Toda forma de amor.

José - bem sucedido juiz de direito havia conquistado tudo o que queria na vida, agora se vangloriava a cada manhã com a vida que Deus lhe dera. Era a hora de jogar a matinal partida de futebol.

Era sempre a primeira partida do dia se iniciava às seis da manhã e continha todo o tipo de gente desde os pescadores, vendedores de picolé, empresários, aposentados, estrangeiros etc...

Todos os dias ele fazia questão de jogar a sua bolinha para depois então se dirigir novamente a sua casa para tomar o café da manhã e começar o dia.

Nos finais de semana costumava pegar ondas na praia e quando isto não era possível, o fazia durante a semana nos finais de tarde, quando a praia estava mais vazia e a maré cheia.

Durante os finais de semana costumava também sair da cidade e visitar outros locais no litoral, algumas vezes chegava a dormir nos locais mais tranqüilos em que se hospedava.

Costumava andar pela praia durante as manhãs. Eram caminhadas longas que se iniciavam antes do sol nascer, e terminavam antes da hora do almoço.

Conversando com a população local obtinha respostas para todas as suas dúvidas e soluções para os seus problemas. Admirava a sabedoria que vinha das pessoas mais simples.

E o dia transcorria, assim como o vento passava pela enseada, nada mais fazia sentido no mundo comum.

Aquela era mais uma manhã comum, José passeava pela enseada da praia do Futuro, quando percebeu que estava sendo seguido por um vulto escuro, então se virou para ver do que se tratava e se deparou com aquela moça linda.

Era morena de cabelos lisos e longos e pele escura, sorriso de dentes brancos, e que não piscou nem uma vez quando foi por ele interpelado visualmente.

Ela sorriu e disse algo que ele não entendeu, ele então a seguiu para dentro da água do mar, até o local em que ela parou na área aonde as ondas quebravam, e ali tudo começou.

Correram entre risos e saltos até alcançarem o ponto de quebra das ondas, no mar azul de Fortaleza.

Sorriam e brincavam, Como crianças pulavam as ondas se jogavam contra elas, riam um para o outro , vez em quando, um deles era levado pela maré, então retornava sorrindo com orgulho do empreendimento ousado, quanto mais se aproximavam menos conversavam e ela cada vez mais se ria.

Eram gargalhadas infantis e instintivas, como o desabrochar das flores em meio a floresta densa, a natureza era latente. José notara que a moça era de classe pobre e que não tinha recursos, mas se impressionou com sua riqueza de espírito, e capacidade de entrega ao momento .A moça ria e ria e se entregava ao momento de corpo e espírito.

Brincava como uma criança, mesmo aparentando ter uns dezenove anos, agia como uma criança e a cada momento ele ficava impressionado com a sua ausência de medo da vida, dos sentimentos naturais.

Era linda a abertura ao sol sem se importar com as conseqüências, era como se fizesse parte do cenário, e nada pudesse mudar o momento de nascer e o de morrer que já vinha escrito e que fazia parte da vida.

Era literalmente como uma flor, uma pureza que o mundo ainda não corrompera, e que o deserto da indiferença e do desprezo, ainda não chamara para si.

Era a própria manifestação de Deus , em suas obras mais belas, e o jovem juiz ali estava impressionado, embasbacado com aquilo - algo que tornava nula toda a sua cultura e todos os livros que lera em toda a sua vida.

Ele amou, amou como nunca amara antes, de todo o coração e de toda a sua sabedoria.

Retornando então de sua “viagem” José então percebeu que a moça tinha um acompanhante, como não podia deixar de ser - logo se armou, e permaneceu em sua atitude de sempre sério e desconfiado, pela semelhança de traços se tratava do irmão da moça.

Ele então se aproximou e sem nada dizer iniciou suas brincadeiras junto ao mar, como se estivesse em ritual totalmente pessoal, ele se soltou no mar e começou a nadar e a pegar ondas. O mar estava agitado, e fez com que se chocasse contra José.

Eles se entreolharam e então o rapaz iniciou uma gargalhada, olhando para a moça ela também riu.

Foi uma risada escrachada, alta, livre, solta, mas pura, sem mágoa, nem rancor, pura e sincera, o ato se repetiu e a moça também foi atingida pelo irmão, mais risadas.

E logo tudo se tornou festa. Eles brincavam no mar agitado se misturavam, se conheciam e nada fazia mais sentido apenas aquele momento.

E o jovem juiz ficou admirado com aquele povo, a forma de receber os estranhos, de aceitar as diferenças e amar, deixando que o mar e a natureza comandassem a festa, celebrando e adorando a natureza como a imagem do próprio Deus.

E logo anoiteceu, e José seguiu a moça enquanto esta ia saindo do mar, e ela apenas ria e se alegrava, ele falava mil coisas, pensava consigo mesmo: “ teria encontrado o amor da sua vida? ” mas não obtinha respostas, e logo entendeu que tudo se acabara ali da mesma forma linda como começara, a vida sendo celebrada sem compromissos, sem inseguranças, sem vaidades.

Reprimiu-se por estar querendo enquadrar aqueles belos momentos vividos em relações românticas, ou qualquer outra forma de amor pré-estabelecida, e viu que a vida é o amor em sua essência sem que haja padrões pré-existentes, mas sim ocorrências diversas que convergem para a pureza do coração.

Eles se foram e o jovem ficou a pensar enquanto o sol se punha. A natureza era a sabedoria maior, tudo aquilo fora uma forma de manifestação dos elementos da natureza.

Amou o mundo na forma em que Deus o fez, na forma em que aqueles seres evoluídos o mostraram, o mundo sem condições especiais, sem exigências, apenas o mundo na condição de seres divinos que como tudo vivem, envelhecem, morrem, sem medo, pois embalados pelo Deus maior, que os aguarda com os braços abertos.

Isaias João
Enviado por Isaias João em 07/06/2010
Código do texto: T2305060
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