Quem ama protege
De repente a luz se apaga. Isso acontece com freqüência, aqui no bairro onde moro. Logo hoje, que era o último capítulo da minha novela preferida! Está tudo escuro e não encontro uma vela. Não gosto de escuridão, ainda mais porque estou sozinha em casa. Lá fora, o luar dá um banho de prata nas ruas, cujas residências estão de portas fechadas. São nove horas. Vou para o jardim, até que a luz elétrica retorne.
Meu jardim é o recanto onde desprendo uma boa parte de zelo e dedicação, a fim de torná-lo atraente, pois as flores sempre ocuparam um lugar especial na minha vida. Elas estão ali, lindas e variadas, oferecendo-me o seu perfume agradável, como a dizer: Você não está só. Estamos aqui.
Ponho uma cadeira de balanço sob um lindo pé de boquevile vermelho, de frente para o nascente onde a branca lua, deslumbrante e majestosa, exibe todo o seu poder de sedução e magia, transformando tudo em prata.
Nesta harmoniosa interação, uma paz celestial invade-me a alma, e a suavidade do luar proporciona-me uma doce letargia. Fecho os olhos e, de repente, escuto as vozes de meus pais. Sentados no chão, pertinho de mim e coladinhos um no outro, como jamais tinha visto. Conversam muito baixinho, mas percebo que vieram para me proteger. Um clima de felicidade envolve-me naquele momento. Tudo é muito real: Meu pai, sempre bem vestido, sério, introspectivo; minha mãe, com o olhar meigo e o constante sorriso nos lábios, escuta mais do que fala. Um diálogo quase imperceptível. Dá para concluir que estão felizes. Tudo acontece ao mesmo tempo: o luar divino, o aconchego das flores e o bate-papo gostoso de pessoas tão importantes e queridas da minha vida. Sei que não estou sonhando porque não estou dormindo. Este instante de paz fez-me esquecer o escuro, a novela, tudo o que me perturbava antes.
Um toque no portão me desperta do leve torpor. É meu filho Pablo que está de volta da faculdade. Admirado de me ver ali, pergunta:
_ Mãe, ainda acordada? Por que está aqui no jardim? Não tem medo?
_ A luz se apagou e não gosto de estar no escuro, respondi.
_ Já são onze horas, e a senhora sozinha...
_ Não. Papai e mamãe estavam aqui conversando, perto de mim.
_ O que é isso? A senhora está blefando. O vovô e a vovó não já morreram?
Retomando minhas condições normais, dou-me conta de que não há ninguém além de nós dois. Somente a beleza de um lindo jardim prateado.
O luar trouxera para mim o melhor presente, que eu jamais poderia imaginar, que fosse receber, um dia.
Maria de Jesus. Fortaleza-ce.