GARRAFAS DE NÁUFRAGOS

Aturdida com a profusão de luz projetada nas minhas retinas ocasionada pelo reflexo do sol no imenso espelho de verdes águas salgadas, senti de repente a sensação de irrealidade que me projetou para uma terra de sonhos, numa época onde ainda se podia viver grandes aventuras marítimas.

Pairava na manhã um excesso de luz que dava tons irreais aos cenários, como se uma bruma de fumaça esbranquiçada dissipasse as sombras e atenuasse os contornos, criando um cenário surreal onde as coisas nem sempre são o que aparentam ser.

Ambiente propício para sonhar, viajar mundos estranhos, há muito pressentidos, em recriações do cinema ou descrição em livros. Sempre imaginados e desejados.

A ilusão então se instala ao sabor da imaginação.

O hábito, a muito tempo cultivado, de catar conchinhas do mar e vibrar a cada tesouro descoberto, como se fora uma raridade e de me embevecer ante a beleza de cada detalhe - nuanças de cores, profusão de formas - conduziu-me por mundos de magia e encantamento que, desde os meus tempos de criança, me fascinam nas histórias que costumava ler, pelo conteúdo cheio de alusões a aventuras e romances.

Ficar olhando o mar e sonhar com piratas a procura de tesouros.

Andar pela praia na esperança de encontrar, ali jogada na areia, bem ao meu alcance, uma velha garrafa do mar, com mensagens de náufragos em busca de ajuda ou recados de amantes desesperados, desafiando o tempo e atravessando mares até um porto seguro para ancorar na praia. Impunemente. Sem ter cumprido a sua missão. Ou será que a sua missão ainda não acabou? Será que ainda hoje existem náufragos que se utilizam desse método tão inusitado para se comunicar em pleno domínio do e-mail ?

Tomada de visível emoção abro a garrada com cuidado, para não danificar seu precioso conteúdo. E aos poucos vou penetrando naquele mundo distante no tempo e no espaço ali descrito em palavras simples de apelo ou em rebuscadas declarações de amor. Me vejo então senhora daquele segredo, por tanto tempo guardado, e me impressiono ao pensar o que terá acontecido com aqueles que por ela tanto esperaram em vão. Senhora também dos seus destinos. Estimo quanto era importante que aquele apelo, seja ele de amor ou um pedido de socorro, chegasse ás mãos certas na hora certa. Tempo e espaço fazendo a diferença.

Ai as garrafas de náufragos! Como me fascinam!

Num momento de distração deixo a garrafa escorregar e o estalido de vidro quebrando ao tocar o chão me trazem de volta à realidade. E o que vejo então me deixa cheia de ternura e contentamento. Aberta em minhas mãos duas folhas de papel, de delicada textura, com uma letra miúda e caprichada que sugere toda a delicadeza e requinte de uma época que já não tem espaço nesse mundo das coisas práticas e urgentes. E à proporção que vou lendo meu peito se enche de uma grande felicidade e sinto vontade de me fazer digna e merecedora daquele momento único que a vida, já no seu ocaso, ainda está me proporcionando.

Uma carta para mim. Se não fosse o preconceito eu diria “uma carta de amor”. Uma carta tão bonita e verdadeira. Uma carta que me fez voltar a viver a vida com o sentimento de transcendência. Atemporal. Universal.

Buscando sempre a essência na transparência dos sentimentos verdadeiros que por isso se perpetuam na mente e nos corações enamorados.

Ai os náufragos e suas garrafas!

Ai as cartas...quem disse que são ridículas?

Quem nunca as escreveu

Quem nunca as recebeu.

Alena Ajira
Enviado por Alena Ajira em 30/04/2010
Reeditado em 24/06/2015
Código do texto: T2229058
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