O triste show de um palhaço

Eu sou dono de um circo, o Maximus Rei. Exercia também a posição de palhaço, o qual muito me orgulhava, uma vez que via o sorriso nos lábios de todos, ao final de cada apresentação que fazia.

Trabalhar no circo é um prazer mágico: ver a lona sendo estendida, o picadeiro armado, as cadeiras sendo postas em fileiras organizadas, os animais sendo alimentados e domados; tudo isso traz uma emoção indescritível.

Certo ano, levamos o circo a uma cidade do interior de São Paulo, chamada Cotovias. Uma cidade pequena, com cerca de 5.000 habitantes, daquelas cidades em que o coreto é o lugar de encontro de amantes apaixonados e de espetáculos de bandas em dias de festa.

Pois bem, montamos o circo, na periferia da cidade, em um lugar de fácil acesso a todos e esperamos ansiosos o dia de abertura dos portões, para ver as crianças chegarem com seus olhinhos brilhantes e seus sorrisos abertos, com suas mãozinhas dadas às de seus pais, olhando tudo ao redor, esperançosos para verem o espetáculo que iria começar.

Chegou o grande dia! Era um domingo de abril, sol a pino, um lindo dia que se encontrava no céu. Abriram-se os portões para todos os que aguardavam nos portões. A bilheteria estava cheia e minha alegria era suprema. Eu já me encontrava no trailler do circo, a me preparar para minha entrada. Maquiagem, peruca, chapéu, roupas largas e grandes sapatos.

O espetáculo correu muito bem, as cadeiras ficaram cheias, muita pipoca, amendoins, algodões-doces foram vendidos. Víamos os flashs de fotos que eram tirados a todo o tempo e filmagens que eram feitas.

Mas a surpresa maior aconteceu ao final da grande festa: quando as pessoas começaram a sair do circo, uma linda mulher se aproximou de mim: tinha os cabelos negros, cacheados, os olhos cor de mel: eu, com pintura de palhaço, ela com pintura de mulher. Começou a conversar comigo e seus olhos fitaram os meus com uma doçura que eu jamais tinha visto antes. Pediu-me para que saíssemos para darmos uma volta e eu relutei. Eu sabia que a vida dos artistas circenses era curta; em cada cidade não ficávamos mais de dois meses e eu não entendia o porquê daquela atração. Ela insistia para sairmos e eu disse que talvez algum dia...

Os dias foram se passando e aquela maravilhosa mulher, dos doces olhos, continuava a ir aos shows e ao final de cada um deles, me esperava na abertura da lona. A luz batia em seus cabelos e me fazia sonhar com coisas que jamais houvera pensado.

De tanto insistir, acabei cedendo aos apelos daquela misteriosa mulher e resolvi sair em sua companhia. Fomos ao coreto, onde nos sentamos e conversamos por horas a fio, sobre tudo o que era possível: ela me falou de sua vida naquela pequena e pacata cidade, eu falei sobre minha vida de rapaz itinerante, que não fincava pouso em lugar algum. Sua voz me fascinava, seus olhos meigos me tiravam a concentração. Eu estava realmente apaixonado por aquela pessoa maravilhosa!

Saímos mais e mais vezes e nossa relação foi se estreitando. Um certo dia, nos encontramos no trailler do circo, pois ela queria conhecer o mundo que era meu, e este mundo eu acabei dividindo com ela; transformei num espaço nosso, um espaço que nunca havia dividido com ninguém, agora tinha um doce perfume que pairava no ar.

Maravilhosos foram as tardes e as noites que passei ao lado daquela mulher, a quem me entreguei sem máscaras e sem pudor algum. Ela se entregou a mim, sem medo de um dia nos separarmos.

No entanto, chegou o dia de minha despedida. O circo começou a se desmanchar. Íamos embora no próximo domingo. As malas estavam prontas, o show deveria continuar em outro lugar. A alegria devia ser levada para outras cidades.

Chamei minha amada para embarcar comigo nessa vida mambembe e maravilhosa, mas ela se recusou. Disse-me que era para eu pensar que tudo não havia passado de um sonho, um belo sonho que se desmancha ao abrirmos nossos olhos.

No dia de minha partida, não avistei os olhos doces e meigos a me procurar. Ela não foi me ver saindo. Nosso trailler estava agora vazio, sem aquele perfume doce que um dia fez parte daquele lugar.

Hoje, encontro-me triste e sozinho. Não vejo outra mulher que possa substituir aquela que me enfeitiçou. Talvez um dia eu volte àquela cidade mágica onde encontrei minha amada e possamos retomar o amor que outrora vivemos. Talvez não...

Patricia Fabi
Enviado por Patricia Fabi em 04/06/2010
Código do texto: T2299237
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