LUCÍLIA, A “CURVA VADIA E DELIRANTE”
Esta cicatriz que trago no braço, Augusto, já tive dificuldades de explicá-la... inclusive a você! Coincidentemente, estamos perto de onde ela se originou. Vê aquela selaria adiante?... Pois foi lá, bem antes de você nascer. No local, existia modesta casinha, construída além do limite frontal do lote; sua frente era ocupada por altas ramagens circundando a calçada que levava ao alpendre de duas cadeiras, tamanho era seu exíguo espaço. Moravam nessa singela casinha duas irmãs. Suas idades, muito além do meio dia, não lhes roubaram, contudo, inteiramente os atrativos, pois a estes ainda eram atraídos certos clientes dispostos a usufruírem de tais restantes dotes.
Nessa casa, ao cair das noites, graças à discrição das duas irmãs e da fingida insuspeição da vizinhança, funcionou por vários anos uma “casa de tolerância”. Um “redevúzinho” comportado, encravado no meio da intolerância daquelas famílias pias de resguardado conservadorismo.
A solidão das noites permitia ao cidadão caminhar desconfiado pela rua, espreitar as proximidades, e, em dado momento favorável, zás! esgueirar-se rapidamente pelo portão em meio a folhagem. Sob olhares de terceiros, abortava-se a intenção pretendida e repetia-se a encenação. Comportava-se, assim, submetendo-se a exaustivos cuidados para não chamar atenção de ninguém.
Aqui, vim a conhecer Lucília. Aparentava seus dezoito anos, bonita, inteligente, conversadeira, negra de “alumiá”, diziam. Viera de Uberlândia, fazendo a vida ali, recentemente.
--- Vou te “filá” um cigarro! Foram as primeiras palavras dela a mim. Estendi-lhe a mão oferecendo-lhe o maço. Não passou disso. Deixei-a conversando com as irmãs. Fui cuidar da inquietação que me afligia, dado o atraso de certa fulana.
Os dias se passaram. Coincidiu certo dia, conversando entre amigos, de o assunto descambar para as excitantes qualidades sexuais da mulher negra. Lembrei-me de Lucília. Pela primeira vez, dirigi minhas fantasias focando as pretensas qualidades da negrinha, não tardando muito a que isso viesse concretizar.
--- Vou te “filá” um cigarro! Não era ela dois dias depois?!!!
Desse dia em diante, encontrávamos pelo menos duas vezes por semana. Tornamo-nos íntimos. A gente combinava o dia, ela já esperava num dos quartinhos do fundo do quintal.
Amávamos, conversávamos, amávamos e ...
Nos intervalos, Lucília adquiriu o hábito de fumar. No breu do acanhado quartinho não se via nada. A brasa se avivava esporadicamente à medida que a moça tragava, contrastando com o seu rosto; via-se ali, por segundos , um quadro rubro-negro deveras intrigante.
--- Você tá parecendo uma capetinha fumando, sabia? Ela ria baixinho. Um dos braços livre me abraçava.
No dia preciso do ocorrido trabalhei à exaustão; mesmo cansado, achei tempo para o cinema, não retornando diretamente pra casa; meus passos, conduzidos pelo hábito ou propriamente pelo prazer, ignoraram o cansaço conduzindo-me àquela “curva vadia e delirante”.
Quis o destino(?), --- não podia ser outra coisa, --- que a encontrasse casualmente naquela noite. (ah, mulheres!) Ante nossas surpresas(?) pegou minha mão conduzindo-me passivamente para os fundos.
--- Tem um trem diferente aqui hoje... um cheirinho...
--- É. Parece que bateram alguma coisa contra insetos... deve ser. Concordei.
Não importava.
O rosto de Lucília brilhava à medida que tragava. Admirando aquela cena tão familiar aconcheguei a cabeça em sua coxa e adormeci ali, o braço pendido ao lado da cama. Certamente o mesmo aconteceu com ela.
Grassou por lá, na ocasião, uma praga de percevejos. As irmãs, no intuito de combatê-la misturaram querosene ao BHC, untando as juntas do estrado da cama onde se aninhavam. Longe de suas vistas, uma ponta do lençol provavelmente se molhou na mistura. Era o cheirinho diferente.
Os fregueses, meu caro Augusto, hão sempre de ter razão. Nada daquele incidente prosperou; nada dele vazou e apenas prejuízos de pequena monta ficaram. A dor me chamou à realidade e lá se foram apenas um pedaço do colchão, parte do lençol queimado e a ferida do braço. Aceitamos finalmente as desculpas.
Entende agora o “por quê” do meu embaraço? ... Uma coisa posso lhe garantir hoje: foi a primeira e a última vez que incendiamos camas!... Não nesse sentido é claro!
Agora que você já sabe, bico calado meu jovem... Vamos?
Ah, Lucília, aquela sim, era uma mulher de verdade!
Pensei, enquanto saíamos da Mato Grosso.
Nessa casa, ao cair das noites, graças à discrição das duas irmãs e da fingida insuspeição da vizinhança, funcionou por vários anos uma “casa de tolerância”. Um “redevúzinho” comportado, encravado no meio da intolerância daquelas famílias pias de resguardado conservadorismo.
A solidão das noites permitia ao cidadão caminhar desconfiado pela rua, espreitar as proximidades, e, em dado momento favorável, zás! esgueirar-se rapidamente pelo portão em meio a folhagem. Sob olhares de terceiros, abortava-se a intenção pretendida e repetia-se a encenação. Comportava-se, assim, submetendo-se a exaustivos cuidados para não chamar atenção de ninguém.
Aqui, vim a conhecer Lucília. Aparentava seus dezoito anos, bonita, inteligente, conversadeira, negra de “alumiá”, diziam. Viera de Uberlândia, fazendo a vida ali, recentemente.
--- Vou te “filá” um cigarro! Foram as primeiras palavras dela a mim. Estendi-lhe a mão oferecendo-lhe o maço. Não passou disso. Deixei-a conversando com as irmãs. Fui cuidar da inquietação que me afligia, dado o atraso de certa fulana.
Os dias se passaram. Coincidiu certo dia, conversando entre amigos, de o assunto descambar para as excitantes qualidades sexuais da mulher negra. Lembrei-me de Lucília. Pela primeira vez, dirigi minhas fantasias focando as pretensas qualidades da negrinha, não tardando muito a que isso viesse concretizar.
--- Vou te “filá” um cigarro! Não era ela dois dias depois?!!!
Desse dia em diante, encontrávamos pelo menos duas vezes por semana. Tornamo-nos íntimos. A gente combinava o dia, ela já esperava num dos quartinhos do fundo do quintal.
Amávamos, conversávamos, amávamos e ...
Nos intervalos, Lucília adquiriu o hábito de fumar. No breu do acanhado quartinho não se via nada. A brasa se avivava esporadicamente à medida que a moça tragava, contrastando com o seu rosto; via-se ali, por segundos , um quadro rubro-negro deveras intrigante.
--- Você tá parecendo uma capetinha fumando, sabia? Ela ria baixinho. Um dos braços livre me abraçava.
No dia preciso do ocorrido trabalhei à exaustão; mesmo cansado, achei tempo para o cinema, não retornando diretamente pra casa; meus passos, conduzidos pelo hábito ou propriamente pelo prazer, ignoraram o cansaço conduzindo-me àquela “curva vadia e delirante”.
Quis o destino(?), --- não podia ser outra coisa, --- que a encontrasse casualmente naquela noite. (ah, mulheres!) Ante nossas surpresas(?) pegou minha mão conduzindo-me passivamente para os fundos.
--- Tem um trem diferente aqui hoje... um cheirinho...
--- É. Parece que bateram alguma coisa contra insetos... deve ser. Concordei.
Não importava.
O rosto de Lucília brilhava à medida que tragava. Admirando aquela cena tão familiar aconcheguei a cabeça em sua coxa e adormeci ali, o braço pendido ao lado da cama. Certamente o mesmo aconteceu com ela.
Grassou por lá, na ocasião, uma praga de percevejos. As irmãs, no intuito de combatê-la misturaram querosene ao BHC, untando as juntas do estrado da cama onde se aninhavam. Longe de suas vistas, uma ponta do lençol provavelmente se molhou na mistura. Era o cheirinho diferente.
Os fregueses, meu caro Augusto, hão sempre de ter razão. Nada daquele incidente prosperou; nada dele vazou e apenas prejuízos de pequena monta ficaram. A dor me chamou à realidade e lá se foram apenas um pedaço do colchão, parte do lençol queimado e a ferida do braço. Aceitamos finalmente as desculpas.
Entende agora o “por quê” do meu embaraço? ... Uma coisa posso lhe garantir hoje: foi a primeira e a última vez que incendiamos camas!... Não nesse sentido é claro!
Agora que você já sabe, bico calado meu jovem... Vamos?
Ah, Lucília, aquela sim, era uma mulher de verdade!
Pensei, enquanto saíamos da Mato Grosso.