando que este dia seria como os outros, eterno para nossa união. Sabina encontra o bilhete, que pôs fim ao sonho, junto ao travesseiro. Chegou o dia da separação. Do adeus. Da despedida. Uma sensação de abandono, ou será que é de fim. Porque Sandro nem se dignou a dizer o adeus, pessoalmente.
“Sabina, o fim resultou naquilo que desejamos a dois e que só um realmente findou. Tudo se acaba, quando não passamos a existir e tudo resume ao fim. Sorria, pois o mundo é um palco e ninguém tem culpa do abandono. Sei que irás sentir falta de tudo. Sei também que o orgulho te vencerá. Mas quero ainda te falar, não sei se tarde. Mais não consigo. Dou adeus a tudo e algo mais; dou adeus a um amor, que aprendi a admirar e ser muito especial para mim. Saudade irei senti, mas tenho a certeza que com uma amiga eu convivi. Digo mais um adeus para eternidade.” Sandro.
Hoje é só saudade, sofrimento, alegrias, decepções, nem tudo é felicidade. Só recordação. É sempre um sim à procura de um não, com uma espera que decorre a todo o momento e a cada instante. Esta espera de alguém ou de algo para realizar. Recordar nos faz lembrar e não querer voltar por mais bela que seja. Sempre nos dá uma tristeza, às vezes amargas e outrora felizes. Faz voltar a tempos onde não voltaremos mais. É um dia atrás do outro, uma pergunta sem resposta, um amanhã em busca de um novo amanhecer. Uma esperança, atrás de uma verdade concreta sem tão pouco se tornar abstrato e abstruso. Uma noite de descanso atrás de uma noite sonhadora. Enfim, uma busca para uma nova realidade, isto é, tudo é um começo de algo que no outro dia tornará um novo começo e só podendo ter um fim. Sem sabermos aonde e nem quando, especialmente como.
Sandro, na sua ansiedade de explicar, continua argumentando. Tenta de todas as maneiras, resolver a situação deixada por ele no passado, se desespera. Suplica o seu perdão. Procura uma forma de abraçá-la. Não se cansando de repetir, perdão. Sente o quanto vai ser difícil acreditar nele. Chora. Ele tem certeza de que um dia, muito distante, tudo será apagado do coração de Sabina. Com o semblante triste, mais com o coração determinado a lutar pelo amor e com a certeza de que ela um dia voltar a amá-lo.
A convicção de Sandro é tamanha. Lá no fundo, acredita que o amor vencerá.
Sabina não sabe quantas horas, ou minutos ficou desacordada, mais tem uma certeza. Sumir. Nunca mais fitar o vulto da janela, chamado Sandro. Um homem sem alma, cruel. Ela chora, chora bastante, até sentir que não tem mais lágrimas. Seus olhos estão secos. Agora com mais calma firma seu olhar em Sandro. Procurando encontrar uma explicação, para o ocorrido nos anos de sua vida. Seu olhar é atónito, indiferente. A justificativa imposta por Sandro, não faz sentido. Fica alheia a tudo, é inútil, apagar o sofrimento dela, sozinha, sem ninguém ao seu lado. Ela tenta perguntar onde estava Sandro? Para que a resposta ela sabe muito bem. Cuidando de sua própria vida. Ah! Meu Deus. Como foi tola em acreditar. Ainda existia o bebê, fruto do amor dos dois, mais a bem da verdade ele não tinha conhecimento. Sabina planejava contar na noite de núpcias. Seria como que um presente para os dois, assim ela pensava. Mais não aconteceu. Sabina chora mais vez. Ela sabe que, o bebê era muito importante. Se ele não tivesse ido embora, tudo estaria às mil maravilhas. O bebê teria sobrevivido? Não sabe. Nada. Nada mesmo justifica, os motivos mencionados por Sandro, a ausência dele. Ela tinha certeza, não queria escutar mais nada. O melhor é ir embora. Sabina levanta, caminha para a porta, não atende o apelo de Sandro. Vai embora sem olhar para trás. Simplesmente some na noite de Sexta-feira-13.
Sabina na sua determinação de ir para longe de Sandro, o quanto antes. Vaga sozinha pela noite sem rumo, remoendo o passado. Ela não entende ou não quer entender, o Sandro de agora. Convicta do Sandro do passado. Um rapaz alto, moreno, solitário, mais muito determinado e carregado de ambição. Com uma vontade enorme de vencer. Os conflitos gerados entre eles, tudo era por ambição. Sandro fazia entender para Sabina, que iria vencer a todo custo, sem olhar para trás e ai daquele que atravessasse o seu caminho, seria esmagado como uma cobra. Ela escutou isso dele o tempo todo em que durou o relacionamento. Como é que então, ele retorna, mediante um vulto da janela, para pedir o seu perdão, afirmando que tudo mudou. Ah! Não o homem que eu conhecia no passado, não muda assim de repente, de opinião, de vida. O custe o que custar, sua força de vontade sempre prevalecia. Um homem amadurecido. A certeza no seu relacionamento com Sandro, foi sempre essa, o de não olhar para trás, nem para o amor dela. O adeus.
Sabina continua andando, na noite fria. Alheia a tudo e a todos. Ela chega à conclusão de que, há muito Sandro não faz parte da sua vida. Ela tem certeza de que agora, mais amadurecida, não vai deixar tudo acontecer de novo na sua vida. Não, vai deixar ressurgir dos mortos, e cair de novo na conversa de Sandro.Voltar, não. Nem tão pouco de perdoar.
Desta vez sou eu, quem decido. Vou embora e para sempre. Sem bilhete. Adeus Sandro. Adeus vulto da janela mal assombrado. Eu não quero mais ficar. Sabina chega à parada onde costuma pegar seu ônibus. Só que desta vez. Ela entra em outro sem destino. Deixando o vulto da janela chamado Sandro, para trás. Acabou. Sabina dentro do ônibus pensa. Eu deveria voltar para o mar. Fica olhando as passagens através da janela. Decepções e tardias recordações.