AMOR IMPOSSÍVEL

AMOR IMPOSSÍVEL

O dia da quermesse raiou com graça e força, com plenas promessas de luz. Tudo era canto, as melodias do encanto; tudo era alegria; tudo era feito de fogos de artifício que coloriam um céu azul desde a aurora. Os pássaros, a princípio assustados, acostumaram-se ao estardalhaço dos homens e uniram suas vozes ao coral de alegorias dos seres humanos. E com o sol nascente as primeiras caravanas achegaram-se ao local da festa. Às oito horas foi realizado um culto de agradecimento a Deus, suplicando-lhe suas bênçãos, pedindo que permita a presença dos espíritos benignos em proteção dos festejos e dos encarnados que festejavam.

Tudo isso acontecia em algum lugar dos vastos interiores brasileiros. As épicas quermesses fazem parte do folclore e são festejadas quase sempre em honra a algum Santo religioso. Santo Antônio era o padroeiro do município e em sua homenagem os festeiros organizaram a mais calorosa e concorrida quermesse já feita em toda sua história naqueles ermos.

Depois do culto, o povo diluiu-se entre mesas e barracas e, entre um beliscar de quitutes e o beberricar de alguma bebida, o alegre, descontraído e sadio alvoroço que lhes ia na alma, irradiava risos e felicidade mútuos, contagiando a todos os presentes, configurando a algazarra do clima das festas do interior.

A música? Foi e será sempre – a típica e amada bandinha de metais – com aceitação plena de uma sociedade cooperativada nos alicerces de uma comunidade ordeira, laboriosamente ativa na cumplicidade dos lavores das lides do campo.

Eduardo era desse meio e afeito ao clima na ordem de suas emoções. Naquela noite, dias após a quermesse, ao final de mais um dia estafante nas lides da sobrevivência, tomou um banho gotooso, jantou e foi para a cama. O quarto e os móveis ainda eram os mesmos do tempo em que fora casado e ficara viúvo. Não que tivesse esquecido a primeira esposa, pois que sua alma unira-se a ela durante trinta e sete anos e se amaram muito. Mas... ficara no passado. Uma nova realidade passou a existir. E essa realidade veio... em forma de olhos verdes, caráter impecável, espiritualidade acentuada e muito carinho na comunicação. . Quando se deitou, mal acabara de encostar a cabeça no travesseiro ... e já estava dormindo. Eduardo acordou com sensação de grande alegria e, ao mesmo tempo, uma leve tristeza no coração. Já totalmente acordado, sentou-se na cama e lembrou do sonho. Um sonho tão nítido que parecia que, de fato, aquilo acontecia naquele instante.

Naquele sonho, desenvolvia-se a festa em pleno lazer e alegria. Homens indo; mulheres vindo; os falatórios pertinentes e a música fluindo em altos decibéis. Eram mais ou menos onze horas e os retardatários dirigiam-se para o local das carnes para garantir seu almoço. Em sua tenda, Eduardo esperava seus próprios clientes para vender seus quitutes, com ambas as mãos apoiadas no balcão. Quando levantou a cabeça, viu com muito prazer na frente do balcão a Ane. Atrás dela, com um dedinho na boca, estava a filha, uma menina loirinha e tímida como a mãe, embora na sua pouca idade, oito a dez anos, fosse serelepe nos folguedos.

Ela, a mãe, era uma mulher que cedo optou pelo divórcio. Tinha uma filha para criar e, com as constantes traições e consequentes discussões do casal, essa missão seria sumamente mais difícil, na opinião dela. Mas havia “pecados pós divórcio” que constantemente lhe afluíam ao consciente... e a condenavam. Foram tantas as mágoas deixadas na sua vida a dois que amiúde lhe afloravam aos lábios, criticas ao ex-marido, em conversa com a filha, quando o assunto era o pai. Embora seus sonhos estivessem povoados de doces beijos de amor, sua razão não lhe permitia unir-se a outro homem, ainda que sentisse forte atração emocional por Eduardo.

Vendo a mimosa mãozinha da fada dos seus sonhos pousada sobre o balcão, de leve e carinhosamente, pousou sua mão esquerda sobre ela. Seus olhos se encontraram e dialogaram meigos sussurros de amor. Ao cabo de longos segundos desse enlevo, sem retirar sua mãozinha, Ane disse com voz embargada pela emoção do momento:

– Eduardo, eu precisava ir para casa preparar o almoço para nós, já que o trabalho que cabia realizar à minha equipe está praticamente concluído. Será que há essa possibilidade?

– Mas é muito longe. Quem sabe esperas um pouco e vais comigo almoçar com a minha família?

– Não carece, uma vez que à tarde não volto. Vou aproveitar para fazer o trabalho lá de casa, que está atrasado.

Mas o Eduardo tanto insistiu que ela e a filha resolveram ficar. Na hora azada, subiram para a casa dos pais do rapaz, onde a mãe já os esperava com uma comida caseira, bem temperada e saborosa como só ela sabia fazer. Após o almoço, mãe e filha despediram-se da família, agradecidas e foram para casa. Eduardo esperava-as na porta e... quando iam se despedir.... acordou.

Amanhecia. O moço levantou-se, foi fazer as tarefas que lhe cabiam nas lides com os animais, tomou um café pensativo... e foi para a roça. Enquanto trabalhava... e isso ao longo do dia, não parou de pensar naquele sonho... e na Ane, não conseguido decifrá-lo. Sabia, ou melhor, sentia que era com relação à mulher que amava no silêncio do seu coração, pois nunca. se animara a confessar para Ane a sua grande admiração e paixão que sentia por ela. Parou de mais cedo de trabalhar. Foi para casa, tomou um banho refrescante, encilhou o cavalo e dirigiu-se para a casa dela. Ane assustou-se um pouco vendo seu visinho chegando. Ele apeou e a cumprimentou, dizendo logo a que veio. Contou-lhe do sonho da noite anterior; falou do grande amor que sentia por ela. A mulher olhou-o fundo nos olhos com os seus alagados com as lágrimas que lhe vertiam da alma. Pediu-lhe carinhosamente que sentassem no banco perto deles e, à sobra amena de uma árvore, colocou-o a par de todo o seu drama, que segundo ela, não tinha solução... e abraçaram-se soluçando. Foi o primeiro e o derradeiro abraço de um amor fadado a nascer sem vida.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 06/07/2010
Reeditado em 07/07/2010
Código do texto: T2361760
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