O moço

O moço não combinava com o lugar. Parado no ponto de ônibus ele perguntou se ali passava condução para o centro. Quem ainda fala condução? Então, ficou parado ,fingindo não ser o centro das atenções. Um falso ar casual como se o fato de estar ali não fosse tão incomum assim. Afinal o que fazia ali um homem tão distinto e bonito em um ponto de ônibus num bairro de periferia? Alto, de cabelos cacheados, harmonicamente despenteado, olhos verdes, sapatos lustrados. Nenhum acessório. Nem óculos escuros, nem relógios, cordão ou pulseiras. Apenas ele de braços cruzados aguardando o ônibus que demorava, certamente por ser domingo. O silêncio foi interrompido pelo estalar de seu sapatos que marcavam a demora do ônibus em batidas ritmadas no chão toc, toc ,toc, toc. Todos concentrados, mais parecia o tique-taque de uma bomba relógio. Chegou, finalmente.

O ponto não estava cheio, por coincidência todos entraram no ônibus ficando o ponto vazio. Inclusive uma mulher de meia idade, até bem arrumada a dona, cabelos e presos unhas feitas. Alguns já conhecidos do local estranharam, pois o destino dela era sabido e não era aquele ônibus sua melhor opção. Todos permaneceram calados, menos o homem que perguntou novamente, agora para o motorista, se aquele seguiria para ao centro da cidade. Após confirmação do motorista passou a roleta e sentou-se. Em seguida a mulher sentou-se ao seu lado despretensiosamente. Ficou rígida não movia um músculo. Sua atenção se dividia entre o belo espécime ao seu lado e o percurso do ônibus. Com o canto dos olhos reparava em tudo, na curva das sobrancelhas, no traço do nariz que termina levemente empinado, nas mãos grandes com dedos largos abrutalhados e ao mesmo tempo delicados, suas longas pernas, seus lábios. Logo teria que saltar caso contrário o ônibus atravessaria o túnel e ficaria complicado retornar ao seu destino. Lembrou que seu dinheiro era contado para ida e volta. Não podia errar. Ao seu lado o homem parado olhava distraidamente pela janela, vez por outra mordia os lábio deixando a mulher ainda mais nervosa, porém imóvel. Sabia que não podia desperta-lhe a atenção. O ponto antes da entrada para o túnel estava próximo, o ônibus havia enchido e alguns passageiros já estavam de pé. O homem se ajeitou na cadeira como quem queria saber onde se encontrava, fez menção de levantar, chegou a ficar de pé. Ela segurou com uma das mãos o apoio do banco da frente para se impulsionar. Ele sentou-se novamente. Respirou, ergueu a cabeça e confirmou seu ponto estava próximo, o ônibus cheio e agora a porta de desembarque estava repleta de passageiros que aguardavam a parada. Agora era a hora. Delicadamente curvou o corpo para direita, com a mão apoiou-se, estava praticamente de frete para o homem. Sua mão segurou seu queixo com num bote, a outra travou sua nuca , ela pode ver olhos verdes dilatando-se. O beijo. Os lábios se tocaram por um instante. Mordeu seu lábio levemente. Imóvel não acreditava no que acontecia.

A porta abriu-se e ela desceu gloriosa, sorria enquanto acompanhava o ônibus sair e o olhar do homem pasmo com a mão nos lábios.