MEU AMOR NO ALÉM *
O dia era sem dúvida alguma o mais frio do ano. O termômetro da sala marcava três graus, e a umidade relativa do ar beirava os 90%. Mariana escovava os dentes no lavabo, quando a campainha tocou a primeira vez. Sem poder falar por estar com a boca cheia de pasta dentifrícia, acelerou um pouquinho o vai e vem da escova e pegando a toalha, após gargarejar, procurou secar o rosto, enquanto o som da campainha se fazia ouvir novamente. Incontinente gritou:
- Já estou indo, um momentinho...
Ao abrir a porta levou um choque, surpresa e com receio, pois pela pressa não havia visto no olho-mágico; se o tivesse feito seria bem provável que não abrisse a porta. Milhares de pensamentos passaram em alta velocidade por sua cabeça, que ainda estava com os cabelos úmidos.
Mariana havia aprendido com seu querido Carlos, companheiro de tantos anos; mas recentemente desencarnado,-e que a tinha deixado inesperadamente após um acidente rodoviário- que ela não deveria perder, em hipótese alguma, o controle emocional frente a qualquer situação, fosse ela a mais estranha que pudesse parecer.
Passado o susto inicial, perguntou ao ensanguentado jovem que se encontrava em sua porta e havia tocado com tanta insistência a campainha:
- ... O que houve meu filho ? Meu Deus, o que lhe aconteceu ? Eu já me preparava para sair, pois meu esposo foi buscar o carro no estacionamento da esquina mentiu Marina, meio perturbada com o que estava vendo.
- Senhora, por favor, desculpe-me incomodá-la, mas eu fui assaltado. Roubaram tudo o que eu tinha, me deixaram quase nu e me deram uma pancada na cabeça, de tal maneira que não lembro o meu nome, nem de onde vim, ou para onde ia. Será que a Senhora pode me ajudar?
Procurando não demonstrar nervosismo, Mariana pegou o jovem pelo braço e ajudou-o a entrar pelo portão da garagem , tal era o estado em que ele se encontrava. O corpo sujo de sangue dava-lhe um aspecto deprimente. Ao pisar no chão, ficava a marca da pegada, e Mariana sabia que a empregada só voltaria na sexta-feira seguinte e como era segunda, tratou de evitar sujar a sala. Levou o jovem ao banheiro, trouxe-lhe uma toalha e abriu o chuveiro, deixando-o ali enquanto ia providenciar umas roupas do seu querido Carlos, que por coincidência, tinha o mesmo porte do jovem . Enquanto ele tomava banho, Mariana ligava para o 190 comunicando o ocorrido e ouvindo do plantonista que não havia viatura no momento por estarem atendendo a um assalto, com reféns, em um bairro distante, mas mandaria assim que fosse possível . Mariana agradeceu, desligou o telefone e foi levar a roupa para o jovem. Enquanto aguardava a policia, viu o jovem sair do banheiro, já vestido mas com a toalha sobre a cabeça, mais especificamente sobre o corte superficial que havia pego uma pequena artéria. Buscou a malinha de primeiros socorros e tratou de fazer um curativo. Enquanto colocava uma gaze no ferimento, notou que o jovem havia desmaiado. Quando ia encostar-lhe a cabeça na almofada da cadeira de balanço, ouviu a voz de alguém que jamais imaginaria ouvir novamente; era a voz de Carlos e ela saia da boca do jovem ferido:
- Olá querida, sou eu,...por favor não te assustes. Eu, só vim dizer que estou bem, te amo muito, e que me orgulho de ti e da tua coragem. Reza por mim, é só o que te peço, este jovem está bem, ele é o nosso sobrinho, filho do Jonas, meu irmão que não conheces, e quando acordar vai te contar porque veio. Não tenhas pressa de vir pra junto a mim, pois o tempo aqui não conta e temos a eternidade...te espero!
O silencio foi lindo, e só foi rompido, pela voz do jovem Ricardo, dizendo:
- Oi tia Mariana, lembra de mim, eu sou o Ricardo, filho do Jonas, vinha vindo te visitar, pois pedi a meu pai, quando chegamos ontem da Colômbia, para vir aqui te conhecer pessoalmente. Eu, tinha o teu retrato e do tio Carlos, mas quando fui perguntar à dois homens, onde ficava tua rua, lembro-me apenas da dor que senti na cabeça. Podes me dizer como cheguei aqui?
Mariana olhou a foto do seu querido Carlos, sorrindo, e terminou o curativo na cabeça do Ricardinho. Pegou o telefone, e ligou para o celular do cunhado, cujo número o sobrinho lhe disserá . Enquanto isso, ouvia o som da sirene e o barulho de freada do carro da policia em frente a casa.
* Um conto do Espírito Alfa