= Trajetória 3 =

PARTE 4

“O orgulho fragiliza,

e nos condena

a repetir

os erros

do passado.”

Passou o tempo, minha abstinência fazia aniversário. A cada dia, mais me gabava de ser macho; mais que para de beber, era provar que todos estavam errados. Com minha abstinência, logo arrumei um emprego, o que só fez realçar a minha prepotência. Dizia a todos: _Estão vendo, quem tem competência, não fica desempregado. Tudo era orgulho, eu era a própria vaidade. Os dias de vaca magra passaram, dali para frente o céu seria o limite.

Alguns meses depois, consegui minha primeira promoção. Meu salário dobrou, decide comprar um carro; afinal de contas, não ficava bem um chefe de cessão andar de ônibus. Tudo que estava acontecendo, para mim, era o máximo. Em apenas um ano e meio de serviço, após sair de uma clínica, já havia conseguido muito mais que meu pai conseguira em toda a sua vida. A vaidade era tamanha, que não me sobrava tempo para agradecer a ninguém, nem mesmo a Deus.

Dia primeiro de julho, estacionava meu carro, defronte a uma loja, quando senti alguém tocar em minhas costas. Antes que me virasse, eu, ouvi uma voz que dizia:

_ Ei, milionário, não se lembra mais de seus velhos amigos?

_Voltei-me rapidamente. Aquela voz, eu reconheceria, em qualquer lugar. Senti o corpo todo tremer, um gelo esquisito no estômago, meu cérebro era como se flutuasse. Aquela voz, eu já mais a confundiria, era dela, de Suélen, minha primeira e única paixão. Naquele momento pude sentir que nem o tempo, nem distância eram capazes de apagar um grande amor. Nessa hora, senti-me como um verdadeiro adolescente, inseguro e feliz. Conversamos um longo tempo. De repente, sei que, nem porque, fizemos silêncio; era como uma interrogação aparecesse entre nós, era como ter medo da resposta, antes da pergunta. Era só perguntar: _Você se casou? mais a coragem nos faltou e deixamos que o tempo nos respondesse. Convidei-a então para almoçar. Com um breve sorriso nos lábios, ela aceitou. Almoçamos, sob o impacto daquele encontro repentino. Apesar da certeza, de nossos sentimento, mesmo assim a pergunta continuava atravessada em nossas gargantas. Por fim, enchendo-me de coragem, perguntei: Suélen você se casou? _Não! _Respondeu ela com um belo sorriso no olhar. Em seguida, devolveu-me a mesma pergunta: _E você, porque não se casou? _Eu, por minha vez, respondi com toda a honestidade do momento. Contei todo o problema que tive desde que nos separamos. Falei sobre o meu alcoolismo, que não me dera tempo nem para amar, até o dia que fui internado em um hospital, começando dali uma nova caminhada. Saímos do restaurante, sentindo como se uma aura mágica nos cobrisse, separando-nos do resto do mundo, reservando para nos, toda a felicidade do universo. Fomos para sua casa, brincando como duas crianças. Naquele momento encantado, não tivemos a menor vergonha de sermos felizes. Daquele dia em diante, não mais perdemos o contato, a cada encontro, solidificavam-se nossos sentimentos. Em setembro, convenci-me que minha vida não teria sentido, se perdesse Suélen. Naquele mesmo dia, eu a procurei. Contei a ela que estava vivendo os melhores dia de minha vida. Antes de qualquer resposta, perguntei se ela queria casar-se comigo? Suélen sorrio com a alma, e me abraçou com ternura. Senti uma sensação indescritível, parecia estar dentro de uma bolha de sabão que flutuava a deriva.

PARTE 5

“Só o amor conduz o homem

à felicidade”

Casamo-nos em outubro depois de uma bela festa, uma lua de mel inesquecível, tudo estava perfeito. Passou um ano, tudo continuava às mil maravilhas. Consegui comprar uma bela casa, de fronte à praça da cidade. Ali estava nosso tesouro, ali estava nosso coração. A vida parecia trabalhar a nosso favor. Tínhamos uma boa casa, um bom emprego e uma felicidade capaz de contagiar a própria natureza. Vieram então os filhos, Carlos José, Pedro Otávio,( cujos nomes fora uma homenagem ao meu grande amigo, o bom velhinho), e Maria Clara, que era para nós a coroação de um amor sem fim.

Dez belos anos se passaram, a felicidade continuava. Naquele ano, por ocasião do carnaval, fomos acampar às margens de um belo lago, onde, do outro lado, se via uma paisagem esplêndida, digna da atenção de qualquer mestre da arte da pintura. Crianças corriam livres pelos campos. Suélen e eu sentados na relva, contemplávamos o sol descambando atrás daquela serra, extasiados pela beleza do momento. Com o coração embriagado pelo amor,(envolto) perguntei à Suélen o que mais queríamos da vida. Nesse momento, as crianças começaram a nos gritar: _Venham depressa, venham ver. _Chegamos correndo e vimos uma armadilha, com um belo coelho, que se debatia incansavelmente à procura da liberdade. Peguei o pobrezinho, tire-o da armadilha, mostrei-o para as crianças, que acompanhavam tudo com curiosidade. Maria Clara, ofegante, com seu pequeno coração em festa, disse-me: _Papai podemos ficar com ele? Eu cuido dele. Os meninos prometiam que o limpariam, que cuidaria dele como maior carinho. _Papai, podemos ficar com ele? _Diante daqueles olhinho esperançosos, jamais poderia dizer não. Pensei por mais alguns minutos depois respondi: _Filhos, acho que podem. As crianças gritaram de alegria, Quando serenou a euforia, comentei: _ É Suélen, as crianças tiveram sorte, ganharam um animalzinho lindo para brincar. Falta de sorte foi para este lugar; depois de perder este bichinho, perderá toda a magia. _Você não acha? Entendendo minha intenção, Suélen disse: _ As outras crianças que vierem passear aqui não terão a mesma sorte nossa, de conhecer este belo animal. Sem ele, a natureza perderá parte de seu brilho e a família deste animal sentirá sua falta. Eles talvez perderão a felicidade, assim como perderia a nossa, se nos fosse tirado um de nossos filhos. Saímos dali e fizemos de conta que não tínhamos nem ligado. Maria Clara chamou-nos de novo e disse: _Vamos soltar o coelhinho, o lugar dele é junto ao seus. Soltaram, então, o bicho que, em pouco tempo, desapareceu na mata. Nessa hora, pude perceber que as crianças se sentiram úteis e felizes porque haviam dado vida, não só àquele bicho, mas a toda a sua família. Suélen e eu voltamos para perto do lago. Ela respondeu à pergunta que eu a fizera, anteriormente: _Quando eu subir naquela serra, junto com vocês quatro, e, lá de cima, juntos, abraçados, assistirmos ao pôr do sol, isto para mim será a certeza de minha mais completa felicidade. Foram dois dias de lazer, onde aprendemos mutuamente, que, com amor, seriamos capazes de enfrentar qualquer obstáculo. Felizes, voltamos para casa. As crianças correrão para contar todas as suas aventuras para seus coleguinhas.

O telefone de minha casa começou a tocar. Suélen foi atendê-lo. Percebi que Suélen emudeceu. Ficou tão pálida que nos assustou. De repente, começou a chorar. Peguei o telefone. Do outro lado, alguém soluçava, desesperado. Depois de alguns segundos, consegui soltar a voz, dizendo: _ Ele morreu, Ele morreu. Era Jacó, um alcoólatra, que, também, como eu, devia sua vida ao bom velhinho. _ Doutor Pedro Otávio morreu. Santo Deus, o que faremos de nossas vidas? disse ele, e continuou; _ O que vamos fazer com todos aqueles alcoólatras, que tem como único apoio, o nosso bom velhinho? Não existe na cidade outro medico capaz de cuidar de alcoólatra com carinho e amor. Não recebia um tostão sequer de nossos irmãos bêbados. Choramos juntos um bom tempo, desliguei meu telefone e, como robô, fomos á casa do amigo e bom samaritano. Fiquei muito abalado com a morte de meu amigo. Ele era meu confessor. Criou-se uma grande lacuna em minha alma. Apesar de todo o sofrimento, não desesperei. Contava sempre com a ajuda das crianças e de Suélen.

Várias frases ditas pelo bom velhinho, jamais esquecerei. Dizia ele:_ “O bom é inimigo do melhor. Não se entregue, pois dias melhores virão. Tudo na vida é acessório: carro, dinheiro, casa, o que temos que preservar, a todo custo, é a própria vida. Vivendo sóbrios podemos conseguir verdadeiros milagres. Vá devagar, amigo, mas vá. Somos tão importantes pra Deus, que somos únicos Viva e deixe viver. Sábio, é aquele que aprende com a experiência alheia, tolo, é o que aprende com a dele própria.” Meu Deus, se eu fosse escrever todas as frases que ele nos passou, certamente encheria várias folhas. Como disse o poeta: “A Saudade é a presença dos ausente.” Com este pensamento, sente que ele sempre estará presente em nossas vidas. Continua...

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 28/07/2010
Reeditado em 28/07/2010
Código do texto: T2403846