AINDA PENSO EM VOCÊ, TE AMO

Um monitor de muitas polegadas exibe em sua tela várias letras sendo jogadas rapidamente em uma sala de bate-papo na internet. O apelido Guerreiro espacial, por sua facilidade em entreter, é um dos nomes mais comentados no chat. Entretanto, por trás do nome fictício está Narciso, que ao contrário do seu personagem, é tímido e medroso. O rapaz de 20 anos não tem muitos amigos, e os poucos que possuí, não faz questão nenhuma de zelar. Definitivamente Narciso é um rapaz infeliz, não que tivesse uma vida financeira ruim, mas seu coração gritava por um amor que nunca teve.

Maria, menina alegre de sorriso contagiante. Sua beleza entorpecia os olhos de todos por onde passava. Garota prendada que desde cedo precisou amadurecer rápido para conseguir seguir a vida. Quando ainda bebê, perdeu o pai num acidente de carro, e a partir de então seguiu lutando com sua mãe contra as dificuldades perenes do mundo. Mas Maria não se abalava, sempre tinha um sorriso no rosto para aqueles que precisavam. Certo dia, viajando por sites da internet, conheceu um chat que lhe pareceu interessante. Para esconder sua personalidade dócil, criou um nome fictício de Princesa terrível.

Maria, que completara 18 há pouco tempo, lentamente foi se encantando por um personagem no bate-papo que era destemido, sonhador, corajoso, brincalhão e dono de uma eloqüência invejável. A moça não resistiu, e iniciou uma conversa com o Guerreiro espacial:

Princesa_terrivel: oi

Guerreiro espacial: e aí!

Princesa_terrivel: de onde tc?

Guerreiro espacial: depende das suas intenções.

Princesa_terrivel: não tenho intenção nenhuma

Guerreiro espacial: então não vou dizer.

Princesa_terrivel: rs. Te odeio.

A conversa se prolongou. E todos os dias, sempre às 18hs os dois paravam tudo que estavam fazendo para entrar no chat. Às vezes nem se falavam muito, embora fosse visível que o motivo de continuarem entrando lá era a presença um do outro. Sempre com conversas cômicas que geralmente terminavam simplesmente com um “te odeio” por ambos os lados, Narciso e Maria foram se apaixonando. No próprio bate-papo, em meio a todas as pessoas, faziam questão de deixar claro o amor que sentiam um pelo outro. Só que quando o povo falava em amor virtual, exclamavam em uníssono: “-não, definitivamente isso não existe”.

Com o passar dos meses, Narciso não conseguia mais segurar o personagem insípido, e começava a demonstrar fraquezas nunca vistas. Maria não tinha o que esconder, e apesar de madura para a sua idade, seu amor era como o de uma criança. Narciso queria conhecê-la pessoalmente, entretanto Maria não se sentia preparada para isso. Apesar de amá-lo, precisava de um tempo, afinal moravam em lugares longínquos, e queria ter certeza de tudo antes de arriscar um amor assim.

Narciso definitivamente não aceitou. Enfureceu-se, disse o que não devia. Não pensou ao falar. Agiu como uma criança que não tem o que quer. E realmente foi isso que o rapaz aparentou ser, uma criança. Estava longe de viver o Guerreiro espacial que Maria se apaixonara. Ele simplesmente era narciso, nada mais que isso. Entre seu desespero e raiva, o pior aconteceu, fez Maria chorar e sair da internet. As lágrimas inocentes da moça se recusavam em aceitar que havia entregado seu coração a um rapaz que a tratava dessa forma frívola, que esquecera toda compreensão que a tinha encantado.

- Onde está o rapaz que em todo esse tempo cultivou rosas em meu coração? – pensava. Ela se convenceria mais tarde que ele nunca existiu.

No momento em que seu nickname desapareceu, Narciso estremeceu. Ele realmente não era um Guerreiro espacial, e nem mesmo um guerreiro qualquer. Não tinha muitas habilidades, não era tão extrovertido, e das poucas qualidades que possuía, a única que se destacava era a sensibilidade. Seu mundo havia desmoronado. Sua noite não tinha mais estrelas e sua vida monótona voltara a ser preto e branco. Não sabia o telefone de Maria; e não podia abraçá-la, beijá-la, e nem mesmo gritar seu nome, afinal ela estava longe. Provavelmente deitada aos prantos com seu coração sangrando. Narciso se amaldiçoou, queria a morte. Não conseguia aceitar o que havia feito. Lançou praga aos anjos, santos, demônios, pessoas e a tudo que pudesse imaginar. Deixou recados hostis contra todos em seu Orkut, facebook, twitter... Chorou durante toda a noite, e quando não parecia haver mais lágrimas, novas torrentes surgiam por seus olhos vazios.

Maria acordou cabisbaixa de manhã ainda com dores no peito, e percebeu que Narciso havia deixado uma mensagem em seu e-mail pessoal: ”Ainda penso em você, te amo” – Maria não deu muita atenção. Nunca acreditou em amor virtual, e sabia que com o tempo aquela sensação ruim de perda passaria.

O tempo passou, e Maria continuava a receber a mesma mensagem todos os dias no mesmo horário em que costumavam entrar no chat, às 18hs. Passaram-se dois anos, e a moça com 20 anos já estava morando em outra cidade quando enquanto mexia na internet, viu uma propaganda do antigo chat. Lembrou-se de Narciso, e por curiosidade, resolveu também abrir a caixa velha de mensagens. E lá estava o que já imaginava, durante os dois anos que se passaram as mensagens de Narciso, com os mesmos dizeres, chegavam sempre no horário: ”Ainda penso em você, te amo.”

Solteira, e sem mágoas no coração, resolveu mandar uma mensagem de volta. Esperou por semanas, e não obteve resposta. Entretanto, ainda assim recebia as mensagens diárias com os dizeres: ”Ainda penso em você, te amo.” – Não pensou muito. Lutou para lembrar onde o rapaz morava, estava decidida em lhe fazer uma visita. Afinal, apesar de tudo, tiveram muitas alegrias juntos.

- Bairro das laranjas, Idiópolis. – É isso, disse para si mesma. Lembrou-se de seu sobrenome, e encontrou-o na lista telefônica. Mas não ia ligar, preferia fazer uma surpresa.

Após algumas horas de viagem, enfim encontrou a casa. Não havia como esconder, estava visivelmente nervosa. A casa era bonita, um sobrado moderno. Tocou a campainha e esperou afoita.

- Pois não? – Soou uma voz de dentro.

- Oi, eu sou Maria, uma amiga antiga do Narciso, aí mora algum Narciso não é? – Perguntou. E um silêncio tomou conta do ambiente por uns 30 segundos.

- Espere um pouco querida. – Disse a senhora, que pelo barulho de chave, estava tentando abrir a porta. Maria estava ansiosa, sempre vira Narciso pela Webcam, mas pessoalmente sabia que seria diferente. Percebeu que seu coração voltara a acelerar, seu amor pelo rapaz parecia ter retornado tão forte como no passado.

- Sente-se, por favor – Disse a velha apontando o sofá. Maria percebeu um rapaz muito parecido com Narciso sentado do outro lado da sala com uma criança de colo e uma mulher ao seu lado. Uma tristeza tomou conta de seu coração.

- Querida, esse é Noel, irmão de Narciso, ele tem algo importante para lhe contar. – Falou a senhora que se retirou da sala. Maria estava confusa.

- Bom, vou direto ao assunto, não sabíamos quem era Maria, Narciso passou um ano falando seu nome para nós. Seu comportamento havia mudado, fez novos amigos, sorriu mais, e saiu de seu mundo vazio após te conhecer. Entretanto, não sei o que aconteceu que de repente o vazio voltou mais triste como uma doença, Narciso não se alimentava, não falava, e quase não respirava. – Dizia o irmão enquanto Maria batia os pés rapidamente no chão como sinal de inquietação.

- Ele teve leucemia, foi internado. Entretanto, mesmo fraco, passou seu e-mail e me fez prometer que te mandaria todos os dias uma mensagem que dizia que te amava, e que pensava em você.

- Eu posso visitá-lo no hospital? – Perguntou Maria nervosa.

- Na verdade ele morreu faz seis meses. Sabe, ele sempre acreditou que se conheceriam um dia, e quando percebeu que isso não seria possível, preparou esse CD pra caso você o procurarasse. – Disse passando-lhe o objeto

Maria agarrou com lágrimas nos olhos. A capa tinha a mensagem: ”Ainda penso em você, te amo.”

Abaixo a música que estava no cd:

http://www.youtube.com/watch?v=FxIVXfPslCE