O Amor
A Caixa Econômica Federal estava apinhada de gente. Peguei uma senha e sentei na segunda cadeira atrás de duas jovens esbeltas – uma perfeitamente loira, a outra magnificamente morena. Não gosto de perder tempo, por isso levei o livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad, para ler. Eu estava compenetrado na leitura do jeito que você sabe, exímio leitor. De repente, as palavras do livro começaram a se misturar com as palavras das jovens à minha frente. Não pude continuar lendo. Aquele assunto supérfluo e alheio, aos poucos, foi-se tornando um diálogo de deusas vestidas à moda atual.
– Eu terminei com o Júlio há quinze dias – informou a loira, com desdém.
– Eu não sabia – explicou a morena.
A loira, muito realista, disse:
– Ele é muito conformado com aquilo que é – um nada.
Ao ouvir isso, fiquei aturdido. Nem vou escrever o que pensei sobre o amor naquele momento; nem vou descrever meu aborrecimento e o gesto de negatividade que fiz com a cabeça.
– O cara não tem carteira de habilitação (carro), não fez faculdade... – prosseguiu a loira.
Eu não vi o rosto da jovem morena naquele instante, mas percebi que as frases da loira a deixaram estática, pois ela não esboçou reação por alguns segundos.
– Eu te entendo – foi o que a morena respondeu, depois de quase dez segundos de intenso pensamento.
O meu celular tocou e eu tive de sair às pressas. Joguei a senha no lixo e olhei de relance para as duas jovens dialogando. “Para algumas mulheres o coração tem o formato de carro, e os sentimentos são cédulas de dinheiro”, pensei.
Na rua, os estranhos transitavam de forma fascinante. Crianças traquinas, idosos acompanhados e garis trabalhando. No meio daquela multidão, na entrada de uma loja, um casal se beijava de forma poética e envolvente. “Acho que existe amor de verdade”, pensei.
Jefferson Rocha