O DOUTOR SAMPAIO QUER CASAR
Dr. Sampaio era um solteirão inveterado.
Todas as manhãs acordava com a campainha e ia, ainda de pijama, abrir a porta para Jovita, a empregada.
Enquanto a mocinha passava o café ele preparava-se para mais um dia de trabalho no seu consultório veterinário.
Por volta do meio dia Jovita passava pelo consultório e lhe entregava a chave da casa. Estava encerrado o seu trabalho daquele dia
- Deixei uma surpresa para o senhor.
Sampaio agradecia.
Ela fora contratada para limpar a casa e lavar a roupa, mas sempre deixava um agrado para o patrão a quem muito estimava um bolo de fubá, biscoitos de polvilho ou arroz doce, guloseimas que ela sabia o quanto o agradavam.
Já beirando os cinqüenta anos, os amigos de juventude casados há muito tempo, com filhos crescidos, alguns até vovôs, continuavam amigos, mas não eram mais companheiros de noitadas e o Sampaio, de repente, tomou consciência de que já não era o mesmo.
Começou a sentir-se muito só na sua condição de homem livre, independente, sem amarras, a achar falta de uma companheira com quem dividir os seus bons e maus momentos e filhos que lhe perpetuassem o nome e quebrassem a rotina.
E foi então que a possibilidade de vir a casar-se começou a se esboçar.
Mas, casar-se com quem?
Ultimamente andava muito caseiro, pouco freqüentava a sociedade e as mulheres com quem se relacionava não eram o tipo de mulher que ele desejava para esposa.
O antigo galã que poderia ter escolhido uma namorada entre as mais belas e prendadas garotas, agora estava sentindo-se tímido, desajeitado.
Onde encontrar uma mulher dentro dos moldes que criara? Idade entre trinta e quarenta anos, bonita, bem educada, culta e, sobretudo, de moral ilibada.
E, foi então que teve uma idéia.
Foi até a Agência do Correio e alugou uma caixa postal.
- Eu quero o mais absoluto segredo. Ninguém deve saber que a caixa postal 108 me pertence.
- Não se preocupe, doutor, tudo que se refere a nossos usuários é mantido em sigilo. Não podemos dar qualquer informação. Está no regulamento.
Quem assim dizia era a Adalgiza, uma moça sorridente que inspirou logo a simpatia do Sampaio.
Saindo do Correio, passou pela redação do jornal local e mandou colocar um anuncio: "Homem de cinqüenta anos, solteiro, culto, boa situação financeira, procura moça de trinta a quarenta anos para compromisso sério.
Correspondência para caixa postal 108.
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No dia seguinte, quando desceu para o café, Jovita estava com o jornal na mão e exclamou assim que o viu:
- Veja só, doutor, um cara procurando namorada!
Fazendo um esforço tremendo para não demonstrar maior interesse, respondeu:
- É?
- Cinqüenta anos, bem colocado, querendo casar... Eu acho que vou responder esse anuncio, o que o senhor acha? Será que daria certo?
- Não sei. Só experimentando.
O diálogo com a Jovina o incomodou, sentiu-se meio ridículo, mas, já que tinha inventado essa história, aguardaria agora o resultado.
Mais tarde, no consultório, Cássio, um amigo que veio trazer o cachorro para uma consulta, perguntou:
- Você viu o anuncio no jornal do cinquentão procurando mulher para se casar?
Fingindo indiferença, respondeu:
- Vi, sim. A Jovita disse que vai responder o anuncio. Imagine!
Clarita, sua auxiliar, com seus quarenta e muitos anos, gorda, cabelos pintados e boca pintada de vermelho-violeta aparteou:
- Eu prefiro morrer solteira a aceitar um marido tão idiota.
-Viu Sampaio, no que dá querer resistir aos encantos femininos?
Acaba-se matando cachorro a grito.
O veterinário sentia-se cada vez pior.
Por que insistiam tanto nesse assunto?
Já começava a arrepender-se de sua iniciativa, antes mesmo de começarem a chegar as cartas das interessadas.
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No dia seguinte foi logo cedo ao Correio para ver se já havia alguma carta.
Como se estivesse fazendo algo condenável, olhou para os lados para certificar-se de que não havia nenhum conhecido por ali e dirigiu-se, ansioso, a Caixa Postal 108 abrindo-a com a mão trêmula.
Havia uma carta que ele enfiou às pressas no bolso.
Já ia sair quando a Adalgiza o chamou:
- E, então, doutor, já começaram a chegar as cartas?
Ela tinha lido o anuncio no jornal e já sabia por que ele alugara a caixa e pedira segredo com tanto empenho.
Estava divertindo-se com o caso e disposta a acompanhar o desenrolar dos fatos.
Sampaio chegou até o guichê e, sem saber bem por que, se abriu com ela.
Falou de seu interesse em encontrar uma noiva através das cartas.
Afinal ela era a única pessoa, por enquanto, que estava sabendo de tudo.
- O que você acha de minha idéia? Será que vai dar certo?
- Pode ser, mas você pode esperar muita brincadeira, muita carta de mulheres encalhadas, (sabe-se lá por que) e interesseiras à procura de um bom partido.
- Não tem importância. Se no meio de tudo isso houver uma carta de alguém interessante ficarei satisfeito. Afinal eu preciso só de “uma” namorada.
- Você vai ver só quantas propostas vai receber. O difícil vai ser escolher uma dentre tantas.
- Tomara!
- Vou torcer por você
- Obrigado.
A primeira carta decepcionou o Sampaio, era de uma mulher desquitada de 54 anos que garantia aparentar muito menos,
Mandou uma resposta breve, agradecendo e dizendo que não interessava.
Nos dias subseqüentes a correspondência aumentou tanto que ele desistiu de responder uma a uma.
Como Adalgisa previra, havia muita brincadeira e, mesmo as que lhe pareciam mais sérias causavam certo temor de estar sendo enganado.
Todos os dias comentava com a Adalgisa os últimos lances e os dois divertiam-se com as histórias que apareciam.
-Você ainda não respondeu para ninguém?
- Não. Quero escolher bem.
- Pois eu acho que devia responder todas. Depois você vai selecionando as melhores...
- Que é isso? Você pensa que não tenho nada mais para fazer?
Riram.
- Sabe que eu achei a sua idéia, no mínimo, divertida? Acho que também vou alugar uma caixa para mim...
Agora eram os dois a trocar confidências, comentar as cartas mais interessantes e caçoar um do outro.
- Você ainda vai acabar casando com aquela cabeleireira meio gordinha. Tive a impressão de que ela mexeu com você.
- Nada disso. Vou responder a carta daquela que disse que recebeu uma herança. Pelo menos é rica.
- De repente a herança é a vigésima parte de uma casa que vale dez mil!
- Você devia escrever para o Elesbão. Ele disse que é rico.
- Ele deve estar mentindo. Vá ver que é um “serviços gerais” desempregado
E o tempo ia passando, as cartas chegando e os dois solteirões esperando os principescos consortes, ou, para ser mais brega, as tampas das panelas.
- Eu acho que sou uma frigideira. Nunca encontrarei uma tampa, diz a Adalgisa num repente de desânimo.
- Pois eu sou um príncipe cavalgando um magnífico cavalo branco e vou encontrar uma princesa encantada.
Riam divertidos com as brincadeiras, mas no fundo os dois sentiam-se meio constrangidos, na sua idade, agindo como adolescentes.
Bem, podia ser até que não arranjassem casamento, mas que estavam se divertindo, estavam.
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Chegaram as férias do Dr. Sampaio.
Todos os anos ele tirava quinze dias para pescar com o amigo Eleutério e este não deveria ser diferente.
Ficou um tanto surpreso quando viu que a esposa do amigo e uma prima iriam com eles.
Como que se desculpando da alteração do programa, Eleutério disse que elas iam só aproveitar a condução e ficariam em um balneário próximo do local da pescaria.
Sampaio percebeu logo que o Eleutério e a esposa estavam querendo empurrar a prima solteirona em cima dele e ficou meio irritado, a começo, mas logo começou a achar divertida a situação. Afinal, um namorinho inconseqüente não faz mal a ninguém.
Quando chegaram ao destino, depois de uma longa viagem, já haviam conversado muito, e ele estava encantado com a prima Juliana que já apelidara de Juju.
Ninguém mais falou em balneário e os quatro foram juntos à pescaria que, no fim, resumiu-se a longos passeios de barco, peixada saboreada a bordo e noitadas em barzinhos, tomando chope, ouvindo música e dançando até de madrugada.
Os dias passaram rápidos demais
Sampaio comentou com a Juju
- Que pena que os bons momentos tenham fim!
- É mesmo! Eu queria que o tempo parasse e a gente continuasse assim, juntinhos, o resto da vida.
- Parar o tempo, a gente não pode, mas ficar juntos o resto da vida, sim, Quer casar-se comigo?
- Casar? Já? Estou surpresa!
Juliana fingia indecisão para não parecer ansiosa, mas o Sampaio era suficientemente experiente para saber que ela estava tão apaixonada quanto ele.
- Vamos marcar a data, preparar a festa, fazer as participações, tudo nos conformes.
Adalgiza sorri quando Sampaio aproxima-se do seu guichê:
- Olá, doutor, como foi de férias? Trouxe muito peixe?
- Peixe? Ah, sim... Isto é... não pescamos quase nada...
- Que pena! Mas valeu pelo passeio e pelo descanso, não?
- Oh! Sim! Com certeza! E você, como está?
- Muito bem! Tenho uma novidade para contar
- Que coincidência! Eu também tenho uma novidade...
- Então, conte.
- Você primeiro.
- Arranjei um namorado. Ele me escreveu, eu respondi, marcamos um encontro, nos apaixonamos, acho que vamos casar.
Acredita que em quinze dias aconteceu tudo isso?
- Acredito. Para mim também aconteceu algo inacreditável.
- Então conte logo que estou morrendo de curiosidade
- Meu amigo levou a esposa e a prima à
pescaria............................................ Pode cancelar a minha assinatura da caixa 108. Não vou precisar mais dela.