Gostaria...
Primeiro ele olhou de rabo de olho. Não queria que ela notasse o quanto ele a observava. Treinou muito para que olhasse, mas não fosse percebido. Ela fumava, a fumaça parecia cor de rosa. Parecia fazer desenhos assim que saia de sua boca infinitamente incomparável. Era aquilo que ele gostaria de ter. Ela. Somente ela. Ah, como gostaria.
Foi fazendo amizade, foi tentando se aproximar, mas não tinha sucesso. Tentava se fazer notar, tentava de algum modo chamar sua atenção. Gostaria que pelo menos uma vez ela o visse ali, que notasse sua presença. Mas não conseguia, não sabia mais como.
Seus amigos eram amigos dela, mas não entendiam aquela situação. De modo que tudo que ele falasse, se ele expressasse sua paixão diferente por ela, seria logo entendida como desejo carnal. Ela era bonita, mas não de uma beleza rara. Era diferente, era estranha, exótica e por Deus, ele já não agüentava mais guardar para ele. Não queria mais segurar todas as palavras que queriam sair e formar belas frases para os ouvidos dela. Gostaria de escrever músicas, de levar flores,mas e se ela não gostasse? Pode ser que ela não curtisse romantismo. Não sabia nada sobre sua vida, só que adorava as coisas pequenas.
Resolveu tentar uma vez. Colocou flores sobre o tapete de sua porta, mas o vento levou e ela nunca soube das rosas. Tentou lhe dar bombons, mas derreteram sob o sol de domingo, enquanto ela estava na praia. Sempre estranhou que ela nunca comentasse, sempre estranhou ela nunca procurar saber a origem dos presentes. Na verdade, ela nunca tivera acesso. Sua empregada sempre os jogava no lixo, pois sempre estavam danificados por alguma coisa. E ele permanecia lá, apaixonado, sem palavras.
Certa vez saíram juntos para uma festa. Ela dançou a noite inteira, e ele a observou durante o mesmo período. Gostava de estar perto, mesmo que longe. Mesmo que ela não lhe olhasse, mesmo que se sentisse invisível. Mesmo que suas amigas fossem mais interessante do que ele. Era calado. Gostava de ser assim, observador. Seus amigos brincavam sobre seu jeito, talvez por isso não conseguisse a atenção dela, diziam eles.
E continuou assim nessa noite. Num canto sossegado. Conversando consigo mesmo. Seu coração apertado e sufocando seu peito com idéias de como chamar sua atenção. Gostaria mesmo de saber. Ah, gostaria. Mas não sabia.
Foi então que nessa noite ela viu aquele menino sentado sozinho. Já o havia visto antes. Já o havia notado outras vezes, mas nunca chegou para falar nada, pois ele sempre fora caladão.Sempre o olhou enquanto ele não olhava. Resolveu arriscar. Suas amigas eram um pouco fúteis, e as músicas que estavam tocando não a agradavam. Devagar se aproximou dele. Devagar ele levantou a cabeça e não acreditou no que estava diante de seus olhos. As luzes do lugar faziam a moldura de seu corpo. Ele nunca a vira tão de perto. Gostaria que aquilo não fosse um sonho. Daqueles que parecem reais, mas logo acordamos e vemos que era de faz de conta. Sonhos daqueles que a gente nunca quer acordar, e se acordamos no meio da noite, tentamos dormir imediatamente e voltar para o mesmo.
Ela se sentou ao seu lado. Qual seu nome? Perguntaram juntos. Ambos sorriram. Ela se sentiu boba, ele se sentiu bobo. Ficaram naquele silêncio constrangedor do primeiro encontro. Aonde as palavras têm de ser escolhidas cuidadosamente para que não estrague as impressões. As primeiras são as que ficam . Ela também se sentia estranhamente desconfortável.
Engraçado. Ela achou engraçado. Pois nunca havia se sentido assim. Havia uma energia ali. E ela sentia. Gostaria de ter um assunto para não parecer fútil como suas amigas. Ficou as observando dançar e se esfregando em rapazes que nunca tinham visto antes. Pensou em falar sobre elas com ele. Ele pensou em chamá-la para dançar, mas se lembrou que não sabia dançar. Ela pensou em quem sabe o chamar para dançar, mas ele poderia achá-la atirada demais. Mas bem que gostaria. Ele parecia ser legal. Sempre o observara, mesmo que de longe, mesmo que sem prestar muito a atenção. Mal sabia que era musa inspiradora das músicas daquele rapaz ao seu lado. De que era seu sonho. De como ele gostaria de pelo menos uma vez apertar ao menos suas mãos e sentir a textura de sua pele. Ficaram assim por alguns minutos. Silêncio. Palavras que vinham até a garganta e voltavam. Ele queria ter coragem.
Um de seus amigos se aproximou com bebidas. Ela aceitou. Ele não bebia,mas aceitou também. Completamente bêbado, esse amigo pediu para que os dois se beijassem logo. Foi embora, mas voltou em seguida e disse que ele sempre fora apaixonado por ela, mas não sabia falar. Malditos amigos, sempre nos colocando em situações embaraçosas, porém, situações que muitas vezes se tornam oportunas e boas. E foi assim. Morto de vergonha, ele tentou encará-la. Ela o olhava surpresa. Sorrindo... Ele sorriu. Ou pelo menos tentou. Na verdade sua fisionomia misturava medo e vergonha. Ela perguntou se era verdade. Ele respirou fundo e disse que sim. Ela sorriu e sentou-se mais próxima dele. Ele sorriu e bebeu um pouco da cerveja em suas mãos... Fez careta.
As mãos se encostaram e por alguns milésimos de segundos se afastaram. Logo passada a vergonha, o susto do primeiro contato de peles, elas novamente se encostaram. Os dedinhos se juntaram. Os sorrisos saíam automaticamente e a música do lugar se silenciou. Eram os dois ali. Somente eles. Somente ela. Justamente como ele gostaria que fosse. Os pés se encostaram devagar. A respiração foi ficando lenta. Os olhos miravam os lábios. O suor começava a brotar na pele. Os lábios se tocaram uma vez e foi assim. Enquanto a beijava pensou no que passou. Pensou em como tentou e nunca conseguira. E exatamente quando quase estava desistindo, quando não fez esforço e não tentou, ela veio até ele. Talvez tenha sido apenas energia positiva, talvez não. Talvez ela também tenha feito de um tudo para que ele a notasse. Mesmo que sem perceber, sem percebê-lo. O beijo não parou. Estavam curtindo o momento, quase idêntico a como ele gostaria que fosse.
Fim