O PÉ DE FEIJÃO
O PÉ DE FEIJÃO.
21 de junho de 2010
Pensamento. O tempo tudo apaga.
No reino das fábulas infantis não houve quem pudesse se esquecer da famosa história de João e o Pé de Feijão, cujo enredo revela a força da planta, nascida do encantamento mágico de suas sementes coloridas e que permitiram elevação rápida aos céus para onde, pelo galhos, também subiu João. Seu desejo era obter objetos de valor, com os quais viria a saciar sua fome e de sua mãe, desprovidos que eram. Nem mesmo o gigante mau, que habitava as alturas no ponto culminante do pé de feijão, conseguiria vencer a este. A planta somente secou após ter cumprido o papel determinado na sua mágica.
Dê-se, pois, a devida importância à pequena semente que, seca, recebe o nome de grão, cuja riqueza vitamínica sacia a fome e mantém a força dos que adquirem o hábito alimentar de digirí-la, para o sustento orgânico.
A força e a magnitude da fábula mais a realidade alimentar do feijão formam a base sobre a qual se sustenta a presente narração.
Uma pequena semente de feijão fora lançada no terreno propício para germinar e, de fato, germinou. Entretanto, no mesmo terreno sementes de outras espécies da mesma leguminosa também foram lançadas: a primeira, mais antiga, conhecida por feijão bravo; a segunda, por feijão fradinho e a terceira, feijão jalo.
A semente mais antiga germinou; robusta planta cresceu, floresceu e produziu; contudo, embora de boa qualidade, a produção terminou por completo mesmo antes do tempo de vida esperado para aquela espécie. Secou e com as folhas desidratadas perdeu toda a beleza e a capacidade produtiva e reinou, a respeito, pleno esquecimento. Lembra-se dela com respeito.
A semente mais nova, igualmente, também germinou, cresceu, floresceu e produziu sementes regulares sem excelente qualidade, contudo. Embora tenha cessado o poder de produção, a planta permaneceu viva, sem a exuberância dos primeiros anos, mas permaneceu viva, embora os pequenos grãos dela nascidos mostrem evidentes sinais de envelhecimento.
A semente intermediária, do feijão fradinho, que também germinou, floresceu; passou a produzir, notabilizou-se pela mágica de sua existência, de seu crescimento, de sua produção, tudo em pleno abandono, sem o devido cuidado contra intempéries, pragas e o necessário amor que até as plantas desejam para cumprirem seu papel na natureza terrestre.
Em tudo o pé de feijão fradinho foi diferente. Com sementes menores em relação aos irmãos nascidos no mesmo terreno, seu pequeno porte encerrava, desde a primeira produção, alegria aos paladares mais exigentes. Não recebia, entretanto, a atenção devida por parte de quem de seu teor vitamínico dependia. Mas, sem dúvida, era planta persistente e os grãos extraídos das vagens formavam um todo harmônico e coeso como que a lutar de forma unida pela qualidade.
Mesmo sem o necessário adubo, sem a importante aguada, sem a limpeza do terreno em que nascera e, acima de tudo, sem o mínimo amor que todas as plantas reclamam no silêncio de sua natureza, as vagens, invólucro da natureza Divina, guardavam orgulhosamente, ajeitadinhos, os grãos verdes que, ao depois, seriam trabalhados pela força da natureza até ficarem prontos para o consumo salutar.
De maneira particular e aí a grande diferença em relação às demais plantas irmãs, do mesmo pequeno espaço em que foram germinadas, o “fradinho”, na sacerdotal persistência, suportava às pragas, à ausência de limpeza do terreno, à falta de amor, porque tinha consciência natural, embora vegetal, de sua missão Divina.
A cada temporada de produção, como se fossem sementes mágicas, uma vagem a mais era somada aos galhos, penduradas como colares de esmeralda no pescoço de uma princesa. Em todas as vagens, somadas, notava-se evidente melhora na qualidade. O sabor e os ótimos resultados que a soma de grãos proporcionava, após a preparação com bom tempero, era evento não menos mágico.
Sempre que alguém passava pelo lugar onde estava o “fradinho” não economizava elogios e admiração pela força e esmero daquele pequeno elemento da natureza vegetal. Tantos foram os elogios que a qualidade aumentou, graças aos fluidos benfazejos produzidos por atos de amor, sem pretensão outra.
Os detentores de poder sobre a planta, isto é a pequena família que veio a perceber, ao longo da existência da leguminosa, seu poder de produção, de resistência e de persistência, não ficaram constrangidos em tê-la somente para si, sem parcimônia no exaurir do dia a dia. Tanta foi a dependência deles em relação ao poder do “fradinho” que abandonaram o trabalho de outras lavouras. A produção do pé de feijão era suficiente e não se via justificativa para aliviá-lo com o acompanhamento de grãos de arroz, hortaliças, ovos e outros alimentos mais que, somados na refeição, pouparia o exclusivo pé de feijão, talvez proporcionando a ele mais longevidade.
Não havia razão para riscos. O feijão era forte, pontual quanto à produção, suficiente para as necessidades de todos e, afinal estava lá exatamente para servir de sustento. É possível concluir que se formou uma relação entre o excepcional pé de feijão e as pessoas que dele dependiam; relação que não afetava o íntimo do “fradinho”, porque nascera para servir, mas, de outro lado, acomodavam-se os que dele se serviam e em nada contribuíam na busca de eventual elemento alternativo, caso o feijão viesse a faltar.
Inconscientemente, na mentalidade dos familiares, o pé de feijão deixou de ser visto como pé de feijão, planta leguminosa, sujeita às mudanças da natureza e às intempéries e pragas não menos naturais. É evidente que ao se perder a referência de que “fradinho” era feijão, ainda que mágico, perdeu-se também a cautela de se guardarem algumas sementes para situações inesperadas, perfeitamente previsíveis. Perdida a referência, o pé de feijão e as sementes eram tão somente peças de um depósito onde ficavam disponíveis para servir a qualquer interesse. Houvesse interesse de crianças, em brincar, poder-se-ia pensar em colorirem-se os grãos para colagem como ornamentos de um desenho. Se outras crianças pretendessem caçar pássaros, os grãos podiam ser utilizados em estilingues, porque o impacto não dilacerava a pequena ave. Se um adulto buscasse a confecção de um colar de artesanato, porque não fabricá-lo com grãos também coloridos? Assim, descaracterizado o “fradinho” como alimento perene e limitado, a tudo passou a servir de matéria prima.
O cuidado mínimo e necessário que qualquer planta reclama, ao “fradinho” não era lembrado; ao contrário, em lugar de adubo recebia lixo não reciclável e sufocador do ambiente que devia servir de base para a força da raiz; constantemente, por descuido era pisado e sequer uma pequena tala lhe era colocada para solidificação do galho partido. Quando, por negligência da cozinheira, secava a água do cozimento e alguns grãos eram queimados, repetia-se, sob outra forma, o que a fábula continha. Na fábula, quando a mãe de João constatou que ele trocara a única vaca, que servia de base alimentar, por alguns grãos mágicos de feijão, imediatamente o menino João foi censurado porque trocara o único bem de valor por porcaria de alguns grãos de feijão, conforme fora dito pela mesma mãe. Pois bem, quando se queimava, na cozinha, também a ele a cozinheira se referia como sendo porcaria de feijão, nunca negligência da cozinheira.
Chegou-se ao absurdo de criticar a natureza no momento em que a pessoa mais responsável pelos cuidados da planta reclamou do trabalho de secagem e da abertura das vagens para separação dos grãos. Queria que estes nascessem pendurados e prontos para o consumo. A reclamação era a mesma: - Porcaria de feijão.
Houvesse possibilidade de se traçar um quadro de proporções, entre a qualidade da produção e o grau de consideração pelo produto, certo é que a consideração de qualidade era superior enquanto a de amor ao produto inferior.
Alguém, certa feita, tentou encontrar explicação para o fenômeno produtivo e qualitativo da planta, sempre elogiado por estranhos e desconsiderado por quem dele se servia. Evidentemente não se logrou explicação; aliás, como explicar o pensamento de que a planta de feijão não podia ser admirada ou elogiada, ou até mesmo imitada por quem não pertencia à família? Como exigir exclusividade até nos elogios? Assinale-se; nunca foram feitos elogios com sinceridade pela família.
No cenário do isolamento, a ninguém era dado o poder de impedir que as gotas transparentes de chuva banhassem, com pureza, as folhas verdes; que a luz do sol, com sua força energética, provocasse a produção de clorofila e fortalecesse as vagens em cujo interior estavam os preciosos grãos. Graças ao mimo da natureza esta parecia em tudo premiar o pé de feijão incentivando-o a produzir cada vez mais e melhor, ainda que com sacrifício de suas limitações vegetais. No seu íntimo o pé de feijão sentia-se gratificado pelo amor da mãe natureza.
Dificilmente terminava um dia sem que, em algum momento, alguém da família ferisse o pé de feijão. Tinha-se mesmo a impressão de que se combinara um revezamento; quando não era A era B ou C e assim ficava o “fradinho” à mercê dos humores pessoais de cada um. Era pisoteado, era alvo do lançamento de pedras, via de regra servia de chacota por causa do cenário que as vagens penduradas formavam e que, propositalmente, antes mesmo da época da colheita eram retiradas sem qualquer justificativa plausível.
Em momento algum houve unanimidade a respeito das qualidades, da produtividade, da força com a qual “fradinho” lutava para cumprir sua missão provedora. Se, porventura, alguém reconhecesse uma qualidade, outrem, sem cerimônia, atacava o reconhecimento, sob o argumento de que tudo era exagero. De fato, se a planta dependesse de estímulo sincero, de carinho descompromissado ou de solidariedade dos beneficiários, já teria sucumbido de há muito. O pior era que na hipótese de uma terceira pessoa vir a elogiar as qualidades e produtividade da planta, instalava-se ciúme doentio dentre os membros da família, ciúme esse que não tinha limites, visto que tantas vezes feriu de morte os galhos mais preciosos da abençoada leguminosa.
O tempo passou e todos envelheceram ou se tornaram adultos, sendo certo que o pé de feijão era o mais velho e ainda produzia a contento as sementes mágicas da melhor qualidade, sem importar-se com as intempéries da vida ou a situação de estorvo que aparentava existir no meio em que florescera.
Certa feita, do vegetal se aproximou um beija-flor e ao sentir suavemente o néctar da flor rósea, anunciadora de uma vagem, ouviu um suspiro profundo, vindo da alma do pé de feijão, ao que perguntou:
- Porque a profunda tristeza se você é uma planta bastante produtiva, apesar de sua idade?
- Temo, - respondeu a planta – por aqueles que dos grãos se alimentam, porque, além da minha espécie nada mais têm disponível!...
- Mas – ponderou a ave – não cuidaram de garantir reservas nem projetaram alternativas viáveis para o futuro? Afinal você já é muito idoso!
- Não – respondeu o “fradinho”. – Se bem me parece sequer percebem que minha capacidade produtiva diminui a cada dia e mais difícil fica transformar clorofila em frutos sadios...!
- Mas tudo isso é natural, caro pé de feijão. - No momento em que minguar sua produção – ponderou o beija-flor – ou for sua raiz retirada da terra, por não mais servir de base, cada um dos afetados cuidará de si! - Quanto às suas qualidades, então já desaparecidas, somente restará lembranças e, quiçá, saudade!
O pé de feijão não necessitava de ouvir a parte final do diálogo, porque sabia que dos grãos que produzira, nenhum fora guardado como reserva de futuro plantio ou mesmo em homenagem a quem fora em vida. O beija-flor, de sua parte, nunca soube que a gotícula que estava depositada no néctar da flor e que fora por ele retirada suavemente para se acomodar em outra planta, distante, na verdade era uma lágrima. A flor distante era uma rosa e sabe-se quão feliz ela ficou com a vinda do líquido precioso. Enfim o pé de feijão fora homenageado da forma a mais bela possível.....e pela natureza Divina. Quanto ao pé de feijão, depois de esgotadas as forças, secou completamente e, como não havia mais sementes mágicas guardadas, não foi sucedido por outro da mesma espécie e qualidade.