Náufragos

De criança, fiz um pacto com Deus. E parece que Deus não recusa um acordo proposto por uma criança: Ele simplesmente o aceita, sabendo que um dia voltarão a conversar.

Foi assim comigo. Pedi que Ele me desse forças para enfrentar as dificuldades da vida, dificuldades com as quais eu sentia que meus pais não conseguiam lidar; eu haveria de ser capaz de cuidar de mim mesmo e dos que eu viesse a amar. Cultivaria valores nobres que iluminariam toda a minha vida, uma vida que seria de paz e serenidade.

Hoje, dou-me conta de estar perdido. E levei anos para constatar minha perdição.

Naquela época, quando conheci Maria Luiza, eu era um náufrago não sabido, que se agarrava a troncos de árvores que flutuavam nas águas obscuras e turbulentas de um mundo cheio de perigos e temores. Seria injusto acusar Maria Luiza de abandono e indiferença: ela apenas estava lá, disponível para ser salva, justamente por mim, um náufrago! Não é justo acusá-la. Meu naufrágio já vinha desde muito antes, desde quando procurei por Deus.

Maria Luiza, outra náufraga, nutria a estranha ideia de que sua vida se extinguiria com uma doença incurável. Nada do que fizesse poderia alterar o seu destino; portanto, nada fazia muito sentido, nem mesmo o curso universitário que ambos fazíamos. Caberia a mim convencê-la do contrário. Essa missão estava à altura de meu heroísmo e da unção conferida a mim pelo Santo Acordo: ela precisava ser salva e eu ansiava profundamente por salvá-la. Juntos, concluímos a Politécnica, ela amparada por mim, eu cumpridor de meu destino.

Hoje, sinto-me sobrecarregado, exaurido. Explorado, é uma palavra melhor! Maria Luiza não move uma palha, nunca se profissionalizou, diz que cumpriu com seu papel de mãe e de dona de casa. De mãe, vá lá, ela o fez, embora houvesse dias em que eu saía para trabalhar e ela com as meninas já adolescentes dormiam até o meio-dia; naquela casa a vida começava após o almoço – se é que aquilo podia ser chamado de almoço! – quando as crianças iam para a escola. E eu trabalhava duro o dia inteiro.

Tentei, inúmeras vezes, incentivá-la a conseguir um emprego, algo que a motivasse. Em vão! Em nossas discussões ela diz que eu somente sei cobrá-la e diminuí-la. Falhei no cumprimento de minha missão. Nenhum dos dois se salvou. Resta o cansaço: meu e dela.