NO AMOR A IDADE NÃO TEM IMPORTÂNCIA

Sem ter a sublime idéia de contar, pelo menos, até dez antes de tomar esse passo decisivo em minha vida, idiota e impensado que fui, casei, imagine só! Isso mesmo, tal qual um tresloucado desvairado conduzido por sonhos e devaneios inventei de casar aos dezoito anos com uma garota de pouco mais de dezenove. Como já é de praxe nos dias atuais, a lua de mel precedeu em muito o enlace matrimonial, portanto não havia mais que falar a respeito desse momento tão esperado pelos noivos de antigamente. Que moça casa virgem nos dias atuais? Assim, o mel há muito havia sido desfrutado quando a flor desabrochava, não existindo mais ansiedade nem exasperação para descobertas ou novidades. Tudo era velho e conhecido. Ainda assim, malgrado termos colocado o carro na frente dos bois com naturalidade contemporânea, nosso convívio, pelo menos a princípio, foi civilizado. Em pouco, no entanto, vieram as rusgas, as desavenças, os desencontros de sentimentos, os ressentimentos e, por fim, o distanciamento e olhares esgazeados de um para o outro no próprio quarto do casal. Ela armou uma rede em plena alcova e lá dormia enquanto eu abraçava os lençóis, sozinho. Quase quatro anos depois o sonho da felicidade conjugal transformava-se num amargo pesadelo.

Nem bem completei vinte e um anos quando conheci Raquel, mulher bonita, experiente, maravilhosa, especial, diferente, não dando a menor importância quando ela revelou-me estar com cinquenta e três anos e que era velha demais para mim. Não adiantou, aquela pérola de incomensurável valor fisgou-me com intensidade tal que eu pensava nela o dia inteiro no trabalho, na faculdade e na cama. Eu a desejava. Não lhe via cabelos grisalhos nem rugas, não me importava que fosse casada e que a falta de massa muscular estivesse aos poucos esticando sua delicada pele. Eu a queria para mim todos os dias, desejava-a e faria qualquer loucura para tê-la. Seus argumentos relativos à diferença de idade não me dissuadiam. Nossos primeiros encontros foram por acaso, no começo surpreendi-a olhando-a ininterruptamente, um encarando o outro sem nenhum querer desviar o olhar. Talvez esse longo e demorado olhos nos olhos tenha despertado em mim, provavelmente em nós, uma seqüência de sentimentos nunca outrora percebidos. Se algo tocara em mim de maneira romântica naquele momento, certamente a alvejara também.

Admirava-a sobretudo pela retidão de caráter além da sinceridade que nunca faltou em nenhum instante de nosso relacionamento. Nossa primeira vez, se bem não passasse por nossos corações qualquer espécie de malícia, aconteceu num lugar realmente inusitado. Encontramo-nos numa grande livraria da cidade durante o lançamento de um livro. Acompanhava-a o marido em meio à multidão interessada na obra lançada. Tínhamos combinado de nos ver por lá ao menos para trocar sorrisos e acenos discretos, pois até mesmo um mero gesto servia para nos encher de alegria. No ruge-ruge dos autógrafos, coquetéis e salgadinhos de mão em mão eis que Raquel se aproxima de onde estou e sussurra: "Vamos lá fora!" Fomos, sem planos nem premeditação, guiados por algum anjo cúmplice que nos conduziu ao local de estacionamento de centenas de automóveis vigiados por indefectíveis flanelinhas. Um deles esticou a botuca dos olhos na nossa direção quando entramos no carro dela, porém nos deixou em paz tão-logo percebeu que escapáramos da festa literária para conversar às escondidas por alguma razão qualquer maliciosamente compreendida por ele. Quando menos esperamos e demos por nós, porque nessas ocasiões a sucessão de acontecimentos nos vela a razão e tolda o entendimento, estávamos no banco de trás despindo um ao outro. No meu último e maravilhoso suspiro de pós amor inesperadamente repentino, pessoas passando a pouca distância e o flanelinha nos procurando ao longe, decerto enxergando somente nossas cabeças e certamente sabendo o que se passava dentro do carro, ouvi-a murmurar: "O que foi que eu fiz?" E eu respondi: "Agora é tarde, já somos um do outro."

Aos 53 anos, embranquecidos os seus cabelos(e isso lhe dava um radiante porte de rainha), desmesuradas suas olheiras(que eu via como um complemento de sua beleza) e um ar de cansado que avivava seus olhos cor de esmeralda quando estávamos juntos, Raquel abandonou o marido e três filhos adultos para morar comigo, que, aos 21 anos, não pensei nem um milionésimo de segundo para também largar minha primeira mulher cujo amor por mim não mais existia e que, eu percebia, jamais fora amada por mim. Hoje, após seis anos de união vimos que foi a decisão mais acertada de nossas vidas. Cada amanhecer de nosso amor é como se nos víssemos pela primeira vez. Trinta e dois anos de diferença entre mim e ela desaparecem nos labirintos do meu coração ao andarmos de mãos dadas pelas ruas da cidade. Nossos corações nunca esbarraram no preconceito da idade. Acreditem, descobri o verdadeiro amor e ouço o exultar de minha alma toda vez que meus olhos encontram os de Raquel e eu balbucio categórico e seguro de minhas palavras, "eu te amo!" Ser feliz com alguém não depende de tempo de vida, mas simplesmente de descobrir a beleza sincera e profunda do amor.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 11/05/2010
Reeditado em 12/08/2010
Código do texto: T2249697
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.