Fátima e William – Marcas profundas de um amor.
Podia-se afirmar com certeza que era o casal mais feliz do mundo.
Carreiras brilhantes, quatro filhos lindíssimos, alto patrimônio familiar, cultural e financeiro.
A sorte os bafejara com a aquiescência dos deuses.
Glamour, sucesso e badalação.
Midas contribuiu generosamente.
Mas...a vida tem seus percalços.
Após um exame de rotina Dr. Antunes comunicou à Fátima: a senhora está com um problema de saúde.
- Pode me dizer do que se trata Dr., por favor, quero saber em detalhes.
- Leucemia sentenciou enfaticamente o médico.
Os céus desabaram sobre sua cabeça.
Retendo as lágrimas pediu informações mais detalhadas ao profissional.
- Bem Dona Fátima o câncer detectado se apresenta da forma mais aguda, a senhora terá que ser tratada com urgência através da quimioterapia e outros recursos disponíveis.
- Preciso de mais exames para avaliar adequadamente seu quadro de saúde.
Dr. Antunes preencheu as requisições e indicou uma clínica para que urgentemente fossem efetuados os exames requeridos.
Fátima, mãos trêmulas, apanhou os papéis rogando-lhe em nome da ética, não informasse ninguém de sua família sobre o caso.
Em pânico retornou ao lar a cobertura do Edifício Gold na Barra da Tijuca.
Aos prantos, desorientada, desabou sobre a cama da suíte do casal.
Por quê meu Deus? ...como foi acontecer comigo?
Num flash a vida passou-lhe pela mente: tudo fora perfeito até agora.
Abundância, felicidade, os filhos bem encaminhados na vida, um marido exemplar, amigos, muitas viagens, festas e diversão.
Nada lhes faltara até então...
Mais tarde, quando William retornou, sentiu que algo estranho estava ocorrendo.
Afagou-a nos braços beijando-lhe as faces empalidecidas perguntando:tudo bem?
- Tudo querido, apenas uma pequena enxaqueca,creio que estou um pouco estressada com o trabalho intenso.
- Repouse meu amor, vou agendar uma consulta para você já na parte da manhã.
- Não será necessário meu bem, já estive consultando o médico.
- Ele recomendou-me alguns dias de descanso, vou solicitar à empresa um afastamento por algum tempo, recompor-me...
O Diretor estranhou, ela jamais se afastara do trabalho.
Algo de muito grave estava ocorrendo.
Ante a palidez da competente funcionária ainda tentou ajudar.
- O que posso fazer por você?
Nada, Bono, obrigado, estou um tanto exausta, estressada, preciso de um tempo.
- Ok querida, tire o tempo que precisar!
Alguns dias se passaram.
Fátima entregara os exames recentes ao Dr. Antunes.
Ele examinou-os com atenção, conversou com vários colegas especialistas.
Voltou a conversar com a paciente dias depois.
O veredito veio em minutos: Fátima, seu caso é muito grave, no Brasil não temos condições de tratá-la adequadamente, vou recomendar-lhe uma clínica excelente em Massachusetts, e, em poucos meses creio que tudo ficará bem!
- A verdade doutor, seja sincero, a verdade - quanto tempo me resta?
- Senhora, só posso avaliar após o tratamento.
- Aqui no Brasil, com os recursos que temos diria que em tese teria uma sobrevida de aproximadamente um ano ou pouco mais...
Apática, pensativa reiterou ao médico que não divulgasse o seu estado clínico à ninguém, especialmente ao marido.
Saiu do consultório desolada, a mente em redemoinhos, as pernas trôpegas.
William a esperava na soleira da entrada do apartamento.
Abraçou-a e a conduziu ao living room sentando-se no sofá clássico Chesterfield de couro de Búfalo.
O perfume das flores sobre a lareira bailava adocicadamente pelo ambiente.
- Conte-me tudo, disse ele, em detalhes.
Ela escondendo entre as mãos a face lívida murmurou: não há nada de errado com minha saúde.
- Querida, por favor, sei quando não está bem.
- Não é problema de saúde meu querido e desatou a chorar...
- ... não sou digna de você e de nossos filhos, eu os traí de modo vil com um dos colegas de trabalho nas viagens constantes que fiz na ponte aérea Rio São Paulo, há muito...
- Não acredito, não posso crer...
- Me apaixonei perdidamente por ele, quero ficar com ele, nada mais restou de meu amor por você!...nem eu acreditava que isso fosse possível.
Um frio percorreu-lhe o corpo, tentou discutir a relação com ela, inútilmente.
Fátima recompôs-se na poltrona.
- Providencie a documentação, pretendo que o divórcio seja de mútuo consentimento, urgente, abro mão do apartamento e de todos os nossos bens.
- E nossos filhos???
- Já são adultos e compreenderão, não deixarei de visitá-los periodicamente.
Cabisbaixo William retirou-se pensativo - como um grande amor poderia terminar assim???
Não cria no que ouvira há poucos instantes.
Não aceitava a peça que a vida estava a lhe pregar.
Em pouco tempo estavam divorciados, definitivamente separados.
William permaneceu no lar desfeito e jamais casou novamente.
Afastou-se da empresa definitivamente e se isolou da sociedade.
Fátima alugou um pequeno apartamento de frente para o mar num hotel próximo ao Morro do Vidigal, um lugarzinho agradável.
Ficava horas na sacada do apartamento, acompanhando com um triste olhar o revoar das gaivotas, matutando sobre a vida.
Lembrou-se da sua ex-serviçal Rosa Maria que morava na favela e pediu-lhe que viesse visitá-la.
- Rosa Maria, tenho um projeto para a comunidade e gostaria de sua colaboração.
- Pois não senhora, pode falar.
- Rosa, como sabes toda minha vida foi cheia de glamour, convivência com a alta sociedade do Rio e dos lugares mais badalados do mundo, agora, estou dando uma guinada radical em minha vida e gostaria de ajudar este povo do Vidigal, tão carente e sofrido.
Diria, redimir-me junto a sociedade, aos carentes e a Deus.
E expôs seu projeto.
Semanas depois criaram na comunidade uma ONG, a “Sempre Vida” destinada a auxiliar crianças carentes.
Com o vasto rol de amizades entre grandes empresários e amigos Fátima obteve recursos financeiros e apoio profissional à ONG além de doar seu patrimônio particular à entidade que fora declarada de utilidade pública.
Assim poderiam captar recursos dos governos municipal, estadual e federal.
Sede própria, salas de aula, quadras de esportes, biblioteca, piscina, uma bela área verde, um projeto bem elaborado.
Neste ínterim William tentou, em vão, por várias vezes conversar com a ex- mulher.
Não conseguia revê-la, só algumas poucas palavras por telefone.
Ela estava sempre ocupada com os projetos assistências ou em trabalhos de campo.
Ele não entendia o sentido que Fátima dera à vida.
Mãe zelosa, ela mantinha contatos freqüentes por telefone ou MSN com os “meninos” que moravam no exterior.
Eles não perceberam seu estado de saúde, porém achavam-na um pouco apática e desinteressada das coisas que ocorriam pelo mundo.
Alguns meses se passaram.
Na diretoria da entidade através de uma eleição, foram escolhidos os novos membros.
Rosa Maria fora alçada, por indicação de Fátima a diretora presidente.
Fátima estava muito debilitada.
A doença limitava suas ações mas não arrefecera seu ânimo.
Rosa Maria revelou-se uma competente administradora e a ONG ia colhendo ótimos resultados sendo inclusive citada e premiada por órgãos internacionais de educação como uma das mais dinâmicas do Brasil.
Certo dia Fátima pediu à Rosa Maria para vir ao seu apartamento.
- Rosa, não me sinto bem, quero que entregues esta carta, após meu falecimento, ao meu ex-marido.
- Mas o que é isso indagou Rosa, a senhora tem muito tempo de vida ainda...
Ledo engano.
Fátima faleceu dias depois.
Cumprira a idealizada missão.
William que não sabia do grave problema da amada e lendo a carta, compreendeu finalmente sua atitude e a grandeza de sua nobre alma.
Muitos anos se passaram desde então.
A ONG continua cumprindo seus nobres propósitos.
William, já idoso às vezes acompanhado dos “meninos”, levam rosas vermelhas todos os finais de semana ao túmulo daquela extraordinária esposa, mãe e mulher.
"Uma vida sem causa é uma vida sem efeito." (Barbarella)