COMO JOHN E YOKO

Em nosso primeiro aniversário de namoro, você me deu um lindo buquê de rosas vermelhas e um ursão de pelúcia. Foi um dia feliz aquele... Nos entregamos ao amor sem medo, sob as bênçãos de Eros.

Nosso primeiro dia dos namorados foi o dia mais bucólico de minha vida. Em um frio junho nublado, fizemos um piquenique com direito a toalha xadrez, flores, frutas, pães, geleias e, claro, vinho. Fizemos uma festa sob as bênçãos de Dionísio – jamais me esquecerei do sabor de seu corpo combinado com vinho! E depois do amor, veio a chuva fria, abundante, densa... Nossos corpos se entrelaçaram mais uma vez e nos amamos sob a chuva e as bênçãos de Zeus.

Jamais me esquecerei de nossa formatura. No convite, declarações de amor mútuas. No baile, a valsa apaixonada, dançada com toda doçura e emoção e aplaudida ao final. O vinho, mais uma vez, nos acompanhava em meio aos brindes com nossos colegas e familiares. Nesse dia, você disse ao meu pai que seu objetivo era fazer-me feliz, pois queria trabalhar, construir nossa casa, nosso lar. Minha mãe chorou emocionada.

Passamos juntos no Mestrado. Eu em História e você em Antropologia. Continuamos nossos estudos, com foco em nosso futuro e da família que construiríamos. Ainda me lembro do dia de sua defesa. Você estava nervoso e eu levei-lhe uma taça de vinho antes de sua arguição. Você foi aprovado com louvor e depois de todos os cumprimentos de praxe, fugimos para comemorarmos à nossa maneira: fazendo amor e bebendo vinho.

Quando passei na seleção do doutorado na França, você vibrou e comemorou comigo. Fizemos amor todos os dias antes de minha viagem. Queria que você viesse, podíamos viver juntos aqui. Mas você preferiu a segurança de um emprego em uma faculdade particular e disse-me: “Quando você terminar o doutorado, já terei comprado nossa casa, nos casamos e vamos viver felizes para sempre!”

E eu acreditei em você. Pensei que seríamos como John e Yoko: inseparáveis até o final. Viveríamos um amor livre, sincero, puro, virginal até. Teríamos nossos projetos conjuntos e seríamos uma pessoa só. Poderíamos mudar o mundo. Passaríamos nossos dias para nós dois apenas e para nosso rebento. Se o tivéssemos.

E agora soube que desistiu de me esperar e anda de amor novo. Eu, pobre estudante de doutorado, nessa gélida Paris invernal, embriago-me de vinho barato, enquanto recordo nas fotografias todas as promessas de amor que me fez. Olho ao meu redor e vejo aquele ursão desajeitado, deu-me um trabalho trazê-lo! Sinto vontade de atirá-lo pela janela, mas não tenho forças. No porta-retrato minha foto, ainda menina, com aquele buquê de rosas vermelhas e você sorridente ao meu lado.

Vejo meu reflexo no espelho. Será que foi assim que Yoko Ono se sentiu quando John morreu? Não. Certamente não. Ela sentiu o amor transcendente, que vai além e até hoje. Eu sinto o golpe da traição, a miséria do abandono, a dor do desprezo, a fraqueza da alma. Não, não fui amada como ela foi e nós nunca poderíamos ser como John e Yoko. Porque você nunca se entregou por inteiro, como John e Yoko se entregaram um ao outro. Porque você foi incapaz de deixar tudo para construirmos juntos nossas vidas dali pra frente, como John e Yoko construíram. Porque você não tem a sensibilidade que John e Yoko tinham. Nem eu.

E é por isso que, em meio a lágrimas salgadas, corro a expelir o caldo azedo de minha embriaguez insana. E amanhã, quando acordar fétida de álcool e vômito, vou me banhar na fria água parisiense e vou olhar o dia e vou a um café. Quem sabe não encontro alguém querendo ser John Lennon?

(Imagem: http://www.osarmenios.com.br/2008/01/john-yoko-livro-traz-algumas-das-ultimas-fotos-de-lennon/)